Quando apresentei uma funkeira dinamarquesa não
faltaram reações surpreendidas. E que tal um jazz-funkeiro sueco calvo de meia
idade? Ele se chama Nils Landgren e nasceu em 1956. Trombonista com formação
erudita, em fins dos 70’s, começou a explorar o universo da improvisação da
cena jazz e desde então caiu de boca na música popular, onde usa sua
irretocável técnica e treino “clássico”. Já tocou estilos tão variados como
ABBA e Herbie Hancock. Versátil deve ser
o sobrenome do meio de Landgren, porque o cara passeia pelo jazz, rock, soul,
hip hop, blues e big band.
Desde meados dos anos 90,
Nils lidera o Nils Landgren Funk Unit, que dentre suas façanhas, tem álbum de
versões funkeadas de seus compatriotas ABBA.
Outra faceta muito legal do músico é seu lado
humanitário, como usar a Funk Unit pra apoiar o trabalho dos Médicos Sem
Fronteiras, na África. Outro sueco que fazia muito isso era o escritor Henning
Mankell, criador do inesquecível detetive Kurt Wallander.
Dia 30 de junho de 2017, a Nils Landgren Funk Unit
(NLFU) lançou seu décimo-primeiro álbum, Unbreakable. O LP tem a participação
de Ray Parker Jr, na guitarra e vocais em diversas faixas. Maciçamente lembrado
pelo esmagador sucesso da canção-título do filme Os Caça Fantasmas, Ray Parker
Jr. é muito mais que cantor pop de sucesso só, como imaginam desavisados.
Unbreakable é típico jazz-funk de olhos azuis, que tem
seus fãs desde os anos 80 ou fins dos 70’s, quando pioneiros do gênero como
George Benson (que não tem nada de azul nos olhos) faziam sucesso. Já resenhei álbum de George Anderson, também representante do subgênero. Sobreviventes dos
anos 80 acostumaram-se a esse estilo graças ao sucesso estrondoso de Level 42,
Simply Red e da Kool & The Gang, cujo som alguns números do álbum lembram,
como Get Down On The Funk e Friday Night.
Dentre a dezena de canções não falta jazz funk de
qualidade, como a faixa-título, e Stars In Your Eyes e grooves malvados como a requebrante NLFU Funk, que deixam felizes
James Brown e Prince lá do outro lado. Bow Down é soul funk midtempo intenso com pitada de rap, pra não fazer muito feio perante Bruno Mars. Old School é como
manifesto de princípios: um diabo dum funkão com frases do tipo “old school,
baby, that’s how we do it”. Pena que não se aferraram a esse princípio na
regravação de Rocking After Midnight, de Marvin Gaye. A instrumentação soberba
que dá vontade de dançar na rua com os fones de ouvido convive com tentativa de
modernizar o procedimento, mediante vocais pesadamente processados. Pra que
isso, Nils, pra quê?
E daí transicionamos pro único problema que enfrento
com Unbreakable. Instrumentalmente é um discaço, mas os vocais em algumas
canções demoraram pra descer e em uma ainda não me acostumei. Just a Kiss Away
tem vozinha muito fraca, não combina com o bom blues domesticado apresentado.
Não se trata de achar que branquelos não podem cantar esse tipo de música. Há
décadas gente como Joplin, Amy, Mick Hucknall e tantos outros já provaram que
essa apropriação cultural é mais do que factível. Gosto também é formado culturalmente
e tanto as vozes negras quanto as brancas me acostumaram a interpretações mais
raspadas, ríspidas, dramáticas, malandras, sensuais de funks, blues e
variantes. As vozes de Landgren e alguns dos outros são por demais brandas.
Talvez por estarem cantando em idioma que não seja o seu, talvez pelo estilo.
Mesmo assim, Unbreakable
merece chance. Senão pela incrível qualidade da instrumentação e das melodias,
pelo menos pra ver se conseguimos nos “reprogramar” culturalmente e aceitar
outros tipos de vozes que não aquelas com as quais estamos familiarizados.
Aceitei em várias faixas, mas tem hora que falta
alguém dando uns gritões.
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