sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

PAPIRO VIRTUAL 119

Roberto Rillo Bíscaro

A produção de filmes de ficção-científica dos anos 1950 não se deu apenas nos EUA, mas lá aconteceu com mais vigor, porque a infraestrutura estava montada há décadas e o pós-Guerra trouxe bonança econômica e aumento populacional (mais público). Paralelamente, a histeria pelos discos-voadores, a competição bélico-espacial com a URSS e o medo da infiltração comunista forneceram temas férteis pruma produção fordista de filmes que se sucediam e repetiam com variações diminutas. Em 1957, por exemplo, louva-a-Deus, escorpião, caranguejo, gafanhoto e moluscos radioativamente agigantados colocaram em perigo a espécie humana em produções distintas, copiadas de precursores então recentes como Them! (1954), sobre formigas avantajadas e Tarantula (1955). Mais do mesmo em proporções de linha de montagem.
Metaforizar essas películas como expressões da ansiedade gerada pelo medo da energia atômica e da invasão ou despersonalização comunista tornou-se prevalente a ponto de se transformar numa espécie de memória globalizada. O que essa visão esquece é que em diferentes países a recepção pode ter variado um pouco;
A Grã-Bretanha vivia tempos bem diferentes de sua ex-colônia ianque. As 2 guerras mundiais endividaram a nação, que, além disso, precisou importar maciçamente mão-de-obra imigrante bem antes do que os EUA. Sem contar o processo de descolonização, que esfacelou o império onde outrora o sol jamais se punha. A pomposa, mas empobrecida Inglaterra passou a ser júnior dos EUA em tudo e até humilhada mundialmente, como na crise do Canal de Suez, em 1956, como se pode conferir na segunda temporada de The Crown.
Matthew William Jones problematiza a visão americanocêntrica da leitura da produção sci fi cinquestista, em sua tese The British Reception of 1950s Science Fiction Cinema, para a Universidade de Manchester, em 2012.
Não se trata de jogar fora o corpus sobre o tema e nem propor que os britânicos tenham tido leitura radicalmente distinta da do público norte-americano, mas investigar possíveis especificidades de interpretação devido a contextos culturais diversos. A Grã-Bretanha enfrentava sérios problemas de geração de eletricidade numa década em que menos de dez por cento da população tinha geladeira em casa. Foi a primeira nação a adotar programa civil de construção de usinas atômicas pra produção de eletricidade. Assim, mesmo com certo receio das consequências, provavelmente no início dos anos 50 o público via com fascínio e esperança a possibilidade de ter luz na residência, realidade bem diferente experimentada pela abundância elétrica dos norte-americanos, que talvez pudesse se dar ao luxo de recear, em sua fartura de luz.
O capítulo 1 é dividido em 2 partes. Na primeira, Jones percorre a fortuna crítica abundante, que coloca o cine sci fi dos 50’’s, como lócus de articulação das várias ansiedades do pós-Guerra. Quem estreou tal visão foi Susan Sontag em seu influente ensaio The Imagination of Disaster (1964), que famosamente começa com a afirmação “ours is indeed an age of extremity”. Sorte que a falecida não está mais aqui pra ver como hoje está mais extremista ainda. Pra quem curte ler sobre cinema, essa parte da tese abunda com referências, como a obra de Cyndy Hendershot, Paranoia, the bomb, and 1950s science fiction films (1999). Dá vontade de ler tudo.
Preparando o terreno pra apontar e justificar a originalidade de sua ideia de vasculhar interpretações particulares ao público britânico, Jones também elenca autores destoantes das interpretações prevalentes. Há quem ache que filmes como Invasores de Corpos não são crítica ao comunismo, mas sim, contra aspectos padronizadores que a cultura norte-americana assumia. Há quem veja os insetos gigantes como expressões do medo sentido por insetos e não metáforas. Há quem veja nos discos-voadores expressões a-historicizadas do Id. Enfim, essa polissemia de interpretações permitirá a Jones colaborar com a sua pra fortuna crítica.
Sempre me chama a atenção que em vários momentos esses estudos afirmam categoricamente que o público deve ter interpretado algo assim ou assado. Sabe-se que muito da produção sci fi cinquentista era exibida em drive ins, um dos únicos locais onde um casal não-casado podia gozar de certa privacidade socialmente aceitável. Será que esse público lia metaforicamente os filmes? Será que os Bolsominions funcionalmente analfabetos que vão ver Wolverine dar porrada, hoje, leem os X-Men como metáfora da diversidade, como alegam alguns intelectualetes? Leituras possíveis não significam leituras feitas. Ainda bem que essas leituras universalistas não passaram batido pra Jones, que alerta pro perigo de transferir pro público em geral interpretações que, afinal, são individuais.  
No capítulo seguinte, o acadêmico afirma que o perigo comunista provavelmente era articulado de forma distinta em produções e na recepção de filmes norte-americanos e britânicos. Os primeiros tendiam a apresentar a invasão Vermelha através de “pessoas comuns”. Enquanto na Grã-Bretanha a ansiedade era mais que os soviéticos – metaforizados em alienígenas – estivessem se infiltrando em instituições governamentais, mimetizando alguns casos de defecção pra Moscou ocorridos nos anos 50 ingleses. Ele usa o ianque It Came From Outer Space (1953) e o inglês The Quaternass Experiment (1955), além de uma série de menções a “traidores” do governo britânico, mencionados nos jornais da época. Resta saber, quanto do público dos cines lia jornal...
Mesmo que superespecífica e difícil de provar, porque os anos 50 estão distantes demais e não há documentação comprovando que muita gente interpretava os filmes como Jones o fez – nem todo mundo é doutorando em cinema e conhece teorias de recepção, hermenêutica etc - The British Reception of 1950s Science Fiction Cinema é bem gostosa de ler e interessará não apenas a cinéfilos, mas a interessados na recente história inglesa, devido à serie de dados apresentados pra sustentar as possibilidades interpretativas desenvolvidas por Jones.
Você pode baixar o trabalho em PDF ou lê-lo online, acessando:

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