quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

CONTANDO A VIDA 223


BRASIL FORA DE SI; A VENEZUELA EM NÓS... 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Na passagem do século passado para o atual, há mais de 18 anos, eu morava em Nova York, graças a uma generosa bolsa de estudos na Universidade de Columbia. As condições de trabalho nos Estados Unidos eram magníficas devido ao surto progressista do governo Clinton e as oportunidades se multiplicavam para imigrantes, até mesmo ilegais, que se ocupavam de pequenos trabalhos. Em contraste, no Brasil, as coisas iam mal, e do fim da década de 1990 em diante, assistia-se a um fenômeno que em si explicava a nossa chamada “década perdida”, ou seja os anos de 1980, principalmente a fase governada por José Sarney. Eram anos duros para a economia e parcela de brasileiros se retirava do país em busca de melhores lugares ao sol do capitalismo que se internacionalizava. Os Estados Unidos se afiguravam como espécie de refúgio salvador, e levas de brasileiros afluíam, principalmente para a Costa Leste, em particular para o Sul da Flórida, Nova York e Boston. É muito difícil explicar a complexidade de um fenômeno que, afinal, implicava cerca de cinco milhões de pessoas, brasileiros, que deixavam o país num êxodo nunca suficientemente justificado, e, cá entre nós, convenientemente evitado. 

A começar pelos números, as imprecisões assustam. Em termos oficiais, como imigrantes legais, o nosso Ministério das Relações Exteriores registrava cifras risíveis (pouco mais de 3 milhões, no mundo todo). Não que sejam dados incorretos, mas ao considerar os preceitos legais, deixavam às franjas os ditos “ilegais”, “clandestinos”, “indocumentados” ou “em trânsito”. Coloque-se nessa mesma parcela o montante de estudantes e estagiários (que vão sob condição temporária, e acabam fincando para sempre) e tem-se um resultado bem mais dilatado (à época, cerca de 5 milhões). O dramático dessa contabilidade atualizada é que aos governos nunca interessou divulgar que hoje temos mais de sete milhões de brasileiros fora do Brasil. Não precisa ser demógrafo para avaliar os benefícios que fazem com que os governos escondam os patéticos números. Em primeiro lugar, vale a lembrança de que são jovens, em plena capacidade de força e que, se no Brasil, complicariam o já quase insuportável, por concorrido, mercado de trabalho. Acresce-se a isso um fato quase nunca revelado: os brasileiros fora do Brasil contribuem como envios de dinheiro, fato que interessa enormemente à economia do país. Por si só essa situação mereceria notoriedade, pois explica a manipulação de dados. Mas, há outra razão que vale destaque: a falta de cultura imigratória, pois os brasileiros que emigram não gostam de se ver no espelho problemático. Somos resistentes ao rompimento de laços culturais e isso é quase mitológico. Talvez o apego familiar esclareça a permanência dos vínculos parentais e faça com que se anule a noção de permanência fora, deixando-se de ser brasileiro. 

A recuperação econômica das últimas décadas, até 2014 (falsa ou não), permitiu um alívio no fluxo para o exterior. Desde os recentes acontecimentos, principalmente depois do impedimento da Presidente Dilma, reacendeu-se a teima imigratória. Há novidades notáveis e elas se dilatam em duas tendências: em uma ponta, nota-se que não se trata mais de grupos majoritariamente pobres, indefesos. Em outro extremos, nota-se que a classe média que compõe tal fluxo prefere a Costa Oeste. Isso é revelador de um novo estágio na evolução imigratória brasileira. Se antes falávamos de miseráveis, agora nos referimos a grupos escolarizados e que deslocam o foco imigratório para as regiões mais progressistas do país norte-americano, exatamente para a região da Califórnia onde estão oportunidades de empregos ligados às ciências aplicadas e às tecnologias. Não que deixem de ir também pessoas menos favorecidas economicamente, mas o grosso da população “neo-imigrante” é branca, escolarizada, falando inglês e possuindo algum capital para adaptações iniciais. 

Tais constatações chamam a atenção pelo avesso da consciência pública dos fenômenos imigratórios brasileiros atuais. Vê-se quase diariamente alertas – até de justos teores humanitários – relativos aos venezuelanos que afluem ao Brasil. Problema sério esse e que remete à fome, doenças, falta de dignidade mínima. Tudo muito grave e carente de soluções elementares. O que causa espécie no entanto é a desconsideração do nosso problema como crescente grupo que saí do país, também em busca de oportunidades. É lógico que não se aceitam processos comparativos, até porque as diferenças são obvias, principalmente de classe social. Isso, contudo, não silencia questões importantes. Por que vemos e salientamos o Brasil como polo receptor de exilados, deportados ou expatriados e não aplicamos os mesmos pressupostos para os nossos que saem? Na mesma linha, pergunta-se se a sutileza cultural e conveniência discursiva não resultam em alarde de uma onda, e silenciamento de outra? Na aparência, a discrepância entre fome e busca de emprego qualificado é significante. E é mesmo, mas isso não é razão suficiente para se explicar o não alarde dos que saem. 

A recente tragédia do jovem atirador que em escola da Florida, matou 17 pessoas, propôs reportagem no Fantástico, onde cerca de 20 estudantes brasileiros apresentaram seus pontos de vista. Dizia a mesma sequência que existiriam mais 50 alunos brasileiros. Todo o grupo era composto por jovens brancos, saudáveis, bem vestidos. No mesmo programa, a reportagem mostrava em outro quadro, os venezuelanos marginalizados na fronteira norte do país. O surpreendente é que uns são tratados como imigrantes e os demais... Os demais, nós mesmos, somos apenas vistos como parte de um sistema injusto que classifica os outros como imigrantes. O pior porém é que se vale da situação complexa da Venezuela para mostrar um pedaço de uma problemática muito mais complexa. Aí sim cabe considerar os venezuelanos que fogem da miséria como vítimas de um sistema horripilante, mas os brasileiros que saem... Que são? Pensemos. Pensar faz bem.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

