O
VELHINHO E A BICICLETA.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Antes
de nada mais, convém alertar que não estou usando o termo “velhinho” de maneira
pejorativa. Não. Refiro-me a mim mesmo desta forma exaltando, por exemplo, a
beleza da referência às velhas guardas das escolas de samba, ao valor garantido
pelo ouro velho, ou, mais que tudo, para a simbologia das velhas amizades. Na
mesma linha, posso garantir que não visto a fantasia tão cara a quem quer
converter o envelhecimento em “melhor idade”, como se envelhecer fosse uma
delícia. Minha reflexão, aliás, decorre exatamente do aborrecimento determinado
pela passagem do tempo. Há uns 15 anos não dirijo. Além de não gostar do manejo
de máquinas em geral, prefiro ler, dormir, conversar empenhadamente, a ficar
nas ruas ou estradas com a direção na mão e concentrado nos possíveis perigos,
sinais, avisos.
Aconteceu,
porém de eu ganhar uma bolsa para escrever um ensaio em universidade
norte-americana, precisamente em Stanford, na Califórnia. Os campus universitários
dos Estados Unidos, em termos de localização, obedecem a três possibilidades:
ou são situados em cidades e se integram à paisagem urbana, ou ficam em beira
de estradas movimentadas que, afinal, facilitam o acesso, ou se isolam em
locais remotos, como fazendas longínquas, com o fito mesmo de tornar os estudos
o centro das atenções. Stanford se coloca nesse último modelo. Sabedor disso,
por já ter morado aqui, tratei de refazer minha habilitação, pois queria ter
liberdade de movimento. Por si só isso me foi aventura completa. Morador de
Taubaté, com pouco tempo para resolver a questão, precisei refazer minha carta
lá. Aprender as novas regras, me submeter a exames gerais foi uma volta no
tempo e um desafio à minha capacidade de atualização. A tal “direção defensiva”
simplesmente não existia e nem os alertas de primeiros socorros. Enfim, a
despeito de mim mesmo, consegui tudo a tempo.
Estando
na Califórnia, contudo, alojado no magnífico campus, achei que seria inútil
alugar automóvel. Para satisfação geral de todos, mesmo tendo habilitação para
carros, optei por uma bicicleta e se fosse o caso pelas facilidades do uber. As
distâncias entre diferentes pontos no campus justificam de sobra a locomoção
por pedaladas, e a existência de um posto para aluguel na própria universidade
explica muito dessa prática. Foi assim que busquei informações mais detalhadas
sobre como me tornar um ciclista. A primeira surpresa decorreu do custo, quase
igual ao de automóvel. Depois, ainda mais espantosos, vinham os detalhes complementares
com os devidos acréscimos: o obrigatório uso do capacete; com cesta única ou
dupla; com faróis dianteiros e traseiros; com cadeado; com adesivos para
iluminação noturna. Enfim, uma parafernália insuspeitada. Aconteceu de estar em
meio a tantas escolhas quando um outro professor estrangeiro vinha reportar ao
dono que não achava a bicicleta. Sem saber onde tinha estacionado, contava que
fazia três dias que a procurava sem sucesso. Conhecendo minha clássica
distração para situações como essa, fiquei gelado e, mesmo tendo gastado muito
tempo fazendo as escolhas, desculpei-me com o atendente e pedi mais um dia para
meditação.
De
início, fiz tudo a pé. O frio, o peso do material transportado e o cansaço,
contudo, me convenceram que valia a pena correr o risco do pedal, e lá fui de
volta à bicicletaria. Ao explicar meu temor para o gentil rapaz, soube de mais
um apetrecho que poderia me salvar, uma chave que se comunica com a campainha e
que, acionada, toca avisando do lugar do veículo, no estacionamento.
Nos primeiros dias deu certo ocorreu, porém, de
eu perder a chave e, claro, não saber onde havia deixado a tal bike. Resolvi esperar até o final do dia
para ver se todos os vizinhos de estacionamento retirariam as suas. Não contava
com as aulas da noite e foi em vão meu esforço. Com o avanço das horas, não me
restou outra coisa que falar com o pessoal da bicicletaria. A decepção veio com
a porta fechada. Ir a polícia do campus foi bem embaraçoso, pois nessa altura
da vida, revelar tal peripécia me parecia algo humilhante. Atencioso, o
policial experimentado solicitou que eu refizesse o caminho desde minha casa, e
numa viatura, facilmente me levou ao local onde estava a tranquila bicicleta. O
que aprendi desta lição? Em primeiro lugar, que não posso mesmo confiar em
minha memória; em segundo, que saber da chave não era suficiente para garantir
o paradeiro da bicicleta, e por terceiro, que neste exato momento não sei onde
está a bicicleta e novamente me aflijo com a chave desaparecida.
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