... NESTA DATA QUERIDA... MUITOS ANOS DE VIDA...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Escrever é algo que nos aproxima do divino. Cria-se,
quando o branco da página ou da tela vai se fazendo em linhas, somando
palavras, conectando frases. E nesse céu, cada qual tem seu universo de
invencionices. Por irônico que pareça, cumpre-se nessa senda o designo da
imagem e semelhança do criador. O bom texto tem que ser a cara do autor. O
mundo assim vai ganhando contornos explicativos e a mágica da escrita se amplia
na aceitação dos leitores. A complexidade dessas condições na modernidade ganha
atalhos ainda mais enigmáticos quando se levam em conta os avanços
tecnológicos, tão importantes na produção dos textos como nos mecanismos que os
divulgam. Seria vão tentar explicações mais profundas nos parcos espaços de uma
crônica, mas... Mas há algo tangível e que merece ser dito. Parto do princípio
de que todo escrito é sempre autobiográfico. Por mais distantes ou longínquos
que sejam os temas, as escolhas e abordagens, a forma e as palavras traduzem
muito de nós. Sobremaneira, a crônica é um gênero revelador de nossos
recônditos, perdendo apenas para as autobiografias. Derivativo do termo grego
“kronos”, tempo, o termo guarda segredos da tradução de realidades que clamam
por sínteses, registros de fatos corriqueiros, banais mesmo, mas gravados com
ansiada beleza. Nossa literatura é pródiga em número de bons cronistas, e listá-los
é como rezar ladainha que inclui Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Fernando
Sabino, entre tantos senhores respeitáveis.
Há algo mais a ser dito no retraço da relevância das
crônicas: ela vicia. Num voo muito rápido pela minha produção devo ter registro
de mais de 500 peças. Não o faço por obrigação ou dever. Não. Minhas linhas
semanais se comportam como dimensão do que sou e assim vou “escrevendo a vida”.
E procuro sempre oferecer o melhor. Por vezes, repetem-se situações esdruxulas,
dificuldades tecidas ao acaso e convites constantes aos impedimentos. De uma ou
de outra forma tenho superado tais entraves. Na já longa sequência de
circunstâncias, hoje se dá uma inédita: escrever no dia de meu aniversário. E que
aniversário: 75 anos! Já comentei em
outras oportunidades a relevância histórica do dia 15 de março - data
considerada por Shakespeare como “o dia mais triste da história” pelo
assassinato, em 44 a.C. de Júlio César pelo próprio filho adotado, Marco Brutus.
O episódio conhecido como “idos de março” não me foge quando pontuo
questionamento da minha existência em face da alegria de viver.
Por certo, cumpri tarefas intelectuais em outros dias
15 de março, mas não me lembro de escrever uma crônica sintonizada com a
celebração. E fazer 75 anos equivale a uma saudação à minha própria vida. Não
sei ainda quanto tempo me resta, mas posso dizer do alto da experiência que me
sinto bem comigo mesmo, em coerência com o “parabéns, pra você”. O que vier é
lucro, diria, mas também garanto que o futuro há de me levar a ter mais
compaixão comigo mesmo. Quero reinventar a delicadeza das relações que vejo tão
deterioradas. Preciso depurar a visão do lado clemente dos gestos pessoais e
alheios, pois, sinceramente, cansei de ser cáustico. Sartre dizia “dos meus
dias, quero só os excessos” e os que pretendo são de finezas. E tenho que
exercitar o graças aos deuses pela vida boa que tive. Nunca passei fome ou
frio, tive oportunidades de trabalhos e amigos aliados em todas as horas. Se
houvesse que distinguir uma generosidade em minha trajetória, renderia tributo
aos meus pais. Imigrantes miseráveis, chegaram sem nada e, em obediência ao
arco desenhado pela história do Brasil, em uma geração conseguiram se
posicionar. Aprendo muito respeitando o desenho da vida familiar. É por isso
que rendo tributos ao fato de aceitar as diferenças, não me portar de maneira preconceituosa,
admitir liberalidades progressistas e cultivar a coerência. Há algo que venho
apurando com muito zelo: não falar mal dos outros. Mesmo reconhecendo
imperfeições, acho que se não puder bem dizer, é melhor ficar calado. E não
vejam nisso retraços de velhice ou conformidade ingênua. Não quero perder a
crítica, mas não faço mais questão de ganhar discussões. Uma das palavras que
quero riscar de meus dias futuros é tolerância. A perversidade do tolerar
coloca-nos no epicentro de um mundo que tem que ser aceito por negociações de
valores. O verbo do futuro dos meus dias é aceitar. Aceitar com filtros e com
os rendimentos de juízos que me fazem mais e melhor observador do mundo. Não
preciso mais explicar. Quero compreender...
A canção mecanicamente apropriada
para o dia de hoje sugere “parabéns”. Eu os aceito vindo de mim, mas tenho
restrições em vista do complemento “muitos anos de vida”. Quero sim continuar
vivendo neste plano, mas só o suficiente e com o melhor que a vida pode meu
dar: paz.
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