TELINHA QUENTE 298

Roberto Rillo Bíscaro

A Escandinávia adora pagar de boazinha, tipo o Starbucks, mas como a franquia de café, o preço sai caro, seja pra países africanos que recebem lixo eletrônico dinamarquês ou onde quer que se produzem as armas suecas proibidas de serem fabricadas em seu território.
A minissérie Nobel (2016), que no original norueguês tem o subtítulo “paz a qualquer preço”, dá algumas indiretas a respeito de como a Noruega outorga prêmios da paz, se autodeclara nação pacífica, mas consegue ser um dos países mais prósperos, lucrando no selvagem e sujo em mais de um sentido capitalismo petrolífero.
Disponibilizada na Netflix em novembro – até com dublagem em português – Nobel foca em Erling Riiser, que volta a Oslo depois de servir no Afeganistão, num grupo ultrassecreto do exército norueguês. Mas, um fio solto da missão afegã resolve dar curto e Erling tem que agir na quieta e pacífica Oslo, ocasionando reação que incluirá jornais e principalmente o ministério das relações exteriores, onde trabalha sua esposa Johanne.
Oscilando entre Noruega e Afeganistão (Marrocos, na verdade), Nobel aponta os malabarismos diplomáticos pra não desagradar chineses ou mesmo setores do Talibã; programas humanitários que miram desenvolvimento sustentável, desde que a Noruega consiga petróleo, e conceitos como guerra simétrica, porque, afinal a Noruega tem alma boa e não poderia usar armas muito superiores a de seus adversários, embora as que use sejam muito melhores e seus soldados treinados com precisão milimétrica.
Nobel é interessante, mas seria mais eficiente se tivesse menos de 8 capítulos: a história às vezes se arrasta sem causar suspense, porque a ação dramática está bem diluída.
Numa mesa-redonda na Inglaterra, uma produtora de Borgen contou que a TV estatal dinamarquesa só deu sinal verde ao show, quando teve a garantia que o conteúdo político seria equilibrado com o pessoal, pra não entediar a audiência. Nobel usou o mesmo estratagema, mas de modo menos eficaz, porque a provável crise entre Erling e sua esposa permanece irresoluta. Na área das relações interpessoais, o único que funciona bem é o relacionamento entre pai e filho. Não porque suscite algo a mais pra trama, mas, porque através das perguntas inocentes da criança, o roteiro questiona alguns pilares da riqueza e política externa do país nórdico.
Que a Netflix disponibilize cada vez mais séries escandinavas, mas o expectador que fique de sobreaviso: Nobel é mais cerebral do que visceral.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 304



Roberto Rillo Bíscaro

Syleena Johnson teve infância e adolescência muito musicais, mas seu começo de carreira não foi tão fácil. Seu pai é o soulman Syl Johnson, que nunca estourou - mas foi regravado por Al Green e os Talking Heads e sampleado por meio mundo -, e por isso não incentivou a filha. Syleena também teve nódulos nas cordas vocais, precisou de cirurgia e anos de fono. A despeito dos contratempos e falta de incentivo, Johnson não desistiu e já tem discografia considerável, diplomas universitários em música e nutrição e colaborações com queridinhos do hip hop atual, como Kanye West e R. Kelly. Como várias de suas colegas de subgênero, participa de reality shows pra ganhar visibilidade.

Lançado dia 10 de novembro pela Shanachie Records, The Rebirth Of Soul foi produzido pelo paisão e o caráter old school de Syl impregna o álbum, irretocável em sua dezena de reinterpretações de clássicos do R’n’B dos anos 50 aos 70. Tudo gravado ao vivo em estúdio, como nos velhos tempos, atestando o profissionalismo, fogo e paixão da banda de veteranos escalados por Syl e da vocalista. Todos brilham em tudo.

Impressiona como Syleena flana com exuberância e assertividade por diferentes facetas do espectro da rica black music norte-americana. Ela desliza pelo deboísmo Motown de Make Me Your e We did It. Chora de amor ainda meio à moda 50’s em There’ll Come a Time e Lonely Teardrops, mas repare como o registro de dor amorosa é distinto nas duas. Vai pro ativismo black power, se perguntando em tom de “qual é, mané?” is It Because I’m Black, regravação do papi, aliás.

Sem medo de comparação com plenas e absolutas da soul music, cospe fogo na arethiana Chain Of Fools e rasga o coração em I’d Rather Go Blind, consagrada por Etta James. Eita! Viram d’onde Tamar Braxton tirou o drama pra fazer letra dizendo que preferia ficar cega a ver o macho com outra? Há outro elo com o álbum da irmã de Toni, porém. Tamar pós-modernamente releu The Makings Of You ao passo que Syleena resolveu encarar as orquestrais e magistrais interpretações de Gladys Knight e Curtis Mayffield. Só ouvindo pra crer no madrigal milagroso que resultou. Não deve nada, talvez até supere a de Curtis.

Obrigatório, ório, ório!

domingo, 25 de fevereiro de 2018

DANÇA DA SUPERAÇÃO


Laurinha precisou amputar uma das pernas aos seis anos. Hoje, com nove anos, surpreende a todos ao apresentar um número de dança na escola.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

MILHARES DE ALBINOS EM SITUAÇÃO DE RISCO

Milhares de albinos correm risco de vida em Moçambique afirma Amnistia Internacional

Cerca de 30 mil albinos moçambicanos foram vítimas de discriminação e marginalizados da sociedade e muitos correm risco de vida, denuncia a Amnistia Internacional (AI) no relatório anual que publica hoje.

Os autores do documento afirmam que os incidentes de perseguição aumentaram durante 2017 e que há conhecimento de pelo menos 13 albinos mortos, embora admitam que este número possa ser maior.

"Os homicídios foram motivados por superstição ou mitos relacionados com poderes mágicos das pessoas com albinismo. A maioria dos homicídios ocorreu nas províncias do centro e do norte, as regiões mais pobres do país", explicam.

A AI conta como um menino albino de sete anos foi morto em 31 de janeiro do ano passado no distrito de Ngaúma, na província de Niassa por quatro homens desconhecidos que o raptaram de casa da família enquanto esta dormia.

Em 28 de maio foi a vez de um menino de três anos ser arrancado à mãe no distrito de Angónia, província de Tete.

Em 13 de setembro, um jovem de 17 anos foi morto na área de Benga, distrito de Moatize, na província de Tete, tendo os atacantes removido o cérebro, cabelos e os ossos dos braços, mas os responsáveis não foram detidos ou julgados.

"Apesar da indignação da população, o governo fez pouco para resolver o problema. Foi concebida uma estratégia para impedir as mortes, no entanto não foi implementada, alegadamente por falta de recursos", afirma a AI no relatório.

A organização alerta também para o agravamento da insegurança alimentar no país, em particular nas zonas rurais, onde mais de 60% da população foi afetada pela aquisição de terrenos usados para agricultura de subsistência e para retirar água por empresas mineiras.

Na área de Nhanchere, no distrito de Moatize, na província de Tete, a empresa de mineração de carvão Vale Moçambique começou a vedar terras usadas pelos locais para pastagens e recolher lenha em 2013, o que gerou protestos.

Uma manifestação pacífica em 13 de junho de 2017 resultou na morte de Hussen António Laitone, vítima de tiros da polícia local, apesar de ele não estar envolvido no protesto.

A violência também foi usada para intimidar críticos das autoridades, como o Armando Nenane, que foi espancado pela polícia em 17 de maio em Maputo, depois de já ter sido ameaçado de morte pelo telefone.

"Ele foi atacado pelas suas opiniões sobre o chamado G40, um grupo supostamente criado durante o governo do ex-presidente Armando Guebuza para difamar os opositores", garante a AI, que adianta que ninguém foi ainda responsabilizado.

Outro caso foi o do antigo presidente do município de Nampula Mahamudo Amurane, morto a tiro em frente à sua casa em 04 de outubro e cujo autor continua por encontrar.

A AI refere que Amurante tinha entrado em conflito com a liderança do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e preparava-se para deixar o partido e candidatar-se à reeleição nas eleições municipais de outubro de 2018.

