Roberto
Rillo Bíscaro
Em seu livro mais famoso, Leviatã ou Matéria, Palavra e
Poder de um Governo Eclesiástico e Civil (1651), o filósofo inglês Thomas
Hobbes alega serem os humanos egoístas por natureza. Por isso, tenderiam a
guerrear entre si, todos contra todos (Bellum omnia omnes). Para que não
exterminemos uns aos outros, é necessário um governo muito forte, que force a
paz, fazendo o homem abdicar da guerra contra outros homens.
Se você considera esse pensamento deprimente, espere
até ver Leviatã (2014), longa longa-metragem dirigido por Andrey Zvyagintsev,
que, em chave de inexorabilidade trágica, também remete ao bíblico Jó, exemplo
cristão de paciência.
No frio norte russo, o mecânico Kolya está prestes a
perder sua propriedade devido á cupidez do prefeito. Um amigo advogado vem de
Moscou pra defendê-lo, mas sendo o homem o lobo do homem, as coisas não
caminham pra finais felizes. Resenhas sistematicamente apontam a questão da
posse da propriedade e da mafiosidade envolvida em sua compra forçada, mas
Leviatã é um retrato muito maior que isso.
Além da tragédia de Kolya, há uma sócio-política,
porque na Rússia de Putin, Estado e Igreja não só não evitam a guerra de todos
contra todos, mas tomam o lado dos poderosos. Sem poder contar sequer com
amigos ou amantes, resta ao homem se afogar na vodca.
Nesse mundo de natureza aparentemente morta e vasta,
que realça a solidão humana, a baleia bíblica só tem vez como esqueleto na
praia, que também está salpicada por destroços de embarcações. O problema é
apenas o Homem; não há monstro mítico nenhum, apenas nós mesmos.
Curioso é que numa trama passada na contemporaneidade,
com retrato de Putin na parede do prefeito e discreta aparição das Pussy Riots
numa tela de TV, os políticos escolhidos pro tiro ao alvo no piquenique sejam
antigos líderes comunistas. Quando perguntado pela ausência de figuras atuais,
a personagem justifica que ainda não apresentam o distanciamento histórico
necessário pra serem julgadas.
Leviatã, impressionante
exercício de rigor formal e justeza de princípios, seria o que, então?
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