Roberto Rillo Bíscaro
Sharon Jones tem sido creditada como uma das responsáveis
pelo revival do funk e da soul music vintage, que pode ter tido
seu álbum mais conhecido mundialmente no trabalho de 2007, de Amy Winehouse.
Aliás, os Dap-Kings, que acompanhavam Sharon, forneceram os vocais de fundo de
Back To Black, a canção.
Jones nasceu na Georgia, mas foi criada em Nova York, onde
trabalhou em prisões e como segurança armada. Nada de escola de talentos em
Londres ou gritaria em show de calouro; era ralação pesada mesmo, com a música
como bico, até que em 96 gravou seu primeiro single e só no começo dos 00’s,
seu álbum de estreia, já aos 46 anos.
Depois disso foi só estrelato merecido com indicação ao
Grammy e colaborações com gente do calibre de Lou Reed. Mas, em 2013, apareceu
um câncer, que retornou com força em 2015. Foi em meio a desgastantes sessões
de quimioterapia, que gravou Soul of a Woman, com seus inseparáveis Dap Kings.
Quando se sentia melhor ia pro estúdio e até fazia shows. Sharon deixou o planeta em 2016 e em 17 de novembro do
passado ano, saiu Soul Of a Woman, 11 canções que deixam a doença de lado.
Mas, o poder simbólico dessa enfermidade e a morte de
Jones quase inescapavelmente nos levam a atribuir sentidos pessoais mesmo a
afirmações em contextos mais politizados, como na fogosa abertura de Matter of
Time, onde ela canta que não dispõe de muito tempo. A letra urge a união da
espécie humana e liberdade para todos, mas quem consegue ouvir sem pensar que a
intérprete estava dolorosamente cônscia de sua própria situação?
Entendamos as letras como for, mas o vital é conhecer
esse trabalho luxuosamente orquestral, onde coabitam números explosivos - como
Sail On, que não deixa dúvida de que Jones era fã de James Brown – com baladas
em diferentes registros. Just Give Me Your Time vem em estrutura R’n’B mais
minimalista; Come And Be a Winner é chique até o fundo d’alma. Paul Weller
mataria por essa melodia, no auge do Style Council.
Os vocais em These Tears (No Longer For You) e Girl
(You Got To Forgive Him) têm que ser ouvidos pra serem cridos. Na primeira, a
intensidade progride à medida que a melodia orquestrada à anos 70 avança e na
segunda, que abre imperiosa, majestática, ela e o coro interagem num jogo
complexo de frases que uma começa, o outro acaba. Câncer FDP, nos privar dum
talento assim, quando precisamos tanto!
A última canção derrete corações mais empedrados. Call
On God é um spiritual que fala sobre
encontrar Deus, estar pronto pra visitá-lo, essas coisas. Embora composta há
décadas, dá pra separar a mensagem da terminalidade da vida de Sharon, que bem
no finalzinho – ouça com fone de ouvido – soluça ou ri?
Soul Of a Woman é tão devastador, quanto belo e você só
não desfruta o esfuziante talento de Sharon Jones e seus Dap Kings, se não
quiser, porque tem bastante coisa no Bandcamp:
Esse disco é maravilhoso! uma pena Sharon ter partido...ouvi no ano passado, poucos meses depois de ter saído. Ficou marcado como uma das melhores coisas de 2017 que ouvi.
ResponderExcluirÓtimo texto. Abraço! Ronaldo