Roberto Rillo Bíscaro
Disco-voador é a versão brasileira para flying saucer, literalmente
pires-voador. A expressão parece que surgiu em 1930, para descrever um meteoro
que caiu no Texas, mas só se popularizou, em 1947, quando a Associated Press
divulgou o relato de Kenneth Arnold. Enquanto pilotava seu avião numa região
montanhosa do estado de Washington, o norte-americano viu luzes se deslocando
em vertiginosa velocidade. Ao relatar à imprensa, que cunhou o termo flying saucer, Arnold oficialmente abria
a era dos discos-voadores.
Se na Idade-Média, viam-se bruxas a granel, nos EUA
pós-Segunda Guerra, observavam-se OVNIs, nosso equivalente ao UFO (Unindentified
Flying Object), que a Força Aérea norte-americana popularizou pra tentar tirar
o sensacionalismo dos pires-voadores, cujos relatos entupiam manchetes.
Vencidos os germânicos e entrando num período de
décadas de bonança econômica (quem disse que guerras são prejudiciais a
todos?), os EUA passaram a temer invasões: alienígena, comunista,
bactereológica, homossexual, tem pra escolher; a neurose cinquentista é
tremenda e estava presente em todo canto, especialmente nos cinemas, prenhe de
produções sobre monstros atômicos e ETs.
O primeiro filme a capitalizar com a febre dos discos
voadores e associá-la ao “perigo vermelho” foi The Flying Saucer (1950),
caracteristicamente, não produzido por grande estúdio, mas pela independente
Colonial Productions. Isso implica orçamento quase inexistente, que aleija essa
produção, cujo valor é mais de efeméride. O crítico do The New York Times
confessou até ter dó de malhar o filme de tão pífio o orçamento. E olha que
haveria muito a detonar, porque o roteiro não faz sentido.
Discos-voadores são avistados em várias cidades e o
serviço de inteligência norte-americano teme que os soviéticos se apoderem da
tecnologia dos OVNIs pra usá-la como despejadora de bombas atômicas sobre os
EUA. Assunto tão vital pra segurança nacional exige que o governo use
mão-de-obra altamente treinada, por isso o escolhido é um playboy mulherengo e beberrão, que irá ao Alasca em companhia duma
agente-secreta, que acaba não fazendo nada, porque é mulher e o ano é 1950,
quando as mulheres já tinham voltado pra casa de seus empregos de Guerra, pra
deixar lugar aos homens.
É claro que o local mais apropriado pra se fabricar
artefato tão tecnologicamente sofisticado era o isolado Alasca, né? Bobos eram
os EUA que faziam suas armas em regiões conectadas facilmente a fornecedores!
Cheio de cenários espetaculares, era prato cheio pra encher linguiça de tempo
de exibição pra disfarçar verba minguada. Tem cena em que pessoas sequestradas
vagam pela paisagem fabulosa ao som de trilha de violinos e harpas. Realmente,
muito tenso! E linda, adoro essas trilhas dos anos 40, 50 e 60. O Alasca se justifica
nessa narrativa nada a ver, porque é o estado ianque mais próximo da temida,
malvada e fria em todos os sentidos, URSS. Bastava atravessar o Estreito de
Bering, mas pera, em The Flying Saucer há um túnel secreto. Curiosidade: à
época, o Alasca ainda era um território; sua elevação a estado ocorreu apenas
em 1959.
Também há empregado chamado Hans. Em 1950, personagem
com nome germânico era o equivalente a ter bandana escarlate na testa escrita
“sou do mal”. The Flying Saucer pode ser considerado sementinha da florada de
ficção-científica dos 1950’s, mas ainda está mais para película de aventura e espionagem,
que transicionava da histeria antialemã pra anticomunista. É sabido que
posteriormente os discos-voadores passaram a ser associados exclusivamente a
meio de transporte de ETs, então The Flying Saucer também tem valor histórico
por ser testemunho dum momento em que aparições no céu eram temidas por serem
artefatos humanos, dalguma das superpotências beligerantes. Isso ocorreu também
em outros países, como o Brasil.
Hoje The Flying Saucer só é
assistível pra fãs devotos dalgum dos subgêneros por ele tocados. No meu caso,
amante de filmes B antigos, revi The Flying Saucer com o respeito de sempre. Sem
deixar de apontar que não é antológico, me divertindo muito com um protagonista
que fuma o tempo todo e nem hesita em jogar bituca na natureza.
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