Roberto Rillo Bíscaro
Com Anne Lennox e Alison Moyet, Tracey Thorn compunha a
trindade de vozeirões femininos da Grã-Bretanha nos anos 80. Helen Terry
poderia ser elencada se tivesse feito qualquer sucesso sem estar por trás de
Boy George.
O contralto de Thorn serviu pra punkice folk das Marine
Girls, pra jazzice bossanovada do Everything But the Girl, que nos anos 90 se
reinventou como divindade jungle/drum’n’bass. Sempre colaborativa, Tracey já
cantou com gente do calibre de Paul Weller e Massive Attack; já fez cover de
Pet Shop Boys e Bruce Springsteen; já lançou aclamadas memórias; é colunista de
jornal.
Com tantos afazeres – sem contar a vida de amantíssima
mãe de família – a inglesa de vez em quando acha tempo pra lançar álbuns-solos,
embora com largo espaço entre eles. O mais recente datava de 2010 e foi
resenhado aqui.
Dia 2 de março, Tracy Thorn retornou com as 9 faixas do
conciso Record. Se em Love And Its Opposites, a chanteuse surpreendia-se com tantos divórcios entre amigos e
aceitava divertida e estoicamente a diminuição de seus hormônios em comparação
com a ebulição dos de seus filhos, em Record canta sobre a divorciada amarga
que passa o tempo monitorando seu ex pelas redes sociais, em Face, que
sonicamente pertence mais ao álbum anterior. Os filhos já têm idade pra sair de
casa e em Go, Tracy canta em falsete sobre a síndrome do ninho vazio.
Mãe coruja, protetora até a agressividade, Thorn é
inteligente demais pra reduzir suas letras a odes parnasiano-eletrificadas à
maternidade ou às crianças. Na new wavy Babies, ao descrever como é tentar
fazer uma criança pegar no sono às 3 da madrugada, os versos vem afiados “lay
your pretty head now/get the fuck to bed now. Mas tudo isso só a fez amá-los
mais ainda. Não, pera, se ser mãe é padecer num paraíso, então as letras são
meio parnaso, sim?
A idade da cantora (55 anos) e a escolha pelo
predomínio da electronica dos 80’s e
90’s quase garantem que Record não atinja jovens ouvintes casuais e, como no
caso da maioria de artistas antigos, pregue a convertidos. Então, os 8 minutos
e meio extremamente bem produzidos do synthfunk de Sister não afugentarão quem
já ama Thorn há décadas. Respaldada pela sempre interessante Corinne Bailey
Rae, Tracey dá aula de militância e empoderamento feminino. Não mexa com ela ou
com os rebentos, que ela luta como uma garota!
Record é confessional e pró-ativo. No arejado pop
oitentista de Air, o eu-lírico se denomina desajeitada, muito alta, invisível
para os garotos, ao passo que a também new wavy Guitar, denuncia o garoto que a
ensinou a tocar violão, mas fugiu depois duns amassos. Mas, daí, ela escolhe
vê-lo como catalista (imagine uma letra pop com essa palavra, Tracey é
preciosa!) que a propulsionou ao estrelato, meu amor. E é sobre esse papel de
rainha que ela se pergunta na pulsação synthdisco contagiante de Queen,
abertura de um álbum que também termina perfeito, com Dancefloor, que
orgulharia vô Giorgio Moroder e Tia Neil Tennant.
Record é tão impactante em
sua grande maioria que até dá pra ouvir de boa o synthfolk de Smoke, com aquela estruturinha rítmica vagabunda de
teclado de churrascaria. Quando Kate Bush a usou em Delius (Song Of Summer) era
moderno e high tech, afinal era 1980.
Em 2018, é qualquer coisa menos isso.
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