ENVELHECENTE...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Tenho repetido que, para mim, envelhecer é chato. Muito
chato, aliás. Demais. Não que me preocupe com a aparência, com detalhes
vaidosos ou cuidados com o físico. Nada. Fui aos poucos me despojando de certos
tiques da moda, e com isso aprendi as delícias da pouca roupa no armário, dos
chinelos de dedo, das bermudas em dias de calor e dos moletons no frio. Mas,
muito mais do que dispensar o tributo à eterna juventude ou obediência às
regras formais dos costumes, fui constatando que o corpo se rende,
inevitavelmente, aos imperativos do tempo. Isso pode parecer óbvio, não
obstante, quando da vã idealização filosófica se passa à rudeza da prática, a
novidade deixa de ser pregão e se impõe exigindo reposicionamentos. O pior me
parece é ter que se adaptar, queira-se ou não. Os deliciosos churrascos, as
frituras de camarões graúdos, as bebidinhas tão apreciadas, tudo enfim, tem que
ser comedido, passado por exames de conveniência e ter os efeitos premeditados.
Nos homens, caem-se os cabelos, a barriga anuncia progressos, os músculos cedem
e a pele não admite outras verdades que não as rugas. Quando vejo amigos de
infância que por distantes deixaram minha memória repousar no passado, fico
bestificado ao ver os estragos. Sinto mesmo o peso dos anos quando olho para os
“velhos companheiros” e entendo o significado do termo antiguidade.
Há um imponderável da modernidade que complica ainda
mais a trajetória que leva à morte natural: o culto à beleza vista como
sinônimo da juventude. E, como historiador, até sinto saudade de um passado que
me foi roubado, de um tempo em que a velhice era respeitada, sinônimo de
sabedoria e de poder. Quando aquilato o valor simbólico do velho atualmente,
vejo que ele só se afigura importante se gerar consumo, mercado, motivo
capitalista. E, confesso, mesmo os convenientes debates sobre a Reforma da
Previdência nos colocam como peso, pois a ampliação de nossa longevidade passa
a valer como ameaça para o futuro da nação. Isso é muito triste. Tristíssimo. E
nem adianta dizer que ganhamos liberdade, direitos, autonomia. Nada. Adoecemos,
as dores nos atormentam, as farmácias passam a constar de nossos roteiros de
saídas e os decantados descansos têm que ser tão planejados que muitas vezes
nem vale a pena sair de casa. E não me venham com piqueniques imaginários, com
bailinhos onde sorridentes anciãos mostram suas novas dentaduras. Nem falem de repousantes
sessões de cinema ou teatro, pois antes de irmos à esses logradouros precisamos
saber se têm elevadores, corrimãos e... banheiros. Ah, os banheiros da “melhor
idade”...
Outro detalhe perturbador é que nosso envelhecimento é
também problema para os outros, questão social, pois afinal, temos que pensar
em quem cuidará de nós na sequência natural das coisas. Filhos, netos, noras,
parentes próximos ou distantes, prestadores de serviços especializados, todos
devem ser considerados, mas o pior é que em tantos casos deixamos de ser donos
das escolhas. E estão aí os dados que não nos permitem ilusões. Compúnhamos,
até 2008, um time cuja população acima dos 65 anos perfazia 6,53 por cento da
população. Diz o IBGE que por volta de 2050 chegaremos a 22,71 por cento.
Viramos, portanto, ameaça inevitável. Como “problema”, nossa idade ganhou foros
judicial. Desde 2003 temos até um “Estatuto do Idoso” que nos garante direitos
que, contudo, passam a ser ameaçados. Diz o Instituto de Pesquisas Aplicadas
que as tais “prioridades” devem passar do limite de 60 anos para 65. E como se
fossemos intimidação fatal, há setores que falam já em 80 anos.
Não pensem que esgotei a ladainha das evocações
ameaçadoras. Talvez a mais perversa consequência do envelhecimento seja a
vulnerabilidade. Sim, queiramos ou não caminhamos para a dependência dos
outros. Atos falhos, perda de memória, dificuldades de locomoção e incapacidade
de administrar a própria vida nos tornam reféns da família, dos amigos, da
assistência pública. Em seus mais enviesados atalhos, passamos a ser submetidos
à justiça, à caridade, à paciência e às políticas públicas. E, por pior que
possa parecer, decaí conosco a dignidade altiva. Dói dizer, mas envelhecer é
ruim.
Ouvi dizer que a pessoa que vai viver 200 anos já
nasceu. Constato a propalada melhoria das condições físicas dos idosos, mas por
mais que ampliemos o prazo de nossa validade na terra, seremos, de um ou de
outro jeito, por mais ou menos tempo, envelhecentes. Que a paz, pois, esteja
conosco.
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