O relatório refere também a elevada taxa de homicídios de mulheres, muitas vezes pelos próprios companheiros ou familiares, alegando bruxaria.

Em 10 de janeiro, relata, um homem de 31 anos esfaqueou a esposa de 27 anos no bairro de Inhagoia, nos arredores de Maputo, e em fevereiro, um homem de 27 anos, decapitou a mãe no distrito de Vanduzi, a província de Manica, porque ela se teria recusado a servir-lhe comida.

Em maio, um homem matou a própria mãe no distrito de Guru, província de Manica, por considerá-la responsável por um feitiço de impotência sexual sobre ele e, em agosto, dois irmãos mataram a avó de 70 anos na localidade de Messano, distrito de Bilene, província de Gaza, porque lhes teria lançado um feitiço de má sorte.

"Embora, em todos estes casos, os suspeitos tenham admitido que cometeram os homicídios, as autoridades não conseguiram desenvolver, programar e implementar uma estratégia eficaz para combater a violência contra as mulheres", acusa.

O relatório da Amnistia Internacional 2017/18 abrange 159 países e oferece uma análise abrangente sobre o estado dos Direitos Humanos à escala mundial, coincidindo com o ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos celebra o 70º. aniversário.
https://www.rtp.pt/noticias/mundo/milhares-de-albinos-correm-risco-de-vida-em-mocambique-afirma-amnistia-internacional_n1059568igo Milhares de albinos correm risco de vida em Moçambique afirma Amnistia Internacional

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

PAPIRO VIRTUAL 123


Roberto Rillo Bíscaro

J. B. Priestley foi um romancista, dramaturgo, ensaísta, roteirista e radialista inglês, cuja obra anda meio esquecida, porque a transposição de suas ideias socialistas para o papel/palco é bem pouco sútil. Já nos 50’s, sua peça mais famosa era esnobada pela nova onda de dramas sociais raivosos em voga na Inglaterra.
Pra se ter noção, An Inspector Calls estreou em Moscou, em 1945 e apenas no ano seguinte na capital britânica.  Seu tenaz reformismo social e lição de moral vão na linha de Ibsen ou Shaw, com boa pitada do Dickens de A Christmas Carol. Se artisticamente datada, a obra serve muito pra discussões sobre responsabilidade social, por isso ainda hoje é parte da lista de livros cobrados no GCSE (General Certificate of Secondary Education)
Os 3 atos se passam numa sala de jantar, em 1912, quando o sistema de classes vitoriano/eduardiano vivia seus últimos dias, antes da Primeira Guerra Mundial. Não é à toa que décadas depois, Julian Fellowes começaria sua Downton Abbey no mesmo ano. Priestley já indica que a aristocracia rural não dava mais conta de se manter sozinha no poder. An
Inspector Calls inicia com a família Birling jantando em comemoração ao noivado da filhota com o filho dum lorde. Mas, Gerald Croft não era proprietário de terras e sim industrialista. Na verdade, concorrente de Arthur Birling, o patriarca que acredita que a única responsabilidade importante é pra consigo mesmo e sua família. Só falta ele falar humbug! Sheila é a filha de rico, caracteristicamente mimada, com aquela alegria irritante, que a gente adora ver dinamitada. A mama é presidente duma instituição de caridade, que exorta amor exigente pra suas ajudadas, mas não exige nada em casa (a peça não é de todo tão datada, percebem?). E tem Eric, o também arquetípico filho infeliz e bêbado, descontente com a fortuna familiar. E há a empregada, que abre e fecha as portas e é invisível na peça, que se preocupa muito com a classe trabalhadora, menos aquela da qual necessita pra sua carpintaria dramática. Mmmm, uau, como não evoluímos muito desde 1945, 1912, whenever...
Chega então o Inspetor Goole, comunicando que a jovem Eva Smith (sobrenome mais comum nos países de língua inglesa, um tipo de Silva daquelas plagas) se suicidara tomando desinfetante. Desempregada, desesperada, destituída, a só-virtudes não resistira à barra, que o inspetor prova, foi culpa de todos os presentes, seja por omissão, exploração, capricho, seja por demissão. Goole é o equivalente edwardiano das fitas de Hannah Baker.
An Inspector Calls defende que nossas ações – por pequenas que sejam – repercutem socialmente e podem ocasionar tragédias, como o suicídio de Eva. O pressuposto de 13 Reasons Why não é tão pós-moderno, after all.
Inegável que a peça esteja datada em alguns aspectos e a dicotomia classe média alta/malvada, operariado/explorado bonzinho não se sustente num discurso minimamente inteligente. Mas, ainda dá pra curtir o modo como as personagens são acusadas e, convenhamos, a hipocrisia e rigidez moral exigida dos outros ainda prevalecem.
Se você não quer ler o texto, existem as adaptações pra cine e TV, que fazem bom trabalho.
A primeira vez que a peça de Priestley ganhou as telonas foi em 1954. Claro que esta versão também está “datada” pros padrões interpretativos de hoje.


Se quiser algo mais atual, há a da BBC, de 2015. Muito bem produzida, com elencaço, tipo Miranda Richardson e Ken Stott.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

TELONA QUENTE 224


Roberto Rillo Bíscaro

A terceira temporada de Ash Vs. Evil Dead está prestes a estrear (sabiam que a primeira está na Netflix?), talvez por isso tenha me dado crise de A Morte do Demônio. Saída? Procurar documentário no Youtube, claro! Achei The Evil Dead: One by One We Will Take You - The Untold Saga of the Evil Dead (2007).
Os anos 1970 foram ainda dourados para os cines drive in: 25% da produção cinematográfica destinava-se a eles, infames por absorverem filmes trash de qualquer subgênero, dentre eles o horror. Assim, meninos talentosos com pouco dinheiro e câmera na mão produziram com baixíssimo orçamento clássicos como O Massacre da Serra Elétrica e Halloween (este último não pra drive in, porque a pegada é mais intimista).
Um desses moleques era o hoje megafamoso e nadando em verba Sam Raimi, que em 1981 desceu com sua diminuta equipe pruma cabana em ruinas no meio duma floresta norte-americana no gélido outono e lá rodou seu Evil Dead (1981), que, graças ao mercado de aluguel de fitas VHS dos anos 80 e 90 tornou-se cult e influenciou um bocado de diretores.
The Evil Dead: One by One We Will Take You - The Untold Saga of the Evil Dead reúne elenco (menos Bruce Campbell), equipe técnica e de produção (exceto Raimi) e influenciados, como Eli Roth (diretor de Cabin Fever) e Edgar Wright (de Shaun Of The Dead) pra discorrer sobre a concepção, escolha de elenco, efeitos especiais e o legado desse filme que ainda impressiona, com relação ao fluido uso da câmera percorrendo a floresta e se aproximando do casebre, representando o ponto de vista dos espíritos.
As atrizes relatam como sofreram pra gravar cenas e foram “enganadas”, no caso do infame (mas clássico, delicioso, impagável) estupro pelos arbustos. Como alguém lembra: “naquela época podia-se fazer muito mais com as mulheres do que agora”. Ellen Sandweiss e Betsy Baker não reclamam, porém. Afinal, era realmente outro mundo e meu, estão em um clássico indiscutível.
É o típico documentário congratulatório, que nós fãs esperamos: Sam e Bruce são maravilhosos, talentosos, gostosos e gentis (mas não toparam participar do projeto, sei) e saboreamos várias anedotas das condições precárias de gravação, além das condições de produção e recepção da época.
Democracias onde a liberdade de expressão impera sacrossantamente, como a Suécia e a Alemanha, proibiram The Evil Dead e na Grã-Bretanha, Sam Raimi foi levado aos tribunais. Na época das locadoras de vídeo, parte do Reino estava em cruzada contra os video nasties, ou seja, filmes nojentos, repulsivos de qualquer espécie. Tanta censura e proibição só ajudou no marketing boca a boca d’A Morte do Demônio, que na época parecia ter status de filme que vinha do próprio inferno. Lembro-me bem, porque meninos, eu vi em VHS e a reação da plateia na pequena Penápolis foi igual à descrita no documentário, em Nova York, França ou Espanha: povo gritando coisas tipo “mata ela, mata ela” ou rindo muito.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

