Roberto Rillo Bíscaro
Nero e Calígula são personagens históricas infames
devido às crueldades cometidas. Menos conhecido era Cômodo, filho do
imperador-filósofo Marco Aurélio. Pode ser que o pirado imperador tenha
recebido mais destaque no filme Gladiador, onde erroneamente aparece como
assassino de seu pai. Cômodo era sociopatão, mas não chegou a matar o papi, que
morreu em Viena, num acampamento de guerra romano.
Mesmo sem ter parricídio em seu CV, Cômodo gritava por telebiografia,
porque era totalmente paranoico, megalomaníaco e chegou a lutar como gladiador,
função exercida por escravos. Cômodo era tão ególatra que rebatizou Roma e os
meses do ano com seus nomes. Além do mais, seu reinado – no fim do século II da
era cristã – foi marcado por pestilência, desabastecimento de grãos e um grande
incêndio em Roma, que na época possuía milhão de habitantes. Sem contar as
tramoias pra se apoderar do trono; num desses complôs, uma das irmãs de Cômodo
se envolveu diretamente.
A Netflix percebeu o potencial de soap opera do reinado que vários apontam como o começo da queda do
império romano e montou a docussérie Roma: Império de Sangue. Meia dúzia de
capítulos que cruzam o formato de documentário com série, ou melhor, novelão
mesmo, é tudo bem dramático! Atores representam momentos cruciais da vida do
imperador e a ação é interrompida a todo momento com historiadores comentando.
Algo como um Gladiador produzido pela ABC/NBC/CBS encontra o Discovery Channel.
E com narração do machão Sean
Bean (The Frankenstein Chronicles, Game Of Thrones).
Embora assistível Roma: Império de Sangue tem muitos
defeitozinhos. Deixo para historiadores discutirem que o foco no individuo como
centro da História, apague a própria noção de passagem de tempo (rio da
História!) e evite esmiuçar fatos importantes: Cômodo é creditado como
pacificador das tribos germânicas mediante tratado de paz. Isso é citado tão de
passagem e sem comentário que pareceu a coisa mais fácil do mundo,
considerando-se que a Germânia era um bocado de localidades autônomas, não um
Estado. Além disso, um dos argumentos é que Cômodo não era maduro o bastante
pra assumir o trono. Mas, então, como conseguiu acertar um trado que nem seu
experiente pai fora capaz? Dá pra entender esses “esquecimentos”, porque Roma:
Império de Sangue interessa-se pela História como novela, como reality show. Mas, isso é problema dos
historiadores; se não reclamarem, não farei por eles.
Pro blog interessa a discussão do show e este também tem falhas. Embora a seleção dos fatos mais
novelísticos tenha sido priorizada, o ritmo não é ágil quanto o pretendido. É
tanto Cômodo na cama ou enchendo a cara ou olhando pela janela do palácio, que,
se editado, cortaria meio capítulo, no mínimo. Roman Empire: Reign of Blood
poderia ter tido 3, 4 episódios tranquilamente, sem perder nada. Pelo
contrário, ficaria mais no ritmo Gladiator-Revenge que tanto quis alcançar.
Apesar de a voz de Sean Bean ser deliciosa, às vezes me
perguntava porque ter narrador se as informações eram repetidas pelas
personagens ou historiadores
Tirando isso, a docussérie
é legal; mostra muito bem porque era facílimo ficar paranoico nas esferas do
alto poder romano e não mostra Cômodo como demônio apenas cruel. Ele era um
cara que queria mais curtir luta, goró e xota e fez isso por vários anos, até
que percebeu estar cercado por um bando de traíras. Daí, sim, o inferno abriu
as portas.
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