Roberto Rillo Bíscaro
O primeiro contato com Milton Nascimento foi quando o Fantástico apresentou Ponta de Areia, provavelmente em 1975, ano do lançamento do álbum Minas, contêiner da canção. Pode ser truque mnemônico, mas recordo direitinho do narrador explicando que Minas Gerais já tivera saída pro mar, contextualizando a letra e também da belezura do coro infantil e daquela vocalização inicial de Milton, que me extasia até hoje. Se tudo ocorreu assim, tinha então oito anos de idade (mas já era fã(nático) pela gritaria psicodélica de Gal Costa e tinha disco dos Secos & Molhados).
Embora sem comprar seus discos, a “turma de Minas”
sempre me agradou mais do que a da Bahia ou qualquer outra invencionice
mercadológica pra criar grupos e movimentos. Como amo Genesis e Yes acima de
tudo, não estranha a preferência pelos beatlemaníacos do Clube da Esquina
(embora eu mesmo nunca tenha amado Lennon e Cia.; sou pós-Liverpool).
Logo depois da remasterização do álbum Minas, no Abbey
Road, um aluno de inglês me o emprestou. Conhecedor de canções soltas ou
coletâneas, quase enfartei de emoção; que sofisticação, que coisa mais
progressiva de viver. Não me surpreendeu, porque isso só ocorre quando não
esperamos nada de algo/alguém. Desde 1975 sabia que Nascimento era muso, só não
tinha condições de comprar os álbuns, porque tinha prioridades muito bem
definidas e orçamento apertado. A internet democratizou acesso e hoje conheço
muitos discos do povo do Clube da Esquina.
Tinha minhas assunções sobre essa formação cultural
mineiro-cosmopolita, mas jamais lera estudo até deparar-me com Na esquina do mundo: trocas culturais na
música popular brasileira através da obra do Clube da Esquina (1960-1980),
tese de doutoramento de Luiz Henrique Assis Garcia, defendida em 2007, na UFMG.
Por se tratar de texto acadêmico, o historiador tem que
brecar a História a fim de esmiuçar conceitos e justificar ideias, mediante uso
de teóricos como Raymond Williams, Nestor García-Canclini, Angel Rama e Renato
Ortiz. Mas, isso só torna seu trabalho mais útil, porque fazemos um 2 em 1:
aprendemos ideias sobre cultura e as vemos aplicadas na história recente de
nossa música popular, que em algum momento dos anos 60 teve parte chamada de
MPB e outra porção bem maior, desqualificada de várias maneiras.
O trabalho de Assis Garcia identifica o processo de
internacionalização da música popular com o avanço dos mass media ao redor do globo e identifica os efeitos que isso teve
num Brasil que nos anos 60 estava polarizado em debates calorosos entre o
“nacional” e o “estrangeiro”; o “popular” e o “erudito”; o “engajado” e o
“alienado”. Havia canção de protesto com personagem-pescador, cujo autor sequer
sabia pegar numa vara; havia a galera do Tropicalismo, que começara mansa e
certinha, mas radicalizou usando psicodelia e guitarras como elementos de
choque. Mas, que “enfrentava” o sistema amando aparecer nele o mais possível.
Enquanto isso, na provinciana-cosmopolita Belo
Horizonte, grupo de jovens da classe-média usava todas as referências com as
quais crescera, que ia desde música sacra à psicodelia e as sintetizava num som
que, no começo rotulado de “misterioso”, passaria a ser bússola e compasso da
hibridez de “bom gosto” que caracterizaria o pico comercial da MPB, que duraria
a segunda metade dos 70’s até o advento do “rock” brasileiro dos anos 80.
A tese não é uma história do Clube da Esquina, até
porque a ideia duma confraria é mais conveniente constructo midiático do que
realidade de “movimento”. A galera era amiga, gravava junta, mas cada um na
sua, especialmente Milton, que bombou internacionalmente. Seria interessante
ler algo sobre o lado B disso, ou seja, fricções internas, exclusões (será que
não ficou alguém de fora do compadrio endêmico brasuca?), mas a colocada nos
trilhos que proporciona o trabalho do fã confesso Garcia (não se pode perder
isso de vista) é muito eficiente, eficaz, oportuna e interessante.
E olha que legal:
Na esquina do mundo: trocas culturais na música popular brasileira através da
obra do Clube da Esquina (1960-1980) pode ser lida/baixada gratuitamente,
no site
Adorei! A voz do Milton é uma delícia de ouvir, e as letras são lindas!
ResponderExcluirDescrições muito exatas para essa riqueza musical que é o Clube da Esquina e toda sua turma (incluindo os fantásticos letristas). Heróis da canção, que amamos e reverenciamos! Abraço, Ronaldo Rodrigues
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