CONTANDO A VIDA 222

O PIADISMO POLÍTICO E AS LIÇÕES DO QUARUP.

José Carlos Sebe Bom Meihy
Para Paulo Pereira
          
Em meio a tanto trabalho intelectual e condução de projetos acadêmicos, frente a viagem profissional, para variar um pouco, optei por escolha de romances. Juntei com cuidado alguns volumes que achei de leitura conveniente, coloquei-os na mala e atravessei o hemisfério. Foi bom chegar e tirar da bagagem livros de Machado de Assis, Cony, Clarice e Callado. Pronto, nas horas vagas, teria combustível para uma boa batalha de revisão crítica, literária e prazer de releituras fecundas. Com a certeza de que ninguém passa impune por uma seleção dessas, ao cabo da leitura de “Quincas Borba”, de Machado de Assis, escrevi uma crônica “Ao vencedor as batatas”. Minha proposta era simples: transpor o mote da vitória dos mais fortes, para a crítica discursiva sobre a derrota do recurso de Lula em janeiro último. Só isso. Não pretendia defender ninguém. De forma alguma, até porque as estatísticas eleitorais são eloquentes. Minha perplexidade corria por conta de outros autores, alguns teóricos, em particular de Noam Chomsky. Pois bem, o texto foi publicado e, por um comentário em especial, percebi que não me fiz entender adequadamente. Isso me preocupou, posto ter optado por também me referir, na mesma linha da abordagem anterior, pelo filtro de outro autor, tendo como pretexto o “Quarup”. Pensei, e mesmo temendo repetir dissonância, resolvi ir em frente, a exemplo da valentia de Antonio Callado – que foi preso duas vezes, perseguido, exilado e torturado pela ditadura. A homenagem àquele exemplo, exigia que eu fosse em frente. Assumindo ser mais claro, dei continuidade a proposta inicial. Optei por seguir o mesmo esquema: falar um pouco do conteúdo e destilar ideias de fundo ético ou moral.

Ainda que muitos não considerem “Quarup” entre os melhores livros de Callado, figura como um dos meus favoritos. A história, publicada em 1967, se passa entre 1950, segue até o golpe militar de 1964 e seus primeiros desdobramentos. O personagem central é um atormentado padre que, por fim, deixa a batina para entrar na luta armada. A tensão extraordinária gerada pelas aventuras de Nando mostra a complexidade das personalidades divididas entre projetos salvacionistas, a frustração utópica e o desregramento ou desmontagem da crença política. Na saga que se desenrola rápida e perfilada por acontecimentos históricos – a criação do Parque Nacional do Xingu, o atentado a Carlos Lacerda, o Golpe de 1964 –, ainda no mosteiro, o noviço se apaixona por Francisca, moça linda, rica e noiva de Levindo. Atormentado por fantasias, para fugir dos pecados, opta por viver entre os índios do Xingu, não sem antes ter caso ardente com uma jovem inglesa, Winifred. Ainda religioso, viveu também um turbilhão no mundo de drogas, álcool e sexo clandestino. Nando, apesar de tudo, prosseguia em sua missão, e por fim, já liberto do sacerdócio torna-se guerrilheiro. Sua obsessão por Francisca continuou e teve lances próximos de uma tragédia. Toda trama, porém seria explicada segundo a cadência da crescente repressão do governo ditatorial. Grande parte da história tem a floresta como espaço simbólico de um Brasil metaforizado pela barbárie política.

A par do movimentado enredo, a atenção cuidadosa dada por Callado a um festival dos indígenas do Xingu, o Quarup, é comovente. Entre tantos detalhes do complexo cerimonial, alguns são dignos da melhor antropologia, e, com destaque, tem-se a descrição do “huka-huka”, luta muito rápida que ocorre no meio da celebração dirigida aos mortos – este, aliás, é o mais importante evento dos indígenas do Xingu. O enternecedor na luta é que o vitorioso não pode humilhar o adversário. O respeito pela dignidade alheia, pela sua integridade física, é a regra sagrada. Tal postura, diga-se, eleva o ganhador à condição de deferência e à qualificação do mérito da vitória frente a comunidade. É exatamente sob a atmosfera dessa narrativa que penso nas lições oferecidas por Callado.

Confesso que ando esbarrando na depressão sociológica. Quando vejo em listas das redes sociais as piadas deferidas contra os perdedores, fico inquieto e indeciso entre a surpresa e o desengano. Levo em conta nesses casos, a procedência de quem posta as tais mensagens e assim sofro ainda mais. E então me perco em mim mesmo, pois não é raro, identificar que as mesmas pessoas mandam “bons dias”, falam de anjos, emitem notas em campanhas beneficentes. Tenho que admitir que há um toque de humor na intenção das pessoas, mas quando vejo os desdobramentos, em particular os comentários reforçando sátiras dispensáveis, admito que, definitivamente, não entendo mais o mundo.

Ainda bem que Callado escreveu “Quarup”. Ainda bem que mesmo tendo que admitir a força da distopia eu possa pensar que em algum lugar da selva brasileira existe um ritual de luta e de respeito. Ah!... Que bom seria se pudéssemos reinventar o Brasil e aprender com os índios que mais importante que vencer, é não se vingar, e se engrandecer com a vitória sobre o outro.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

TELINHA QUENTE 297


Roberto Rillo Bíscaro


Dia 19 de janeiro, a Netflix adicionou produção própria de suspense/horror a seu catálogo: Vende-se Esta Casa, escrito e dirigido por Matt Angel e Suzanne Coote e estrelado por Dylan Minnette, o sofredor Clay, de 13 Reasons Why. Parece que o ator está se especializando em sofrência, porque aqui também come o pão que o diabo amassou. O problema é que para o telespectador, o alimento está murcho.

