Roberto Rillo Bíscaro
A produção de filmes de ficção-científica dos anos 1950
não se deu apenas nos EUA, mas lá aconteceu com mais vigor, porque a
infraestrutura estava montada há décadas e o pós-Guerra trouxe bonança
econômica e aumento populacional (mais público). Paralelamente, a histeria
pelos discos-voadores, a competição bélico-espacial com a URSS e o medo da
infiltração comunista forneceram temas férteis pruma produção fordista de
filmes que se sucediam e repetiam com variações diminutas. Em 1957, por
exemplo, louva-a-Deus, escorpião, caranguejo, gafanhoto e moluscos
radioativamente agigantados colocaram em perigo a espécie humana em produções
distintas, copiadas de precursores então recentes como Them! (1954), sobre
formigas avantajadas e Tarantula (1955). Mais do mesmo em proporções de linha
de montagem.
Metaforizar essas películas como expressões da ansiedade
gerada pelo medo da energia atômica e da invasão ou despersonalização comunista
tornou-se prevalente a ponto de se transformar numa espécie de memória
globalizada. O que essa visão esquece é que em diferentes países a recepção
pode ter variado um pouco;
A Grã-Bretanha vivia tempos bem diferentes de sua
ex-colônia ianque. As 2 guerras mundiais endividaram a nação, que, além disso,
precisou importar maciçamente mão-de-obra imigrante bem antes do que os EUA.
Sem contar o processo de descolonização, que esfacelou o império onde outrora o
sol jamais se punha. A pomposa, mas empobrecida Inglaterra passou a ser júnior
dos EUA em tudo e até humilhada mundialmente, como na crise do Canal de Suez,
em 1956, como se pode conferir na segunda temporada de The Crown.
Matthew William Jones problematiza a visão
americanocêntrica da leitura da produção sci fi cinquestista, em sua tese The
British Reception of 1950s Science Fiction Cinema, para a Universidade de
Manchester, em 2012.
Não se trata de jogar fora o corpus sobre o tema e nem
propor que os britânicos tenham tido leitura radicalmente distinta da do
público norte-americano, mas investigar possíveis especificidades de
interpretação devido a contextos culturais diversos. A Grã-Bretanha enfrentava
sérios problemas de geração de eletricidade numa década em que menos de dez por
cento da população tinha geladeira em casa. Foi a primeira nação a adotar
programa civil de construção de usinas atômicas pra produção de eletricidade.
Assim, mesmo com certo receio das consequências, provavelmente no início dos
anos 50 o público via com fascínio e esperança a possibilidade de ter luz na
residência, realidade bem diferente experimentada pela abundância elétrica dos
norte-americanos, que talvez pudesse se dar ao luxo de recear, em sua fartura
de luz.
O capítulo 1 é dividido em 2 partes. Na primeira, Jones
percorre a fortuna crítica abundante, que coloca o cine sci fi dos 50’’s, como
lócus de articulação das várias ansiedades do pós-Guerra. Quem estreou tal
visão foi Susan Sontag em seu influente ensaio The Imagination of Disaster
(1964), que famosamente começa com a afirmação “ours is indeed an age of
extremity”. Sorte que a falecida não está mais aqui pra ver como hoje está mais
extremista ainda. Pra quem curte ler sobre cinema, essa parte da tese abunda
com referências, como a obra de Cyndy Hendershot, Paranoia, the bomb, and 1950s science fiction films (1999). Dá
vontade de ler tudo.
Preparando o terreno pra apontar e justificar a
originalidade de sua ideia de vasculhar interpretações particulares ao público
britânico, Jones também elenca autores destoantes das interpretações
prevalentes. Há quem ache que filmes como Invasores de Corpos não são crítica
ao comunismo, mas sim, contra aspectos padronizadores que a cultura
norte-americana assumia. Há quem veja os insetos gigantes como expressões do
medo sentido por insetos e não metáforas. Há quem veja nos discos-voadores
expressões a-historicizadas do Id. Enfim, essa polissemia de interpretações
permitirá a Jones colaborar com a sua pra fortuna crítica.
Sempre me chama a atenção que em vários momentos esses
estudos afirmam categoricamente que o público deve ter interpretado algo assim
ou assado. Sabe-se que muito da produção sci fi cinquentista era exibida em drive ins, um dos únicos locais onde um
casal não-casado podia gozar de certa privacidade socialmente aceitável. Será
que esse público lia metaforicamente os filmes? Será que os Bolsominions
funcionalmente analfabetos que vão ver Wolverine dar porrada, hoje, leem os X-Men como metáfora da diversidade, como alegam alguns intelectualetes? Leituras
possíveis não significam leituras feitas. Ainda bem que essas leituras
universalistas não passaram batido pra Jones, que alerta pro perigo de
transferir pro público em geral interpretações que, afinal, são individuais.
No capítulo seguinte, o acadêmico afirma que o perigo
comunista provavelmente era articulado de forma distinta em produções e na
recepção de filmes norte-americanos e britânicos. Os primeiros tendiam a
apresentar a invasão Vermelha através de “pessoas comuns”. Enquanto na
Grã-Bretanha a ansiedade era mais que os soviéticos – metaforizados em
alienígenas – estivessem se infiltrando em instituições governamentais,
mimetizando alguns casos de defecção pra Moscou ocorridos nos anos 50 ingleses.
Ele usa o ianque It Came From Outer Space (1953) e o inglês The Quaternass
Experiment (1955), além de uma série de menções a “traidores” do governo
britânico, mencionados nos jornais da época. Resta saber, quanto do público dos
cines lia jornal...
Mesmo que superespecífica e difícil de provar, porque os
anos 50 estão distantes demais e não há documentação comprovando que muita
gente interpretava os filmes como Jones o fez – nem todo mundo é doutorando em
cinema e conhece teorias de recepção, hermenêutica etc - The British Reception
of 1950s Science Fiction Cinema é bem gostosa de ler e interessará não apenas a
cinéfilos, mas a interessados na recente história inglesa, devido à serie de
dados apresentados pra sustentar as possibilidades interpretativas
desenvolvidas por Jones.
Você pode baixar o trabalho em PDF ou lê-lo online,
acessando:
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