Roberto Rillo Bíscaro
Dia 16 de abril, o Brasil perdeu uma de suas sambistas
mais tradicionais e queridas, Dona Ivone Lara. Bem nessa época, lia a
dissertação de mestrado As transformações na música popular brasileira: um processo de branqueamento, que denuncia a
crescente exclusão de músicos afrodescendentes do centro de nossa música
popular.
Não posso dizer que curta Carnaval, sambões, escolas
de, e provavelmente caia no gosto branqueado denunciado pelo trabalho de
Patrícia Crepaldi. Sambinhas “adestrados” com sabor de MPB bem-comportada,
Bossa-Nova e algumas aventuras de nossa música-símbolo nacional pelo exterior,
como Half a Minute, do Matt Bianco, tudo isso ouço sem problemas.
Curioso, resolvi pesquisar o que havia de novo e grátis
nesse mundo e encontrei material interessante e variado. É samba em diversos
registros, que compartilho com os leitores.
Quem curte vozes femininas suaves e melodiosas cantando
bossa nova e sambas de raiz, de roda, canção e variações, deveria conhecer
Andiara Freitas. Nascida no Rio Grande do Norte e atuando pelo Nordeste (mas,
não só), desde fins dos anos 1990, Andiara tem dois álbuns.
Em 2014, saiu Samba da Minha Terra, onde interpreta
compositores de seu estado natal. Em 2016, seu escopo aumentou e isso se
reflete no título: Todos os Sambas. Nesse trabalho, Freitas canta compositores
de várias regiões, além de receber convidados.
Os dois trabalhos estão em seu site:
O samba de Douglas Germano é denso e algo soturno, às vezes. Meio neurótico, com letras até sobre acidentes de trabalho. Decerto, porque o batedor de caixa de fósforo (tem nos álbuns) é nascido, criado e formado na megalopolitana São Paulo, onde a pegada é mais tensa mesmo.
Germano já foi gravado por Elza Soares e indicado ao
Grammy Latino. Individualmente, tem dois álbuns. Orí é de 2009 e tem batidas
João Bosco e Nogueira, influências perceptíveis. Mas, Germano também deve
curtir os afrossambas e outros subgêneros.
Isso fica ainda mais evidente no seu segundo solo,
Golpe de Vista (2016). Tem hora que evoca flamenco, mas o cerne é samba, mais
tenso e nervoso que o do álbum de estreia e temperado com saxofone e trompete,
além da amalucada caixa de fósforo e do cavaquinho febril. A produção às vezes
equivale a um wall of sound de cordas
sambadas.
Em seu site,
além desse dois álbuns-solo, você também baixa de graça o de seu Duo Moviola,
de 2009. Com Kiko Dinucci, Germano soltou um samba bem paulistano, que casou
Adoniran Barbosa com o vanguardismo de Itamar Assunção. Letras bem-humoradas e
sacadas. Quem curtia Premeditando o Breque, gostará.
Em 2016, destaquei com prazer o álbum de estreia d’ATroça Harmônica, que também pode ser baixado grátis no site do grupo.
Ano passado, Chico Limeira lançou álbum-solo homônimo. Seus
sambas de vários estilos e choros veem com discretos elementos de outros
estilos, como guitarra fazendo a vez do bandolim em uma ou outra faixa e órgão
meio psicodélico, meio de inferninho “brega”. Nada gritante que altere ou
“desfigure” o samba, mas Limeira soube bem como traduzir em samba as tantas
influências musicais que rapazes solucionados trazem hoje em dia.
O álbum está disponível aqui para download grátis:
Para os mais aventureiros e vanguardistas, a pedida é o
inquietante Sambas do Absurdo (2017), colaboração entre Rodrigo Campos, Juçara
Marçal e Gui Amabis. 8 faixas chamadas Absurdo, diferenciadas por um número.
Tem hora que o álbum poderia ser descrito como Leila Pinheiro numa bad trip. Só que bad, nesse caso, nada tem a ver com a qualidade da música, letras
ou interpretação, que são excelentes. Bad
no sentido de que em alguns Absurdos, Campos pulveriza o samba e o infesta com
samplers, súbitos barulhos lúgubres, guitarreiros nervosos. Mas, não é barulheira
rock: é MPB avant-garde,
claustrofóbica, às vezes; doce, outras. De longe, meu favorito nessa pesquisa
sambista. Isso não significa que seja o melhor, apenas que como fã de prog
rock, talvez isso me soe mais familiar, só isso.
Sambas do Absurdo pode ser baixado na página de Juçara
Marçal.
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