Depois de ver seu pai ser atropelado, Logan e sua mãe não têm mais dinheiro e topam passar temporada numa enorme casa isolada no frio norte estadunidense. A propriedade é da tia de Logan e está à venda, por isso, de vez em quando ele e a mãe teriam que desocupá-la para que potenciais compradores (ou curiosos...ou mal intencionados...) o visitassem, daí o título original, The Open House. Coisas estranhas começam a acontecer na casa, especialmente após a primeira dessas visitações. Será que alguém ficou lá? Será fantasma? Será que mãe ou filho está perturbado e surtou psicoticamente? Ou será só promessa, que no fim não se cumpre? Aposte nesta alternativa.

Vende-se Esta Casa é inteiramente composto de clichês de diversos sub-subgêneros do suspense/horror, nas suas variações de filmes de casa mal-assombrada; home invasion films, além das pequenas cidades povoadas por gente esquisita. Vende-se Esta Casa nem mostra a cidade, embora um indivíduo diga que há muitas crianças lá. Onde, se nem casas vemos?!

Tem porão labiríntico; escada com degrau quebrado, cujo defeito é convenientemente esquecido logo depois; e, sobretudo, um par de personagens bem estranhos, mas típicos de filmes assim: a velha vizinha amigavelmente intrometida e o bofe simpático, sempre pronto a oferecer ajuda e presente em encontros acidentais. E qual a função dramática deles? Se alguém descobrir, me conta. É tudo apenas clima: é celular e cumbuca com pipoca que desaparecem, é silhueta sinistra e é lentidão narrativa.

No ato final, tudo se acelera. Na falta de algum grande desfecho, apela-se para a velocidade e um minuto de tortura, afinal, vivemos em um mundo pós-Jogos Mortais, então essa influência se mistura com a de Os Estranhos. Quem não tiver dormido até então, ouvirá som de dedos quebrados.

Vende-se Esta Casa não tem fim decente e despreza possíveis caminhos para os quais aponta. Por que afirmar que o pai não se preocupava com a família, mas não provar ou ter efeito na trama? Por que criar uma mulher que parece fantasmagórica para nada?

Por que a Netflix investiu em roteiro tão fraco, ao invés de usar a grana para incorporar a seu catálogo produções independentes de horror, bem superiores a Vende-se Esta Casa?

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

AJUDA ESPANHOLA

Crianças albinas da Tanzânia poderão ver a vida de uma nova forma


As crianças do centro para albinos de Kabanga nunca tinham ido ao oculista. Graças a uma iniciativa espanhola, poderão agora ter óculos adaptados aos seus problemas visuais, comuns entre os que apresentam esta condição.

A Fundação Rota da Luz, promovida pelo grupo espanhol de ópticas Cione, levou a esta cidade do noroeste da Tanzânia, perto da fronteira com o Burundi, três oftalmologistas espanhóis, Arturo Casas, Marisa Galdón e Beatriz Jiménez, que durante dez dias ajudaram os 107 meninos e meninas albinos que vivem no refúgio de Kabanga.

Neste país da África Oriental, os albinos foram desde sempre vítimas de perseguições, devido a crenças tradicionais que continuam até aos dias de hoje. Em 2015, os dados registados mostram 76 denúncias por mortes de crianças e adultos albinos, enquanto outros 69 foram vítimas de ataques. 19 meninas albinas foram vítimas de violação.

A Tanzânia é o país com maior concentração de albinos, algo que se deve, segundo algumas teorias, à bigamia. Os albinos africanos, que já enfrentavam uma situação muito complicada com uma expectativa de vida de entre 25 e 30 anos, viram em 2006 como os feiticeiros tanzanianos expandiam a crença de que comer um albino pode trazer sorte.

Desde então, foram registados assassinatos, mutilações e sequestros para extrair partes de corpos para elaborar poções. O governo decidiu entretanto criar centros de protecção para defender e tentar cobrir necessidades básicas dos menores com albinismo.

Os problemas causados por esta condição genética não envolvem apenas a perseguição e as ameaças. Entre estes problemas destacam-se os relacionados com a saúde ocular: uma menor acuidade visual, estrabismo, descontrole dos músculos dos olhos ou fotofobia.

Os especialistas enviados pela fundação descobriram diferentes patologias que afectavam as crianças do centro, assim como outras doenças evitáveis, como conjuntivite – comum em áreas de pouca higiene, muito pó e alta exposição. Os especialistas começaram por isso por oferecer formação sobre o cuidado e a lavagem dos olhos.

“Este projecto representou um antes e um depois para estes meninos e meninas e para seu desenvolvimento. Garantir o acesso a uma saúde visual adequada fará com que tenham a possibilidade de sair para brincar fora de casa, já que lhes proporcionaremos filtros especiais para ler, estudar e, talvez, ter um futuro melhor“, diz Arturo Casas.

A multinacional especializada em lentes Carl Zeiss Vision, que colabora com o projecto, forneceu lupas especiais para que os menores possam acompanhar as aulas com normalidade, e vai doar todas as lentes necessárias aos jovens, com filtros especiais para cada caso.

“Estamos muito satisfeitos de ter colaborado com este projecto , ajudando pessoas albinas que, graças aos seus novos óculos, vidros com filtros e lupas, poderão ver o futuro com optimismo”, diz a diretora de marketing da filial espanhola da Carl Zeiss, Laura Rocha.

No centro de Kabanga convivem com os albinos outros 170 menores com incapacidades físicas, psíquicas e deficiências visuais e auditivas, aos quais o governo garante segurança, alojamento, manutenção e escolarização pública.

“Centros como este, nos quais convivem crianças albinas com crianças que não o são, fazem com que cresçam com uma educação entre iguais. Pode ser que, com o tempo, consigam destruir os estigmas sociais que existem há tantos anos e que já provocaram tantas mortes”, desejou a responsável da iniciativa, Sara Calero.

