E A COPA DO MUNDO NÃO É MAIS AQUELA...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Pois é... Somada à loucura do mundo todo –
Donald Trump, Kim Jong-un, Vladmir Putin –
à vertigem dos acontecimentos brasileiros regados a balas perdidas,
greves, descobertas diárias de escândalos, explosões de caixas eletrônicos e níveis
de corrupção inimaginados, tudo junto, me faz perguntar: e a Copa do Mundo?
Onde foram parar a alegria e a TPC (Tensão Pré-Copa)? Não é preciso muito
exercício para notar a consternação que envolve nosso país e que cobre de
tristeza e desapontamento corpos e mentes que deveriam estar eufóricos,
ostentando as berrantes cores do Brasil. Por certo, muitos estão envergonhados
por terem usados a camisa da Seleção em atos políticos vãos, e agora têm pudor
em vesti-las como antes. “Nem se ouve mais cantar canções/ e nos corações
saudades e cinzas/ foi o que restou...” será que Vinicius de Morais errou
trocando o Carnaval pelo Futebol? Onde estão as bandeirolas, as paredes
desenhadas com alusões aos “Campeões do Mundo”. A “Taça do Mundo é nossa!” É? Não
há mais quem possa? “Sou brasileiro/ com muito orgulho”. Sou?
A agonia tomou conta da gente, roubou as
risadas fáceis, furtou a esperança sempre pronta, descoloriu os eufóricos
arroubos e tirou o som do “somos os melhores do mundo”. E vai demorar para
expurgar tanta desgraça. Ai, como dói ver as mudanças das coisas afeitas ao nosso
antes acarinhado “mundo da bola”. Por ironia, no “país do futebol”, dada a ressignificação
simbólica daquela que um dia foi chama de “gorduchinha”, podemos avaliar como
fomos esfalfados de perenes aleluias. E das probabilidades sempre alvissareiras,
também. Sabe, quase chorei quando soube que o nosso Ronaldinho, o protótipo
perfeito do herói problemático, o Fenômeno, aquele por quem tanto vibramos e
sofremos, está prestes a comprar o time do Valladolid, da segunda divisão
espanhola, isso pela bagatela de 30 milhões de euros. Negócio puro, produto de
outra esfera, capitalista. Tudo compõe cifras formidáveis. Isso, aliás me faz
pensar na prática de troca do nome afetivo dos jogadores – onde foram parar os
Didi, Diamante, Cabeção, Feijão, Dinamite, que agora são solenemente
referenciados também pelo sobrenome, já pensando na venda para times
estrangeiros. Imaginemos que se fosse hoje, Pelé seria chamado de Edson Nascimento, Cafu seria Marcos Morais, tudo
na mesma toada dos Zlatan Ibrahimovic, ou do Andrés Iniesta. E nem é para diferenciar como é o
caso do nosso Ronaldinho Gaúcho, Toninho Cereso. Aliás, os diminutivos também
sumiram e assim não temos mais referências como antes – ah! saudade do
Zizinho...
E que dizer das regras que proíbem o festejo
de gols com a torcida? Não se pode mais sair do campo, não senhor e não
senhora, e, saibam que isso não é permitido “por questão de segurança”. Ai de
quem ousar tirar a camisa em campo. Também não pode jogar com a meia abaixada.
É nessa lógica disciplinadora daquilo que de jogo virou “esporte”, e agora “futebol-ciência”.
Sim, o futebol se globalizou em grandíssimo estilo, a ponto de as taças entregues
aos vencedores serem televisionadas em solenidades espetaculares, dois dias
depois da vitória. E as seleções de ternos de grifes, especialmente desenhadas
para embarque e chegada?! Os programas sobre o futebol agora viraram talk shows e são recheados de “outros
quadros”, com “convidados especiais”, complementados por cantores, atrizes,
políticos. Os jogadores transformados em “atletas” são elevados à categoria
trabalhista de “profissionais do esporte” e alguns merecem rótulos como
“atletas diferenciados”, ou “distinguidos no ramo”. Também se reclama do time
ser do fulano de tal como se fosse a “Seleção de Neymar”, ou o “escrete do Tite”.
Sumiu o “esporte das multidões”. Sumiu...
Sentido a proximidade da Copa do Mundo, não há
como evitar desânimo ao constatar que os incentivos são mais midiáticos do que
legitimamente populares. Ninguém mais discute injustiças na convocação e tudo é
definido sem polêmicas. Se a unanimidade é burra, está aí a prova professada
por Nelson Rodrigues. Juro que busco nas ruas sinais de folia, mas quanto mais
procuro, mais noto camisas do Barcelona, do Real Madrid, e, sem protestos, até
da Argentina. Com isso, vejo murmurante os refrãos mágicos da união das nossas torcidas,
tão separadas umas das por rivalidades só explicáveis no ambiente político que
vivemos. Ouvi outro dia, beirando torpor, que corre em redes sociais uma
campanha para que o Brasil perca logo na primeira fase. Fiquei macambúzio
porque, sinceramente, seria a ocasião melhor para ver lados separados por ódios
retumbantes, unidos “na mesma emoção/ um só coração”. Cansei de ver torcida
contra torcida, violência gratuita e furiosas batalhas marcadas pelas redes
sociais. É “pau, é pedra, é fim do caminho”, e com mortos. Por lógico, há uma
trama de negócios monitorando tudo isso: primeiro, proibiram a mistura de
torcidas, depois, as separaram em partes, e por fim há casos, progressivos, de
proibição de uma delas, ou até mesmo das duas.
De toda forma, estamos a poucos dias da
estreia. Sei que na última hora vamos nos dar as mãos e esquecer o cenário
desta Copa das mentiras. E vai ser bom, mesmo que por um instante, juntar
nossas lembranças de outras eras. E por falar nisto, deixe-me procurar minha
velha camisa... Sim, do jeito que estão as coisas não vou comprar o modelo
novo. Nem a grana dá para gastar com sonhos passageiros...
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