Roberto Rillo Bíscaro
Dia 8 de dezembro a Netflix entregou a segunda dezena
de capítulos de sua série mais cara, The Crown. Um show cuja protagonista está
impedida constitucionalmente de protagonizar (leia resenha da temporada 1, onde
isso é explicado) tinha tudo pra ser tão excitante quanto um hipopótamo
passeando na lama.
Mas, a produção minuciosa, interpretações magistrais,
roteiros nuançados e nosso fascínio pela Família Real somam um todo às vezes
hipnótico, quase sempre muito sagaz e totalmente respeitoso com a figura de
Elizabeth II. Quem a cerca pode ser um bando de esnobes privilegiados que
reclamam de barriga cheia, como Philip e Margaret, mas Lilibet triunfa até
sobre uma desbocada, debochada, drogada e dominada Jackie O. Aliás, finalmente
John Kennedy foi representado como o cusão arrogante que era.
The Crown II vai de 1956 – quando a Grã-Bretanha foi
internacionalmente humilhada com a crise do Canal de Suez – até 1964, quando
nasce o Príncipe Edward, aquele que vive tendo que negar que não é gay.
Como a série sabiamente se chama A Coroa e a família
disfuncional mais pública do planeta cresce, há espaço pra conhecermos melhor o
Príncipe Philip, consorte da rainha; a Princesa Margaret, sua irmã que acendia
um cigarro na bituca do outro; e o sensível Príncipe Charles, cuja infância foi
infernal numa escola espartana no gélido norte escocês.
Peter Morgan faz exímio trabalho para que entendamos o
que movia e dilacerava essas pessoas. O Príncipe Philip teve infância e
adolescência abomináveis, então dá pra compreender sua personalidade e
atitudes, o que não significa que necessitemos aprova-las ou mesmo gostar dele;
pelo contrário, nos dá razões concretas pra justificar porque não dá pra
apreciá-lo.
Uma das coisas que mais chama a atenção nessa temporada
é como tem macho adulto branco privilegiado sempre se queixando, porque no
fundo é inseguro e lotado de ódio. Sabe aquela coisa de tio-jurista véio
endinheirado e branco chorando que heterossexual está perdendo direitos, sem
falar exatamente quais são? Se você acha que isso é discurso “esquerdopata”,
então Sua Majestade também é, porque é nesses termos que detona um de seus
primeiros-ministros, chamando-o de fraco pra baixo.
O background Real
de Philip sempre o fez saber muitíssimo bem qual seria seu papel ao se casar
com Elizabeth – que ele voluntariamente cortejou – mas mesmo assim passa um
tempão se lamuriando que não é reconhecido, nhém, nhém, nhém. Ah, vovozinho,
seu “sofrimento” por isso não convence. Vai ser leiloado como escravo na Líbia
pra ver se tu ia gostar! Eles não têm escolha; Philip teve. Margaret também.
Que fique claro que afirmo isso com base na
ficcionalização dessa gente. Não me importa se na “vida real” deles ocorreu
isso ou aquilo, assim ou assado. Interessa o que acontece e como essas
personagens são construídas e mostradas em The Crown, uma série. Não é
documentário, não é de verdade, please!
Pela idade e fragilidade, o único que não teve chance
foi o pobre Charles. Nossa, dói ver o capítulo dedicado a seu relacionamento
com o pai e o bullying enfrentado por
longos anos. Mas isso é na temporada 2, depois quando virar adulto, ele terá
mais liberdade de escolha, então que não venha com choraminguice de mártir
sofredora! Quer dizer, pode vir, porque pra série dramática isso funciona, mas
não espere que me compadeça como se fosse no caso dum diagnóstico de aneurisma
cerebral.
Claro que essa profusão de gente (quase) abominável
cercando Elizabeth, também executa o truque de desviar nossa atenção de suas
culpas nos cartórios. No fim, tudo é construído pra que a Rainha se saia acima
de todos moralmente. As escolhas intempestivas e o comportamento abertamente
antipático de sua irmã naturalmente nos fazem apreciar mais a reserva cheia de
“of courses” da Rainha e numa cena Lilibet alfineta que das 2, Margaret sempre
fora a menos igualitária.
Mas eu não esquecera da cena, capítulos antes, quando a
monarca é forçada a abrir Buuckingham prum jantar pra comuns numa espécie de
sorteio de fim de ano pra jantar com a rainha, a fim de trazer o Coroa mais pra
perto do povo. O roteiro põe todo o desprazer da situação na boca da Rainha-Mãe
(uma víbora, segundo diria Diana, anos depois), num semimonólogo encharcado de
ressentimento, orgulho ferido e impotência. Elizabeth nada diz, porque dominou
a arte de não dar opinião até pra mãe. Boa desculpa do roteiro pra não admitir que
quem cala, consente.
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