CAIXA DE MÚSICA 303


Roberto Rillo Bíscaro

No mundo das artes não faltam histórias de trabalhos “perdidos”, seja porque não restaram cópias, seja porque sequer foram concretizados. Quantas bandas não fizeram apenas shows, os quais não foram registrados, portanto, só restam aos musicólogos atuais relatos de integrantes ou espectadores?  Fãs ficamos curiosos, mas morremos sem conhecer trabalhos considerados precursores do estilo que amamos.
A cena do rock progressivo brasileiro certamente tem seu quinhão de grupos jamais registrados. Um deles era o Vitral, formado no Rio de Janeiro, no início dos anos 1980, por Alex Benigno (guitarra e teclados), Claudio Dantas (bateria e percussão), Eduardo Aguillar (baixo, teclados e guitarra), Elisa Wiermann (teclados) e Luis Bahia (guitarra e baixo).
A banda atuou por cerca de dois anos e pouquíssimos registros subsistem. Mas, graças à algumas partituras, raras fotos e fitas cassete com gravações domésticas encontradas por Eduardo Aguillar em seu arquivo, surgiu a ideia de produzir um álbum com suas músicas compostas para a banda.
O que a princípio seria trabalho solo, transformou-se na proposta de unir os antigos integrantes para participarem do projeto, convite imediatamente aceito por Claudio Dantas. O Vitral reconstituía-se.
A formação atual é: Claudio Dantas (bateria e percussão), Eduardo Aguillar (teclados), Luiz Zamith (guitarra), Marcus Moura (flautas), Vítor Trope (baixo). Todos experientes na cena prog nacional, tanto em suas carreiras-solo, como em suas participações em bandas como o Bacamarte e Quaterna Réquiem.
O Vitral passou então a arqueologizar sua própria história e trouxe à luz o álbum Entre As Estrelas, lançado pela Masque Records, no final de dezembro. São três faixas, compostas por Eduardo Aguillar entre 1983 e 1985, exceto as 'Estações', constantes da quilométrica canção que nomeia o CD: estas foram escritas em 2016.
Não dá para negar a raiz oitentista do prog do Vitral. Mesmo gravado ano passado, o estilo das composições e mesmo a sonoridade remetem a bandas europeias e latino-americanas da década, que se inspiravam no sinfônico setentista, mas já compunham e tocavam sob o impacto dos novos sintetizadores e da influência de artistas como Jean Michel Jarré.
Pétala de Sangue abre solene, mas não demora nada a apresentar suas verdadeiras cores alegres. Intercalando solos de guitarra, teclado e flauta, há momentos que dá a impressão de trilha sonora para filme de fantasia oitentista ambientado na Idade Média. Dá vontade de cirandar por torneios e feiras do medievo. 
Em um álbum inteiramente instrumental, o grande teste vem com a faixa-título, que dura quase 52 minutos e meio. Estivéssemos na época em que a maioria de suas partes foram compostas e não sobraria espaço para as outras duas canções e mesmo ela teria que vir dividida entre os lados 1 e 2 do bolachão de vinil. Entre as Estrelas é constituída de vários segmentos interligados pelas Estações mais recentemente idealizadas. Em sua maioria o clima e andamento são vibrantes, meio de corrida espacial mesmo
Depois de tanto agito, repouso faz-se necessário e então entra a faixa-fecho, Vitral, com seu delicado clima quase litúrgico de pós-medievalidade.
Entre as Estrelas, o álbum, é um achado para quem acompanha a cena prog brasileira, pois recupera material que poderia se perder nas inclementes areias do tempo.
Você pode ouvir o streaming oficial do álbum, no link abaixo:

domingo, 18 de fevereiro de 2018

OUTRO PAI BANDIDO

Mais um pai preso em Tete por tentar vender o filho

Um homem de 50 anos de idade encontra-se privado de liberdade, por alegada tentativa de venda do seu filho de seis anos de idade, na província de Tete, onde, em Maio e Outubro de 2017, um casal e um cidadão foram encarcerado, acusados de cometer o mesmo crime contra os seus filhos, sendo uma criança albina do sexo masculino e uma adolescente de 13 anos.


O caso mais recente aconteceu no último domingo (11), no bairro Matundo. As autoridades policiais acusam o visado, cuja identidade não revelaram, de tentativa de prática de tráfico de seres humanos, tendo como vítima o próprio descendente.

A Polícia da República de Moçambique (PRM), em Tete, disse, por intermédio da sua porta-voz, Lurdes Ferreira, que o indiciado foi detido antes de manter contacto com o suposto comprador, facto que impediu o desaparecimento da criança.

Este é um dos poucos casos conhecidos publicamente, em que determinados progenitores usam os próprios filhos como objectos de troca para tirarem vantagens financeiras.

Em Maio do passado, um casal foi detido em Tete, por igualmente tentar vender o filho de dois anos de idade, com problemas de albinismo, por quatro milhões de meticais, em conluio com cinco indivíduos, supostamente por si contactados.

Para materializar o negócio, o casal viajou do distrito de Dôa para o de Moatize, acreditando que era onde se encontravam possíveis e potenciais compradores.

Os intermediários na venda em questão receberiam cada 50 mil meticais de gratificação, disse a Polícia na ocasião.

Em Outubro do mesmo ano, um cidadão identificado pelo nome de Estefânio Máquina caiu nas mãos da PRM, acusado de tentativa de venda da própria filha, de 13 anos de idade, a um preço de pouco mais de 2.360.000 meticais a indivíduos não identificados.

Na ocasião, o indiciado contactou o presidente da Associação de Ervanários de Moçambique, de nome José Carlos, para supostamente ajudá-lo a encontrar um cliente. Quando Estefânio Máquina se dirigiu à de José Carlos, estava na companhia de dois filhos dos seus cinco filhos.

Para convencê-los a saírem de casa até ao suposto local onde a rapariga seria vendida, o visado alegou que os miúdos iam à estrada ao encontro da mãe, que estava a regressar de Chiúta.

SUPERAÇÃO NO GELO



Roberto Rillo Bíscaro

Quando vou ao supermercado aqui em Penápolis, sempre me muno de trilha-sonora: detesto o sertanejo que sai das caixas de som, na maior parte das vezes. Nada contra quem curta, mas se puder, evito.
Deve ter sido antes do Natal, que fui a um deles á noite, com um amigo, e, portanto, sem os inseparáveis fones de ouvido. Por macromilagre, tocava uma seleção de lentas anos 70/80. Não digo que menos brega que os sertanojos, mas pelo menos, pra mim relembram a infância. Na playlist, Looking Through the Eyes of Love, da Melissa Manchester. Nossa, quase me debulhei em lágrimas por entre as gondolas de farinha e maisena. O amigo apenas três anos mais jovem perguntou donde era mesmo aquela música e expliquei-lhe que do filme Castelos de Gelo (1978).
Em 1975, a Universal rachara de ganhar dinheiro com Uma Janela Para o Céu, baseado na história real da esquiadora Jill Kinmont, que ficou paraplégica. A Columbia não queria ficar pra trás e saiu-se com Castelos de Gelo história ficcional bem menos triste, mas totalmente sintonizada com superação.
Alexis Winston é patinadora no gelo nata, perdida numa cidadezinha no estado de Iowa. Aos 16 anos já é meio velhusca pro esporte, mas uma treinadora badalada a descobre numa competição regional e a recruta. Em meses, Lexis torna-se estrela promissora, certeza de medalha na vindoura Olímpiada de 1980. Mas, um acidente bobo deixa-a quase cega. Será que patinará novamente? Em se tratando de filme estadunidense e desta seção do blog, claro que sim!
Castelos de Gelo é perfeito pra quem curte histórias chorosas de superação. Neste caso, há mais de uma, porque ela supera a idade, a cegueira, o medo. Sem contar as lindas cenas de patinação no gelo e a canção-tema.
Castelos de Gelo foi o maior (único?) sucesso do diretor Donald Wyre. O filme tem fãs até hoje.
Em 2010, o diretor refilmou-o pras novas gerações, afinal, hoje o cine tem outro ritmo. Produção diretamente pra DVDs, Ice Castles foi o último trabalho de Wyre, falecido aos 80 anos, em 2015.
O Castelos de Gelo do século XXI, a despeito do chororô de mais velhos, é superior ao de 1978, exceto pela interpretação da canção-tema (sou velhusco também, alguma coisa tinha que entregar a senioridade, né?). A história é a mesma, com mudanças apenas pontuais, tipo, hoje jogam-se ursos de pelúcia nos rinques de patinação; ao passo que em 78, rosas. O resto tá igual, mas com passo um pouco mais ágil, narrativa mais curtinha e mais bem atuada, inclusive com Henry Czerny, o Conrad Grayson, de Revenge.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

