sexta-feira, 27 de abril de 2018

PAPIRO VIRTUAL 125


Roberto Rillo Bíscaro

O primeiro contato com Milton Nascimento foi quando o Fantástico apresentou Ponta de Areia, provavelmente em 1975, ano do lançamento do álbum Minas, contêiner da canção. Pode ser truque mnemônico, mas recordo direitinho do narrador explicando que Minas Gerais já tivera saída pro mar, contextualizando a letra e também da belezura do coro infantil e daquela vocalização inicial de Milton, que me extasia até hoje. Se tudo ocorreu assim, tinha então oito anos de idade (mas já era fã(nático) pela gritaria psicodélica de Gal Costa e tinha disco dos Secos & Molhados).
Embora sem comprar seus discos, a “turma de Minas” sempre me agradou mais do que a da Bahia ou qualquer outra invencionice mercadológica pra criar grupos e movimentos. Como amo Genesis e Yes acima de tudo, não estranha a preferência pelos beatlemaníacos do Clube da Esquina (embora eu mesmo nunca tenha amado Lennon e Cia.; sou pós-Liverpool).
Logo depois da remasterização do álbum Minas, no Abbey Road, um aluno de inglês me o emprestou. Conhecedor de canções soltas ou coletâneas, quase enfartei de emoção; que sofisticação, que coisa mais progressiva de viver. Não me surpreendeu, porque isso só ocorre quando não esperamos nada de algo/alguém. Desde 1975 sabia que Nascimento era muso, só não tinha condições de comprar os álbuns, porque tinha prioridades muito bem definidas e orçamento apertado. A internet democratizou acesso e hoje conheço muitos discos do povo do Clube da Esquina.
Tinha minhas assunções sobre essa formação cultural mineiro-cosmopolita, mas jamais lera estudo até deparar-me com Na esquina do mundo: trocas culturais na música popular brasileira através da obra do Clube da Esquina (1960-1980), tese de doutoramento de Luiz Henrique Assis Garcia, defendida em 2007, na UFMG.
Por se tratar de texto acadêmico, o historiador tem que brecar a História a fim de esmiuçar conceitos e justificar ideias, mediante uso de teóricos como Raymond Williams, Nestor García-Canclini, Angel Rama e Renato Ortiz. Mas, isso só torna seu trabalho mais útil, porque fazemos um 2 em 1: aprendemos ideias sobre cultura e as vemos aplicadas na história recente de nossa música popular, que em algum momento dos anos 60 teve parte chamada de MPB e outra porção bem maior, desqualificada de várias maneiras.
O trabalho de Assis Garcia identifica o processo de internacionalização da música popular com o avanço dos mass media ao redor do globo e identifica os efeitos que isso teve num Brasil que nos anos 60 estava polarizado em debates calorosos entre o “nacional” e o “estrangeiro”; o “popular” e o “erudito”; o “engajado” e o “alienado”. Havia canção de protesto com personagem-pescador, cujo autor sequer sabia pegar numa vara; havia a galera do Tropicalismo, que começara mansa e certinha, mas radicalizou usando psicodelia e guitarras como elementos de choque. Mas, que “enfrentava” o sistema amando aparecer nele o mais possível.
Enquanto isso, na provinciana-cosmopolita Belo Horizonte, grupo de jovens da classe-média usava todas as referências com as quais crescera, que ia desde música sacra à psicodelia e as sintetizava num som que, no começo rotulado de “misterioso”, passaria a ser bússola e compasso da hibridez de “bom gosto” que caracterizaria o pico comercial da MPB, que duraria a segunda metade dos 70’s até o advento do “rock” brasileiro dos anos 80. 
A tese não é uma história do Clube da Esquina, até porque a ideia duma confraria é mais conveniente constructo midiático do que realidade de “movimento”. A galera era amiga, gravava junta, mas cada um na sua, especialmente Milton, que bombou internacionalmente. Seria interessante ler algo sobre o lado B disso, ou seja, fricções internas, exclusões (será que não ficou alguém de fora do compadrio endêmico brasuca?), mas a colocada nos trilhos que proporciona o trabalho do fã confesso Garcia (não se pode perder isso de vista) é muito eficiente, eficaz, oportuna e interessante.
E olha que legal: Na esquina do mundo: trocas culturais na música popular brasileira através da obra do Clube da Esquina (1960-1980) pode ser lida/baixada gratuitamente, no site


2 comentários:

  1. Adorei! A voz do Milton é uma delícia de ouvir, e as letras são lindas!

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  2. Descrições muito exatas para essa riqueza musical que é o Clube da Esquina e toda sua turma (incluindo os fantásticos letristas). Heróis da canção, que amamos e reverenciamos! Abraço, Ronaldo Rodrigues

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