Roberto Rillo Bíscaro
Em entrevista ao Sunday Express, Midge Ure revelou que
o Ultravox provavelmente tenha terminado. Aos 64 anos, ele é o caçula dos
synthpopers e já não há mais clima, tempo e disposição pra tentar “fazer a
América”. O grupo foi especialmente famoso na primeira metade dos anos 80, mas
nunca popular nos EUA, sonho dum monte de artistas de países de língua inglesa.
Condecorado pela rainha; sóbrio há anos; coautor do
clássico Do They Know It’s Christmas, pra ajudar etíopes famintos, Midge não
deveria se sentir inferiorizado por não ter conquistado a bastante impermeável
ianquelândia. Sua carreira-solo também teve apogeu comercial nos 80’s, mas o
músico volta e meia voltava com material.
Ainda com cacife para garantir contrato em gravadora major, dia 1 de dezembro saiu
Orchestrated, pela BMG. Assim como fizeram Echo & the Bunnymen e seu
falecido colega no Visage, Steve Strange, Ure repaginou sucessos solo e com o
Ultravox, em versões orquestrais. Para tentar mais ainda os fãs remanescentes,
o britânico colocou a inédita Ordinary Man na tracklist. Ela é até mais legal que a dispensável Lament, mas
padece da maldição de estar sanduichada entre canções com as quais estamos
familiarizados há décadas, inclusive Lament, daí não tem muita chance.
O Ultravox não fugiu à contradição inerente a muito do
synthpop que ganhou as paradas no início dos anos 80: o instrumental aspirava à
assepsia gelada, mas os vocais eram fogosos e apaixonados. Em Orchestrated,
essa dicotomia não faz mais sentido: é tudo dramático. Hymn e Dancing With
Tears In My Eyes foram desaceleradas e ganharam nova vida: a primeira muito
mais afinada com sua letra fervorosa e a segunda mais atinente à melancolia do
holocausto nuclear de que fala a canção. Não que os originais tenham errado em
ser synthdance; não se trata de dizer
que melhoraram, apenas ficaram diferentes e a partir de agora podemos amá-las
também nessas versões.
Man Of Two Worlds também está mais vagarosa, mas
continua celta: antes a gente cantaria durante imaginária batalha; agora é pra
preparar o espírito no pátio do castelo. Death In The Afternoon quase dobrou de
tamanho, ficou mais grandiosa e cheia de suspense do que o original, sem perder
a pegada dançante em seu miolo. Midge Ure consegue botar fã pra dançar até com
orquestra. Não é mais locomotiva synthpop, mas The Voice e Reap The Wild Wind
ainda mexem quadris.
Qualquer compilação ou releitura ultravoxiana terá seu
centro no hino New Romantic, Vienna. Em 1980, Ure e companheiros já misturaram
orquestração com synths esparsos;
extremidades lentas, com miolo mais animado; Kraftwerk encontrava Strauss.
Vienna impressiona até hoje, é tesouro nacional na Inglaterra e sagrada pra fãs
da banda e dos anos 80, em geral. Ou seja, melhor não desfigurar o sagrado pra
não ser queimado como herege. Respire aliviado quem ainda não ouviu ou sequer
sabia sobre Orchestrated: a macacovelhice de Ure conseguiu a proeza de manter
tudo que Vienna oferece, mas em versão orquestral (com alguma ajudinha
tecnológica, claro, porque ninguém é só acústico).
Se nem o Ultravox foi tão grande em sua terra natal (no
Brasil então...), imagine a carreira-solo de Midge Ure. Mas, é difícil não se
derreter com a doçura apaixonada de Breathe. Quem não sonha em ouvir “breathe some soul in me/breathe your gift of love to me/breathe life to
lay 'fore me/to see to make me breathe”? Além do que, Midge
tá cantando melhor do que no original. Quero ver você resistir ao crescendo de
If I Was e não querer entoar junto.
If I was a soldier
Captive arms I'd lay before her
If I was a sailor
Seven oceans I'd sail to her
If I was a painter
I'd paint a world that couldn't taint her
If I was a leader
On food of love from above I would feed her
If I was a poet
All my love and burning words I would show it
Nossa, muito lindo esse
álbum!
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