Roberto Rillo Bíscaro
Em 1946, a Suécia experimentou surto de relatos sobre
objetos não identificados sobrevoando superssonicamente seus céus. A ideia de
que fossem discos-voadores tripulados por ETs sequer passou pela cabeça dos
observadores e da imprensa. O termo flying
saucer, na verdade, só seria inventado no ano seguinte, nos EUA e nem então
se cogitaria tripulação alienígena. Suspeitaram de arma soviética desenvolvida
a partir de pesquisas nazistas. A Segunda Guerra mal acabara, então os alemães
ainda eram vilões (nem pra todos na colaboracionista Suécia, mas isso é outra
história) e a Guerra Fria já começara, ou alguém acha que as bombas atômicas
sobre um já derrotado Japão não foram também, demonstração de força pelos
norte-americanos?
Fato é que aparições que fogem ao registro cognitivo
são interpretadas à luz do que é culturalmente possível de imaginar. Num
primeiro momento, a torrente de avistamentos aéreos no mundo todo não foi
associado a ETs. Até na indústria cultural pode-se atestar isso, víde o filme The Flying Saucer (1950), que rapidamente usou a sensação dos discos-voadores
no roteiro, mas articulou-o como possível arma do inimigo vermelho. Com mais de 22 milhões de quilômetros quadrados de território, os soviéticos arriscariam queda e detecção em céus
capitalistas; realmente muito esperto...
Com a crescente certeza de que o homem se lançaria à
exploração espacial – no mesmo 1950 já houve dois clássicos sci fi com esse tema – o raciocínio
inverso não tardou: se o homem pode, por que não haveria civilizações mais
adiantadas que já estivessem singrando o espaço sideral? Poucos anos após a
febre de discos voadores de 1947, os ETs venceram a batalha pelo imaginário da
mídia e do público em geral e qualquer luzinha não identificada no céu era marciano
(na época achavam que poderia haver vegetação lá) nos fiscalizando.
No Brasil, o processo foi bem parecido, guardadas as
especificidades locais, muito bem elencadas na dissertação de mestrado A invenção dos discos voadores. Guerra Fria,
imprensa e ciência no Brasil (1947-1958), defendida na UNCAMP, em 2009, por
Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos.
O historiador traça painel muito interessante das ondas
de avistamentos no período estudado, destacando como a mídia impressa
insuflava, mas também se alimentava do candente tema das supostas naves
espaciais. Gente importante como Rachel de Queiroz escreveu crônica apavorada
sobre possível invasão. Gauthier também relata as falcatruas da imprensa na
fabricação do que ora se chama fake news,
que garantiram fama de publicações como O Cruzeiro.
Embora reconheça o poder da indústria cultural (termo
polêmico que acertadamente problematizado), o autor prova que as pessoas não
eram simples marionetes na mão da mídia ou das ideias vindas do Tio Sam. Por exemplo,
as teorias conspiratórias de lá, nunca colaram aqui, porque nossos militares
foram mais abertos do que os estadunidenses (porque mais despreparados, por
outro lado) e porque que segredo teríamos pra esconder em termos de armas e
pesquisas secretas, pobres de nós?
Gauthier não deixa de perceber, por exemplo, que após o
estrondoso sucesso do filme O Dia Em Que a Terra Parou (1951), afloraram
inúmeros relatos de gente afirmando ter recebido mensagens de advertência aos
perigos do uso de armas atômicas. Exatamente como no filme. Engraçado como
civilizações altamente tecnologizadas perderiam tempo e energia vindo pra cá
pra dar o recado prum zé-ruela qualquer no meio do nada. É como digo sobre as
possessões demoníacas: ao invés de pegar um presidente norte-americano, o demo prefere uma menina suburbana. Xô Cão, burro!
A questão nem é acreditar ou não na existências dos
OVNIS, porque o trabalho nem se propõe tal missão impossível. O mais fascinante
é aprender como nossos antepassados foram afetados por questões como o
holocausto nuclear e a corrida espacial, que, com a suposta aparição dos
discos-voadores deixavam de ser temas remotos. E no caso brasuca, a
popularidade de teorias espíritas (nem sempre bem entendidas) entre a classe
média pra cima facilitou a aceitação dos discos como naves extraterrenas. Isso
mereceria estudo a parte, porque Gauthier não tem como se aprofundar no tema,
porque seu recorte é outro.
A invenção dos discos voadores. Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958) pode ser acessada no link abaixo:
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