Roberto Rillo Bíscaro
Enfadonho o mimimi de gente preguiçosa que não sai do
pior das redes sociais e sintoniza apenas a macromídia mais peba e se lamuria
de que não há mais música boa no Brasil.
Há fartura de projetos e carreiras musicais em tudo
quanto é estilo. Existe grupo baiano de bluegrass, selo independente de noise
eletrônico em Porto Velho, shoegaze em Sampa, stoner no sul, lo-fi em Minas.
Pros apreciadores da MPB mais “tradicional” (o que quer
que isso signifique, mas neste blog é a que soa meio como a produzida nos 70’s
e 80’s iniciais) a oferta também não é escassa; é só querer procurar na rede,
porque ela abunda em sites, inclusive oferecendo muito material grátis.
Trabalho excelente da safra atual é o do compositor e
multi-instrumentista Flávio Tris, que, felizmente, abandonou a advocacia pra se
dedicar em tempo integral à música. Há uma década fazendo trilhas-sonoras e
espetáculos, o paulistano lançou EP independente, em 2011. Cinco faixas
compostas por Tris e executadas por ele, mais Tchelo Nunes, Maurício Maas e
Gianni Dias, participando na guitarra da canção Pra Ver a Voz. As
instrumentações são densas e lindas, com violino, harmônio (espécie de órgão),
acordeão e percuteria.
A hibridez de subgêneros é um dos traços
característicos da sigla MPB, criada lá pelos fins dos anos 60 pra dar conta,
dentre outras coisas, da acelerada fusão de ritmos, estilos e influências na
música popular feita por aqui, a partir da geleia geral tropicalista e da fusão
bem mais subcutânea do pessoal do Clube da Esquina. É a isso que me refiro ao
afirmar que o som de Tris vai agradar em cheio a fãs de MPB setentista: ele
funde estilos diversos, mas sem chegar à contemporaneidade hip-hop ou electro.
E claro que não seria defeito se o fizesse.
Alento Noturno abre só no violão pra se transformar em
tango seresteiro valsificado. Asa de São João inicia com “quando olhei...”,
como sua ancestral Asa Branca. E quem disse que fãs de Belle and Sebastian
também não podem amar a pegada de violão bem semelhante à de If You’re Feeling
Sinister? Escócia do baião! Em Pra Ver a Voz, a guitarra, que em sua maior
parte segue acobertada pelo violão, rebela-se bem no finalzinho, quase
ensaiando um noise básico.
A hipnótica Brisa Boa,
Vento Leste é a única que não aparecerá no primeiro álbum de Flávio, mas o EP
não é obrigatório só por isso. Mesmo as repetidas mais tarde, virão com
arranjos diferentes.
Em 2013, saiu a estreia em álbum homônimo com 9
inéditas, além de 4 já constantes do EP. Nestas últimas, não dá pra dizer que
são melhores ou piores; estão diferentes: Pra Ver a Voz ficou mais djavaneada;
Alento Noturno tem cantar um bocadinho menos enfático e por aí vai. Qualquer
colecionador (e Flávio merece ser colecionado) quererá ter ambas versões.
Nas inéditas, só material
bom, como a faixa de abertura, com seus violões de madrigal e flautas
misteriosas. Selva sassarica maliciosamente num clima jazzy anos 1920. Super Miss Fisher's Murder Mysteries! No bolero
Sejas Tu, o sotaque de classe-média paulistana de Tris encontra o de Tulipa
Ruiz. Este álbum tem uns balanços bons, tipo De Manhã com seu funk jazzificado
e a marchinha final, Tudo, que acaba ligando Tris a seus coetâneos Pitanga em
Pé de Amora. Os “efeitos sonoros” como pássaros cantando e macacos na xotosa
Pandora e o clima épico de música de Festival sessentista suavizar-se-ão
deveras no trabalho seguinte.
Entre 19 e 22 de dezembro, de 2016, Tris gravou Sol
Velho Lua Nova, lançado ano passado e que representou bombástica novidade
silenciosa. Despindo os arranjos ao mínimo necessário, sua poesia por vezes
rosiana e voz quente à Dori Caymmi sobressaem-se em 9 faixas de calma e/ou
mistério. O EP e o álbum primeiro são ótimos, mas faixas como a título, por
exemplo, possuem aura de delicadeza até então inédita em sua carreira.
Não que seja álbum de, mas na pátria da bossa nova,
Tris parece mais ligado a ela nesse trabalho, como mostra a primeira parte de
Quinze Mil Eras, que também serve de exemplo pra dizer que o fato de Sol Velho
Lua Nova ser mais minimalista e centrado na voz e violão, não significa que
seja “música de barzinho”, em seu acepção mais breguinha. Há outra
instrumentação e efeitos sonoros, no caso, chuva em Quinze Mil. O que ocorre é
que o violão toma o centro e em seguida algum outro instrumento o acompanha.
Difícil ouvir o louvor Terra Terra e não catalogá-la
como canção-irmã daquela de Caetano, mas sem ser cópia. Em In Silence, o
cantor-compositor adentra terreno folk
sessentista; soa como se a qualquer segundo a gaita de Bob Dylan vá entrar. As influências afoxentas nordestinas ainda informam
Flávio, como em Okiri ou Uma Canção, mas é tudo mais minimalista; às vezes
primeiramente sinalizado no cantar, antes do que na esparsa instrumentação.
Inacessibilidade para ouvir essa maravilha não é
desculpa, porque a excelente discografia de Flávio Tris sai de graça em seu
site.
E vamos parar de dizer que
a MPB morreu e outras sandices preguiçosas? Procura, que tem!
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