quinta-feira, 19 de abril de 2018

TELONA QUENTE 232


Roberto Rillo Biscaro

Fazia tempo que não rolava dobradinha na seção, né? Então, vamos de filmes chilenos, ligados não apenas pela nacionalidade, mas pela questão da paternidade e por estarem no catálogo da Netflix.
As semelhanças acabam aí, porém, porque um é suspense trash, com cena que dá até pra ver a câmera refletida num quadro, enquanto o segundo é delicado e comovente comentário sobre a vida após a perda dum filho.


Madre (2017) é a contribuição chilena pras narrativas exploitation, que colocam o estrangeiro/imigrante como ameaça à tradicional família. A América Latina sempre exotizada em filmes euronorteamericanos se vinga, colocando as Filipinas nessa posição. Vingança colonial ou briga de comadres colonial?
Diana está grávida e não dá conta de tantos afazeres, além de cuidar do agressivo filho autista, nada parecido com os de séries inclusivas norte-americanas tipo Parenthood e Atypical. Martin parte pra porrada e cospe sopa quente na fuça da mãe.
Num casual encontro no supermercado, a dona-de-casa desesperada conhece Luz, que acalma a fúria de Martin. Contratada como babá e faz-tudo o mais, bem ao estilo latino-americano de relacionamento patroa-empregada, logo Diana começa a suspeitar que está sendo caçada pela friamente submissa filipina, que insiste em conversar com Martin no idioma de sua terra natal.
Madre não é nenhuma obra-prima original, mas tem cheiro de trama de pactos demoníacos da virada dos 60’s até meados dos 70’s. Faltaram grana e roteiro mais azeitado, mas do jeito que tá, dá pra se divertir, e o final é bem do tipo que geraria e-mails de advertência, tipo daqueles que contavam que alguém acordara numa banheira cheia de gelo, mas sem os rins ou fígado ou pleura, quem se importa?

Excomungar-me-ão por colocar Madre ao lado do profundo e sensível La Memoria del Agua (2015), mas as dobradinhas não se propõem a equivaler produções.
Javier e Amanda separadamente lidam com o luto pela morte do filho, até que se encontram após uma nevada, evento favorito do finado Pedro.
O filme consiste das (inter)ações cotidianas das 2 personagens e provavelmente só agradará aos acostumados a roteiros que não se baseiam no efeito dominó do drama. Mas, sabemos que tudo é informado pelo desespero agônico de haver perdido um rebento; segundo muitos, a dor mais devastadora pela qual pode passar um ser humano. Daí que quando Javier dança numa discoteca, a música que ouvimos é triste e não o bate-estaca que motiva seus movimentos. La Memoria del Agua nos chama pra entender o casal e pode ser lancinante, quando a pobre Amanda inadvertidamente tem que começar a fazer tradução simultânea duma conferência, onde uma seção descreve como o corpo reage durante um afogamento.
Elena Anaya e Benjamin Vicuña estão impecáveis, num filme quieto e brutal, no diálogo final entre o ex-casal. O argumento de Amanda é duma dor descomunal, mas faz todo o sentido.

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