Roberto Rillo Bíscaro
“Aceita que dói menos” é um dos lugares-comuns do
momento, mas que pode ser lema da carreira-solo de Steve Hackett. Ao invés de
negar seu legado junto ao Genesis, o guitarrista tem reinventado as canções de
seu passado setentista em álbuns e turnês muito bem-sucedidas, como seus
Genesis Revisited.
Ano passado, Wind and Wuthering fez 40 anos. O álbum
foi o último de Hackett com Banks-Collins-Rutherford e tem substanciais
contribuições de Steve, então o inglês decidiu que generosa porção de seu show
mais recente – cuja turnê passou por cidades brasileiras este ano – traria
diversas faixas daquele trabalho, assim como clássicos ainda mais antigos.
Isso, claro, sem esquecer de sua produção-solo que incluiu faixas de seu
aclamado álbum do ano passado, The Night Siren.
Dia 26 de janeiro, a Inside Out Music colocou no
mercado o CD/DVD/Blu-Ray Wuthering Nights: Live in Birmingham, registro de um
show de maio de 2017, no Birmingham Symphony Hall. Esta resenha é sobre o CD
duplo apenas.
O nível técnico e artístico é perfeito. Hackett está
com feras entrosadas de tanto tocar junto: Roger King (teclados), Gary O'Toole
(bateria e percussão), Rob Townsend (saxes/flautas), Nick Beggs (baixo e outras
cordas). Jamais se poderia acusar Hackett de primadonismo; todos os
instrumentistas têm chance de brilhar e a guitarra do Mestre resplandece, não
porque precise forçar a barra por ser o chefe, mas, porque tem aquele
diferencial que separa o bom músico do genial. Steve Hackett influenciou Eddie
Van Halen, for Christ’s sake!.
O CD 1 é apanhadão da longa carreira-solo do ex-Genesis.
Traz inescapáveis como Every Day, presente em tudo quanto é show e ao vivo e
que não pode ter arranjos muito alterados: fãs esperam o delirante solo de
Steve, tornando a faixa perfeita para abrir um álbum. Do catálogo perene ao
vivo, digamos, há também a caravana centro-asiática de The Steppes, que forma
bloco com bastantes inflexões orientais com canções de The Night Siren, como El
Niño, Behind the Smoke e In The Skeleton Gallery. Não dá pra reduzir a
diversidade dessas canções a apenas seus elementos “árabes”, mas há fio
condutor entre elas, e Hackett enfileirá-las em enfiada de 4 deu senhora
homogeneidade ao miolo desse CD. Dos álbuns Darktown (1999) e To Watch the
Storms (2003) foram pinçadas Rise Again e Serpentine Song, respectivamente e para
encerrar a primeira parte do espetáculo, Steve reviveu os quase 11 minutos de
Shadow Of The Hierophant, de seu longínquo primeiro álbum, Voyage Of The
Acolyte (1975), quando ainda era do Genesis.
Amanda Lehmann preenche a vaga de voz, originalmente ocupada por Sally
Oldfield, provavelmente a cantora mais injustiçada da música britânica.
O segundo CD foca no trabalho do Genesis. Para os
vocais, entra Nad Sylvan, na estrada com Hackett há anos. Ainda há quem
desperdice tempo e energia reclamando que Sylvan não se compara a Peter Gabriel
ou Phil Collins. Cansativo isso. Não se trata do Genesis, mas de um de seus
ex-membros homenageando-o, então, qual é o ponto para mimimizar? As vozes são
parecidas, Nad tenta imitar, claro, mas é mais pra compor um clima, como o Yes
faz quando contrata vocalistas-clones de Jon Anderson. Quase óbvio que nós fãs
preferiremos Phil e/ou Peter, mas de que adianta reclamar de Sylvan, que, acima
de tudo, faz ótimo trabalho dentro de seus limites de não ser Phil/Peter?
Aceita que dói menos. Ou não ouça nada que não seja cantado por
Gabriel/Collins, e pare de encher o saco!
Wuthering Nights é trocadilho com o clássico de Emily
Brontë, que informou títulos em Wind & Wuthering. E como esse é o álbum
homenageado, cinco de suas canções abrem a parte dedicada ao Genesis. Desde a
manjada Afterglow, até as bem mais raras em ao vivo oficial, como Eleventh Earl
Of Mar. Com arranjos o mais fiel possível aos originais – Hackett sabe que seu
público é maduro; queremos o que nos embalou a juventude -, Wuthering Nights
traz a subestimada One For The Vine e Inside and Out, que, vergonhosamente, ficou
de fora de W&W e acabou sendo a única coisa que presta no EP Spot The Pigeon.
Fora do território de seu álbum-despedida do Genesis,
há a versão delirante de Dance On a Vulcano; a máquina demolidora de The Musical Box e a melhor versão ao vivo oficial do solo magnífico de guitarra de
Firth of Fifth.
Impecavelmente feito por um artista que entende
visceralmente de Genesis e que tem carreira-solo monumental, além de perícia
inconteste, Wuthering Nights: Live In Birmingham pode ser o melhor ao vivo de
Hackett, que já lançou diversos.
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