ALBINO GOURMET 254

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

PAPIRO VIRTUAL 122


Roberto Rillo Bíscaro

Entre a geração tremendona da Jovem Guarda e a abelhuda selvagem oitentista, há mais de uma década de rock brasileiro praticamente desconhecido do grande público e da academia. Salvo exceções como os Secos & Molhados, os roqueiros setentistas são bem invisíveis hoje e, na época, não tiveram grande divulgação, porque incomodavam a ditadura e também setores da esquerda. Como cantou Rita Lee, em 1980: “roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido”. Era essa a geração a que se referia a letra de Orra, Meu. 
Em 2008, o historiador Alexandre Saggiorato contribuiu para começar a desbravar a mata virgem desse período musical no país, com sua dissertação de mestrado Anos de chumbo: rock e repressão durante o AI-5.
A ideia central de Saggiorato é que mesmo não tendo adotado postura explicitamente antirregime militar, as bandas de rock dos 70’s transgrediram comportamentalmente com seus cabelões; alusões ao consumo de drogas; opção por viver em comunidades, como seus ídolos hippies e mesmo nas letras, que, falando muitas vezes em liberdade, podem servir de metáfora para a repressão da ditadura. Considerando-se que liberdade, como tema genérico, esteve sempre presente em letras de rock, as análises das letras são os pontos mais discutíveis do trabalho, mas isso não depõe contra a dissertação. Letra de música é para ser polissêmica mesmo.
Mesmo focando especificamente o trabalho de apenas três bandas (Novos Baianos, Casa das Máquina e O Terço), o texto traz exemplos e informações de muitas outras, como Recordando o Vale das Maçãs, Módulo 1000, Raul Seixas e tantos mais.
A fim de situar o leitor nos debates e embates ideológicos que rolaram nos 70’s, Saggiorato tem que voltar ao tempo da Bossa Nova, quando a música popular se fracciona, grosso modo, em setor engajado politicamente e setor não, que na década de 60 e setenta seria chamado de alienado pela esquerda. Esse levantamento de antecedentes feio pelo autor será muito útil para quem entende bossa-novistas ou hippies como grupos unívocos. Havia bossa-nova sobre patos quén-quén, mas também sobre a falta de vez do morro. Tinha hippie natureba, hippie junkie, hippie modinha....
O acirramento da repressão ditatorial, com o famigerado AI-5, de 1969, radicalizou também o relacionamento e o patrulhamento das posições políticas dos artistas, especialmente dos mais populares. Havia que ser a favor ou contra o regime; não pegava bem ser neutro, ou “apolítico, bicho”, como afirmou Roberto Carlos certa vez.
Assim, os milicos perseguiam, censuravam e intimidavam cantores cujas letras eram percebidas como revolucionárias. E as esquerdas patrulhavam quem fizesse sucesso para que fosse engajado. Quem não tinha penetração midiática elas não davam bola, de modo geral.
Os roqueiros – psicodelia, hard rock e progressivo foram os subgêneros dominantes na cena brasuca da década – eram vistos com desconfiança pelos dois lados. A direita os achava vagabundos maconheiros subversivos e parte da esquerda os considerava vagabundos maconheiros alienados. Saggiorato tenta provar que não era bem assim. Á sua moda, nossos rockers lutaram contra o sistema. Há horas em que o autor passa uma ideia de que estivessem “fora do sistema”, outro ponto muito discutível; como seria isso possível? Dissidências são possíveis, claro, e possíveis pelo próprio sistema, mas estar fora dele implica não participar de nada do que lhe diz respeito. Complicado.
Repleto de histórias e de texto fluido e acessível mesmo para leigos, Anos de chumbo: rock e repressão durante o AI-5 pode ser baixada no link:


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

TELONA QUENTE 223

Roberto Rillo Bíscaro

Destino Lua (também conhecido como A Conquista da Lua) foi considerado o primeiro filme inteligente de ficção-científica, por Isaac Asimov. A produção independente, de 1950, teve orçamento alto e explosão de cores Technicolor, raros entre os tantos filmes sci fi dos 50’s. Também atipicamente preocupado com acuidade científico-tecnológica, Destination Moom teve seu esmero recompensado com Oscar de efeitos visuais.
Destination Moon é caprichado desde os créditos iniciais, que rolam pela tela em direção ao infinito, como faria Guerra Nas Estrelas, 27 anos depois. Lembram como George Lucas foi deveras influenciado pelos filmes da década?
Tudo começa com a explosão dum foguete patrocinado pelo governo, que perante rejeição da opinião pública com os gastos e perigo de óbitos, se exime de prosseguir com o programa espacial. Cabe a um general convencer um industrial patriótico a persuadir seus colegas empresários a construírem um foguete pra lua. Reticentes no início, os capitalistas são convencidos com argumento bem simples e mais explícito impossível: a primeira nação que conquistar a lua dominará a Terra, pois poderia usar nosso satélite natural como base pra lançamento de mísseis. Destination Mooon esclarece que dissenção da imprensa é orquestração ideológica e que a iniciativa privada deve liderar a corrida espacial por motivos puramente patrióticos, lucros jamais são citados. Muito como os argumentos reais usados na parte documental da recente docussérie Marte, da NetGeo. 60 anos se passaram mesmo?
Apesar de jamais poder ser enquadrado como tal, Destino Lua é avô do docudrama Marte (disponível na Netflix), com o qual compartilha mais em comum do que o aludido. Destination Moon buscou assessoria científica, então, há até animação do Picapau explicando facilmente o sistema de propulsão à explosões de um foguete e as dificuldades causadas pela gravidade zero. Até se mostra que o som não se propaga no espaço, quando o pássaro tenta falar, mas a acuidade vai pro espaço, quando abre a porta da espaçonave sem despressurização, mas pra acusar o filme seria necessário saber se a ciência já sabia que o ar escaparia todo e isso não posso afirmar.
Embora Destino Lua seja bastante correto com o que se conhecia na época, ainda assim era um filme direcionado a fazer dinheiro e entreter, então liberdades tinham que ser tomadas e isso implicou em sua maior barbeiragem: a inclusão do alívio cômico Joe, que nada alivia, só complica.
Falar na imprensa que se era contra a corrida espacial era “ideológico”, mas escalar piloto que não acreditava na viagem à lua não representava problema, afinal, os EUA são a terra da liberdade de expressão. Joe funciona um pouco como o público, uma vez que algumas dúvidas de leigos são ventiladas através da personagem, cujo nome é o mesmo do da expressão “regular Joe”, caracterizadora do mais mediano que um sujeito anglófilo pode ser. Joe toca até gaita, olha o tamanho do clichê! Mas, imagine que alguém que desconheça até mesmo o mais geral das viagens espaciais seria escalado pruma missão assim! Ele poderia colocá-la em perigo, como o faz no episódio da antena externa. Claro que isso possibilita andada pelo espaço, o que deve ter sido maluco pras plateias cinquentistas, mas tira um pouco da credibilidade, embora não manche o status de clássico de Destination Moon.
O que pode ter passado despercebido pra muita gente é que a construção linguística desviante e algo ignorante de Joe acaba passando mensagem bem menos simpática: quem não acredita na possibilidade da exploração espacial é apenas jecas estúpidos, que precisam ser convencidos da maneira mais concreta possível, porque só assim conseguem entender. Considerando-se que Joe era o elo com o público “comum”... tire suas conclusões.
O bonachão, Joe, porém, não poderia estar melhor encaixado no prospecto otimista em que se enquadra a película, que enxerga a energia atômica como motor da exploração espacial. Em “boas mãos” (no sentido de apenas duas mesmo: as dos EUA) essa energia manteria a paz na Terra, que - com apoio patriótico das empresas e a boa vontade otimista de aprender de seus cidadãos “comuns” – se lançaria na árdua, mas perigosa conquista do espaço. Terra = EUA, tá? E a lua seria apenas o começo, como atesta o letreiro do The End, então afixado em todos os filmes. Neste lê-se “este é O FIM...do início”. Assertividade empreendedora nível hard.
Destino Lua tem lentidão de lesma pros padrões contemporâneos, mas pra fãs de ficção-científica “séria” é marco obrigatório de ver.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

