Houve tempo em que Burt Bacharach era sinônimo de
cafonice. Hoje, a palavra cafona pereceu e houve “reavaliação crítica”
(gargalhada) e ninguém se atreve a disputar seu lugar no panteão dos maiores
compositores populares do século passado.
Como jamais dei bola pra essas coisas, sempre amei Burt
com abandono. Pra mim, a melhor coisa dos anos 60 e uma das melhores da
primeira metade dos 70’s (porque daí já havia philly soul, Genesis).
Quando sei dalgum lançamento bacharachiano, ouço. Não que
os busque, porque os originais significam tanto pra mim, mesmo repetidos
milhares de vezes.
Soube de dois, um deles de material original, então não
podia deixar de comentar.
Há meio século, Dionne Warwick era estrela internacional
de primeira grandeza. O semiesquecimento de hoje é muito injusto. Negra e
gravando em selo independente fundado por mulher, Warwick cravou diversos
sucessos nas paradas.
Na Scepter Records, Dionne gravou as primeiras versões,
que não poucos julgam definitivas, de músicas de Burt Bacharach e seu parceiro
Hal David.
No comecinho deste ano, saiu compilação de 26 faixas,
chamada Odds & Ends -Scepter Records Rarities, recomendada especialmente
para experientes em Dionne Warwick. Neófitos não deveriam ser expostos a
versões alternativas, outtakes e diferentes mixes de pérolas como I Say a
Little Prayer ou Don’t Make Me Over. Longe de serem ruins, mas há uma razão
porque não foram as escolhidas dentre as várias sessões de gravação para serem
os lançamentos oficiais.
Não há só Bacharach nesse repertório, mas ele é o filé
mignon. Que devoto não amaria ouvir clássicos como A House Is Not a Home e Walk
On By em alemão, francês e italiano? A despeito da imensidão do mercado em
língua espanhola, àquela época as gravadoras anglo-sediadas nem lhe davam bola.
Provavelmente a pronúncia deixe a desejar, mas quem resiste ao solo de trompete
de How Many Days of Sadness, em francês? Dá uma baita saudade de não sei quê. E
a voz de Warwick é tão maviosa que pouco importa pra não italianos como ela
cante The Windows of the World. Também há o jogo inverso: uma versão em inglês
de La Vie em Rose.
O título da coletânea provém da versão alternativa da
faixa Odds & Ends. Toda essa geração moleca que se delicia com fofuras
indie pop daqui ou de lá fora devia ouvir isso. Burt Bacharach praticamente inventou
esse pop assobiável, que dá vontade de estalar dedinhos, fazer papapa e sair
pulando pela rua de oclão e maria-chiquinha.
Pessoal do sophistipop também deve muito à Dionne e Burt.
Ouça Amanda, que começa discreta até explodir naquelas orquestrações “exageradas”’
dos 60’s, que o Swing Out Sister copiava com perfeição e gosto nos 90’s e
começo dos 00’s.
A coleção oferece ainda curiosidades como Warwick
cantando Monday, Monday do The Mamas and the Papas. Que modulação que sua voz
dá à melodia! Respeito, mas nunca fui muito fã dos branquelos sessentistas; pra
mim o melhor da década é soul e R’n’B da Motown, Stax, Atlantic e indies, como a Scepter, claro. Assim,
essa versão de Monday, Monday é minha favorita desde o começo de 2018 (não que
isso signifique muito, porque nem ouvia a original).
Ainda há o studio mix delicioso de I Love Paris, super
big band e o jazzinho sacana de C’est Si Bon. Como a França era paparicada,
não? Hoje alguém ainda se importa?
E pra provar que Odds &
Ends -Scepter Records Rarities é mais indicada pra quem é mais obsessivo e
experiente em Warwick/Bacharach, a última faixa é composta por comerciais de
rádio e mensagens da cantora e, no fim, pra arrepiar, o Mestre recomendando
duas coletâneas de Dionne.
Jonathan Butler nasceu, em 1961, na segregacionista
África do Sul. Lá o apartamento entre brancos e negros era legalizado e o
músico fez sua parte pra que essa maldade desaparecesse como instituição.
Excursionando desde tenros sete anos de idade e sendo ídolo teen em seu país,
Butler começou a compor no fim dos 70’s e logo se mudou pra Londres, onde ficou
por anos.
Nunca massivo, seu sucesso sempre foi mais entre pares e
o público de smooth jazz, urban soul, R’n’B, enfim, nós que amamos uma boa vibe afro. Dia 24 de agosto, o cantor e
guitarrista lançou Close To You, cujo título ref(v)erencia um dos temas mais
conhecidos/regravados de Bacharach/Davis. Das 11 faixas, uma dezena é releitura
da dupla norte-americana. A exceção fica é Cape Town, ode à cidade natal de
Butler, com clima de tema de Olímpiada ou copa do Mundo, à Shakira. Tem até
“kaya kaya”, ou seja o que for, na letra. Gostosa a pegada afro, que informa
também vários dos standards bacharachianos, como I’ll Never Fall In Love Again.
Como Butler é exímio violonista (confira a lenta A House
Is Not a Home) e guitarrista, um par de letras de Hl Davis foi pro espaço, como
em I Say A Little Prayer e Do You Know the Way to San Jose? Nada de errado,
afinal as homenagens são sempre pra sonoridade que Burt criou e no caso da
primeira canção, ficaria até meio estranho o pio Butler cantando sobre pensar
no bofe enquanto se maquia. Versões sem letra de Do You Know..., porém, sempre
me soam redutivas, porque rompe ironia não sei se proposital, mas cruel: a
brejeira melodia acompanha letra que fala de fracasso retumbante e volta pra casa:
são os tantos sonhos de estrelato hollywoodianos que não passam de frentistas
de posto de gasolina.
Essa canção – a abertura, inclusive – resume bem Close to
You, o álbum: é legal, pinta com tons distintos alguns clássicos, mas não
supera ou iguala nenhuma versão mais ortodoxa já ouvida.
Dá pra ouvir de boa e gostar dos soul-jazz midtempo em
que foram transformadas Walk On By, Alfie e The Look Of Love e se entusiasmar
com a maciça influência de Steve Wonder em This Guy’s In Love You. Mas, não
recomendo como introdução à Burt Bacharach; melhor versões mais fieis (claro
que não indicarei os originais, porque daí é covardia com quem faz
homenagem).
Se você já é convertido,
poderá achar interessante e competente.