sexta-feira, 29 de junho de 2018

METAMORFOSE ALBINA

Como Severino virou Sivuca, o multi-instrumentista consagrado pela sanfona

Em 1945, com apenas 15 anos, ele impressionou o maestro Nelson Ferreira, da Rádio Clube; rápido, conquistou a fama nacional com uma música única

Por: Silvia Bessa
Na família de Severino, tinha lavradores, artesãos que curtiam couro para selar cavalos e uma turma grande de sapateiros. Música não se ouvia, até porque nem eletricidade havia. Por vezes, passava na beira da casa, lá em Itabaiana, na Paraíba, um sanfoneiro itinerante. Foi aí que Severino, um menino albino, viu aos nove anos uma sanfona. Aprendeu rápido. Aos 15 anos, veio ao Recife, meca de artistas em meados da década de 1940, destinado a bater à porta da Rádio Clube, a pioneira, sintonizada com o prefixo PRA-8. “Quero falar com seu PRA-8”, disse. Ainda era Severino.

“Eu fui lá numa quarta-feira. Na frente da rádio, havia uma salinha com um balcão e uma mesa de telefone com a telefonista que recebia recado. Era uma senhora meio gordinha, dona Eliodeth. Ela estava brincando com um gatinho. Pensei que ela fosse a dona do rádio porque no interior tem aquelas quitandas, bodegas com senhoras que ficavam na porta, esperando as pessoas pra comprar e geralmente fazendo crochê, brincando com gato. Eu cheguei e disse: “A senhora é a dona do rádio?”. Não era. Dona Eliodeth o encaminhou para a autoridade responsável: “Isso é com seu Nelson”. Severino queria tocar no show de calouros. 

Seu Nelson era o maestro Nelson Ferreira - diretor musical da Rádio Clube, compositor, pianista, violinista e regente pernambucano respeitadíssimo, que logo propôs a Severino: “Quer tocar uma coisinha para mim?”. O rapazote estava com a sanfona debaixo do braço e começou um frevo chamado Mexe com tudo, de Levinho Ferreira.

O maestro ficou impressionado com a habilidade do jovem albino. “Ô, Antônio Maria!” - disse, referindo-se ao jornalista, compositor e grande cronista brasileiro - “vem ouvir uma coisa. Venha ver esse menino que chegou de Itabaiana”. 

Severino ganhou muito mais que uma vaga no show de calouros. Depois que tocou Tico-tico no fubá a mil por hora, conquistou um programa inteirinho no dia seguinte. Quem fez a narrativa foi o próprio rapaz, mais de cinquenta anos depois, em entrevista concedida ao site http://gafieiras.com.br. 

A incumbência de escrever o programa ficou com Antônio Maria. Nesse tempo, fazia-se três músicas e se tocava ao vivo, dentro de um quarto de hora, conta Severino no longo depoimento. Foi aí que Severino, em 1945, trocaria um nome próprio por apelido curto. “Seu nome, rapaz?”, perguntaram-lhe. Ele respondeu: Severino Dias de Oliveira. “Nelson Ferreira chegou junto a mim e disse: ‘Nós temos aqui um problema que precisamos resolver. O seu nome é nome de firma comercial de interior. Vamos simplificar. Que tal Sivuca?’ Eu disse: ‘Está bom, maestro, está bom’. A partir desse momento, eu passei a ser chamado de Sivuca”.

Uma semana depois, estreou na Festa da Mocidade, em Recife. “Aguardem, Sivuca!” , anunciava o locutor. “Mas eu havia esquecido que nome ele tinha me dado”.

Sivuca é um nome na história da música brasileira. Multi-instrumentista, ficou consagrado no mercado internacional pela habilidade única com o acordeon, que ele explicou ser a sanfona, apenas afrancesada. A sanfona, instrumento que ganha vida nas festas juninas no Nordeste.

Severino morreu em 2006, aos 76 anos, sendo Sivuca, como quis Nelson Ferreira e como propagou a Rádio Clube, emissora que o lançou para a fama.

Um comentário:

  1. Excelente história, Sivuca é um mestre para a eternidade.

    Entretanto, Itabaiana, cidade citada, é no Sergipe.

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