quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

TELONA QUENTE 219


Roberto Rillo Bíscaro

Disco-voador é a versão brasileira para flying saucer, literalmente pires-voador. A expressão parece que surgiu em 1930, para descrever um meteoro que caiu no Texas, mas só se popularizou, em 1947, quando a Associated Press divulgou o relato de Kenneth Arnold. Enquanto pilotava seu avião numa região montanhosa do estado de Washington, o norte-americano viu luzes se deslocando em vertiginosa velocidade. Ao relatar à imprensa, que cunhou o termo flying saucer, Arnold oficialmente abria a era dos discos-voadores.
Se na Idade-Média, viam-se bruxas a granel, nos EUA pós-Segunda Guerra, observavam-se OVNIs, nosso equivalente ao UFO (Unindentified Flying Object), que a Força Aérea norte-americana popularizou pra tentar tirar o sensacionalismo dos pires-voadores, cujos relatos entupiam manchetes.
Vencidos os germânicos e entrando num período de décadas de bonança econômica (quem disse que guerras são prejudiciais a todos?), os EUA passaram a temer invasões: alienígena, comunista, bactereológica, homossexual, tem pra escolher; a neurose cinquentista é tremenda e estava presente em todo canto, especialmente nos cinemas, prenhe de produções sobre monstros atômicos e ETs.
O primeiro filme a capitalizar com a febre dos discos voadores e associá-la ao “perigo vermelho” foi The Flying Saucer (1950), caracteristicamente, não produzido por grande estúdio, mas pela independente Colonial Productions. Isso implica orçamento quase inexistente, que aleija essa produção, cujo valor é mais de efeméride. O crítico do The New York Times confessou até ter dó de malhar o filme de tão pífio o orçamento. E olha que haveria muito a detonar, porque o roteiro não faz sentido.
Discos-voadores são avistados em várias cidades e o serviço de inteligência norte-americano teme que os soviéticos se apoderem da tecnologia dos OVNIs pra usá-la como despejadora de bombas atômicas sobre os EUA. Assunto tão vital pra segurança nacional exige que o governo use mão-de-obra altamente treinada, por isso o escolhido é um playboy mulherengo e beberrão, que irá ao Alasca em companhia duma agente-secreta, que acaba não fazendo nada, porque é mulher e o ano é 1950, quando as mulheres já tinham voltado pra casa de seus empregos de Guerra, pra deixar lugar aos homens.
É claro que o local mais apropriado pra se fabricar artefato tão tecnologicamente sofisticado era o isolado Alasca, né? Bobos eram os EUA que faziam suas armas em regiões conectadas facilmente a fornecedores! Cheio de cenários espetaculares, era prato cheio pra encher linguiça de tempo de exibição pra disfarçar verba minguada. Tem cena em que pessoas sequestradas vagam pela paisagem fabulosa ao som de trilha de violinos e harpas. Realmente, muito tenso! E linda, adoro essas trilhas dos anos 40, 50 e 60. O Alasca se justifica nessa narrativa nada a ver, porque é o estado ianque mais próximo da temida, malvada e fria em todos os sentidos, URSS. Bastava atravessar o Estreito de Bering, mas pera, em The Flying Saucer há um túnel secreto. Curiosidade: à época, o Alasca ainda era um território; sua elevação a estado ocorreu apenas em 1959.
Também há empregado chamado Hans. Em 1950, personagem com nome germânico era o equivalente a ter bandana escarlate na testa escrita “sou do mal”. The Flying Saucer pode ser considerado sementinha da florada de ficção-científica dos 1950’s, mas ainda está mais para película de aventura e espionagem, que transicionava da histeria antialemã pra anticomunista. É sabido que posteriormente os discos-voadores passaram a ser associados exclusivamente a meio de transporte de ETs, então The Flying Saucer também tem valor histórico por ser testemunho dum momento em que aparições no céu eram temidas por serem artefatos humanos, dalguma das superpotências beligerantes. Isso ocorreu também em outros países, como o Brasil.
Hoje The Flying Saucer só é assistível pra fãs devotos dalgum dos subgêneros por ele tocados. No meu caso, amante de filmes B antigos, revi The Flying Saucer com o respeito de sempre. Sem deixar de apontar que não é antológico, me divertindo muito com um protagonista que fuma o tempo todo e nem hesita em jogar bituca na natureza.

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