UMA BANANA PRA VOCÊ!


Sirbastion é um canguru órfão e albino de cinco anos que vive no GG Wildlife Rescue Inc, um centro de acolhimento para animais na Austrália. O pequeno canguru viveu praticamente toda a vida no centro e não esconde seu gosto por bananas.

Acesse o link e veja que fofura ele devorando seu prato favorito!

CONTANDO A VIDA 221

CINCO HISTÓRIAS DE VIDA. 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Como contador de casos, resolvi fazer uma pequena antologia de situações que mais me marcaram. É difícil separar ficção de realidade e, bem sei, muita gente já se derrotou no esforço definidor de fronteiras entre o real e o imaginário. A fim de simplificar tudo, optei por me valer do conceito provisório de “histórias referenciadas”. Certamente, os especialistas em narrativas irão me execrar, mas enquanto isso não ocorre me parece válida a tentativa de dize-las. 

História 1. Fui roubado certa feita. Havia chegado ao Rio de Janeiro e, como sempre, sentia entusiasmo por estar na “cidade maravilhosa”. Era noite e saí no encalço de um restaurante. Havia dado poucos passos na direção da praia quando avistei um casal de namorados trocando beijos. Enquanto felicitava a cena, ao passar por eles, fui puxado e... O rapaz, o namorado, pegou-me forte pelo braço e exigiu que lhe entregasse tudo. Naqueles dias não existia celular e então foi só a carteira. Fiquei aturdido, mas calmo e apenas pedi a foto de minha mãe. De nada adiantou minha suplica. Voltei imediatamente, com fome, sem documentos e triste, pois aquele era o único registro que tinha do rosto materno. Enfim, consolei-me: vão-se os anéis, mas ficam os dedos. Surpresa absoluta, no outro dia, na portaria estava a minha espera o aludido retrato com um bilhete do larápio “devolvo a foto de sua mãe e seus documentos, boa sorte”. 

História 2: Convidado para uma apresentação em Aracaju, Sergipe, estendi a estada para mais alguns dias a fim de ver uma famosa vaqueja na cidade de Porto da Folha, distante cerca de 4 horas de carro. Ao chegar soube de uma ilha onde os indígenas Xocó, isolados em sua aldeia, recondicionam a própria cultura. Resolvi conhecer aquela experiência comunitária. Cerca de meia hora de barco pelo Velho Chico, tive oportunidade de me sentar ao lado de um indígena que carregava uma galinha e um galo. Quis saber porque e então ouvi que não mataria os animais e que nem era pelo ovo. Atento, ele disse que era pela beleza daquelas duas aves pouco conhecidas deles. De repente, me vi olhando para a galinha e para o galo e notei suas penas brilhando, os movimentos diferenciados permitidos pela mobilidade de seus pescoços. Frente a isso me perguntei dos critérios de beleza de minha cultura, e achei os indígenas mais civilizados e com olhar estético mais aguçado. 

História 3. Certa feita, gravando entrevistas sobre “rituais de passagem”, ouvi uma história que chama minha atenção até hoje. Era um garoto suburbano, moleque feio, com muita espinha rosto afora, pobre, solitário, sempre maltrapilho. Sentados ao acaso em banco de praça no interior mineiro, começamos a conversar e tive que responder a ele explicando que era pesquisador e me interessava pelas narrativas sobre “primeira vez”. Troquei em miúdos até me fazer entender. Como resposta, ele contou o caso do primeiro beijo que dera na moça mais cobiçada da região. Por bonita, era bastante disputada, e famosa por rejeitar os bons partidos, “muito das granfas” resumia. Um dia, ao entregar garrafa de água em sua casa, ele foi recebido por ela que, por iniciativa própria, o convidou para entrar e, no vazio da casa vazia, o beijou por muito tempo. Ele que nunca havia experimentado algo parecido agradecia a escolha e o carinho da moça que nunca mais sequer o cumprimentou. Ele também lhe era grato, mas garantiu que não houve paixão “foi só gostosura”. 

História 4. Franzina e silenciosa, de alguma maneira ela chamava a atenção das colegas de classe. Sempre nos intervalos das aulas lia, interessadíssima, para si mesma, cartas recebidas. A repetição do gesto fez com que a imagem da leitora inquietasse a rotina geral. Um dia, portanto, foram-lhes cobradas explicações. Como abelha rainha, então, cheia de si, prometeu trazer a pequena coleção de envelopes com seus conteúdos amorosos. No outro dia, apresentou dezenas de cartas devidamente seladas. Leu algumas sorteadas e a revelação de um amor incontido chamou a atenção. Não escapou, porém, a identificação da letra pela qual se viu que ela mesma enviava para si. Descoberta, não voltou mais à sala. E mudou de escola. 

História 5. Na cidade pequena, no interior de São Paulo, suicídio era assunto para semanas. Aquele, porém, demorou mais. Uma jovem, de fora da cidade, no dia dos namorados, foi ao cemitério local e ingeriu dose fatal de veneno de rato. Na solidão da tarde que morria, ela veio a falecer sozinha. Rumores se multiplicavam e a ausência de informações fermentava a imaginação coletiva. Histórias se multiplicaram: amor não correspondido, doença grave, alguma violência sem paga, enfim, muito foi aventado até que, dias depois, alguém encontrou uma bolsa caída entre dois bancos da igreja ao lado, e nela uma folha dobrada, com uma única palavra: “cansei”.