OS
DOIS PAULOS...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Na
ópera “Lohengrin” estreada e regida por Frans
Liszt no ano de 1850, em Weimar, o compositor Richard
Wagner,
musicou a saga de Percival e seu filho Lohengrin. Consta da trama que no século
X, na região do antigo Ducado de Brabante que atualmente correspondente aos Países Baixos, havia uma
donzela de nome Elza que, por questões matrimoniais e de interesses políticos,
fora sentenciada até que seu amado a viesse salvar da cruel reclusão.
Transformado em cisne, Lohengrin condicionou a libertação e o casamento a não
pronúncia de seu nome verdadeiro. No fundo, todo enredo trata dos segredos
contidos nos significados dos nomes. Pensei no sarcasmo dessa tradição
germânica ao notar o paradoxo que retraça o protagonismo de atores presentes no
desenrolar deste que é o maior escândalo político de nossa história. De um
ponto a outro, dois Paulos: Paulo de Tarso Venceslau e Paulo Vieira de Souza,
também conhecido como Paulo Preto, ambos com caminhos cruzados, algum tempo, em
Taubaté.
Outra vez a história agulha a vida de um
segmento de amigos de ambos. O primeiro Paulo, o Venceslau, tem as mesmas
iniciais do Partido dos Trabalhadores: PT (haja picardia nisso). O segundo, se
distinguiu como engenheiro e administrador de entidade pública, com capacidade
inegável, atestando a luta de uma família de origem simples, mas empenhada. E
foi exatamente pela linhagem político-partidária que foi costurada a ironia do
caso projetado nacionalmente. Ambos de espaços comuns, mas com projeção em uma
geração inteira, exatamente a que hoje visita os 70 anos. O primeiro Paulo, arredondará
75 anos em setembro próximo, o segundo caminhando para os 70. Sendo da mesma
origem local, ambos deixam seus nomes na história por condições opostas. Um foi
pioneiro nas denúncias contra a corrupção. O segundo acusado de acumular mais
de 100 mil dólares em bancos suíços é acusado de negócios escusos.
Há outro ponto em comum trançando as duas
trajetórias: ambos tiveram seus nomes ligados a causas políticas fora do
próprio espaço familiar vivencial, em particular em São Paulo. No vigor
estudantil o Venceslau, estudante de engenharia nos idos dos anos de 1960, como
outros, buscou a capital do estado como ambiente de formação qualificada. No
impulso utópico, meteu-se na política rendendo-se a causas comuns a então
crescente esquerda estudantil. O febrão contagioso entre os jovens o levou às
fileiras da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Seu protagonismo na
“organização extremista” fez dele elemento de destaque nas fileiras da corporação,
e entre outros atos de protestação, o mais consequente foi a participação no
consequente sequestro do ex-embaixador norte-americano Chales Burke Elbrick,
nos idos de setembro de 1969.
O Vieira de Souza, formou-se em engenharia na
própria cidade natal, e pela Unitau foi credenciado para o exercício
profissional que o levou a executivo destacado na cúpula da DERSA, companhia de
Desenvolvimento Rodoviário SA. Vínculos partidários não oficiais o aproximaram
das fileiras do PSDB e assim ligado a vários mandatários do partido no estado
de São Paulo. Figuras como Geraldo Alckmin, Alberto Goldman, Aloysio Nunes e principalmente
José Serra têm seus possíveis compromissos criminais atados no mesmo nó.
O Venceslau ficou 4 anos preso, e ao sair ingressou
de corpo e alma no nascente PT. Como era de se esperar, o ativismo virou
militância legítima, e inscrito num programa de desejável saneamento do país,
funcionou como administrador, ocupando cargos que o habilitaram a acesso às
entranhas financeiras das gestões. Campinas e São José dos Campos foram espaços
largos e suficientes para logo perceber a trágica mudança de rumo das propostas
de governo. E foi o primeiro a denunciá-las. O custo lhe foi alto: expulsão das
fileiras do Partido e a incompreensão de muitos de seus companheiros.
A trajetória do Vieira de Souza foi muito mais sutil,
algo escondida nas tramas que fiavam sua carreira vertiginosa. Aos poucos foi
galgando posições na instituição governamental até chegar às alturas. Em 2010,
porém, a ex-presidente Dilma Rousseff, para atacar o oponente também candidato
ao posto máximo da nação, José Serra, o cita pela primeira vez. Estava dada a
largada para a acusação que pretende enquadrá-lo na formação de quadrilha,
peculato e inserção de dados falsos nas contas públicas.
Dois Paulos, dois destinos: um arauto de crimes
alarmantes, outro mediador de propinas até agora pouco exibidas, mas
prometedora de abismos. Ambos pessoas queridas em nossas vidas e atestados das
mudanças do tempo político que vivemos. É claro que temos dívidas com o
primeiro, mas como é difícil aceitar os desvios do segundo. Nossa!... O trágico
desta história é que temos encarnados em pessoas conhecidas as grandes
contradições de um sistema enorme, cruel, vulnerável, corrupto. Confesso: seria
mais fácil se as figuras em questão fossem incógnitas, distantes, anônimas. Mas
não o são... Orgulho e pena se nos abraçam na tragicidade de dois nomes... Dois
Paulos... Dois amigos...
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