Roberto Rillo Bíscaro
Olha só os ingredientes prum desastre anunciado, mas
divertido de doer: nos anos 60, durante a administração do superestimado John
Kennedy, os EUA tiveram a brilhante ideia de criar nave gigantesca que
levantasse voo mediante explosão de diversas bombas nucleares. Era o Projeto
Orion, que tencionava enviar – em sua versão mais ambiciosa – uma espécie de
arca interestelar pra salvar a espécie humana em caso de holocausto nuclear,
que ela mesmo ajudaria a criar sendo propelida por maciças explosões atômicas!
Com computadores menos potentes que smartphones, os
caras sonharam com espaçonave gigantesca e autossustentável, que vagaria por
gerações até encontrar planeta habitável. Em 1963, Kennedy botou fim a essa loucura
e foi fazer coisa mais sana, como intensificar as agressões contra o Vietnã.
Agora, imagine uma emissora de ficção-científica como o
SyFy Channel – aquela dos Sharknados; sacou quanta credibilidade científica? – exibindo
série que reimagina o mundo como se o Orion fora levado a cabo e em 1963, 600
indivíduos tivessem embarcado numa nave-cidade em viagem de 100 anos até
planeta orbitando Proxima Centauri, a fim de colonizá-lo. Essa é a premissa dos
6 capítulos de Ascension (2014), disponíveis na Netflix.
Sendo da SyFy e tocando Rocket Man, sucesso setentista
de Elton John, na festa de lançamento da nave, quando a carreira do astro
britânico ainda nem existia, meio que já previ que seria colossal besteirol. E
foi mesmo! Tudo começa com o assassinato da jovem Lorelei e a designação dum
investigador pra apurar o primeiro assassinato em Ascension, desde seu
lançamento meio século antes. Aos poucos, descobrimos que há brutal divisão de
classes na nave: a galera dos decks
inferiores trabalha e convive com porcos e vacas, ao passo que os privilegiados
dos superiores vivem num mundo de intrigas e lutas pelo poder, que envolvem
sexo, tudo com visual início dos 60’s. Daí aparece garotinha com poderes
sobrenaturais e começamos a ver o que parece ser o fantasma de Lorelei. Ah, mas
antes disso tem super-revelação tchan, tchan, tchan, tchan, que injeta tom de
teoria da conspiração e diabolismo governamental na trama.
Ascension atira pra diversos lados e erra todos os
alvos, porque nada é suficientemente desenvolvido ou explicado. Que tenha
fracassado crítica e publicamente determinou a brevidade dos 6 episódios, que
oferecem alguma resolução no final, mas não tudo. É que não tem nada muito pra
resolver, porque tava tudo diluído, sacumé?
Mediante o exposto, leitores devem achar que detestei
Ascension. Acha? Vi com deleite; tipo, não amei, mas curti os anacronismos, o
roteiro idiótico (alguém diz: como vou falar pra mãe dela que Lorelei está
morta? Na cena seguinte, o comandante anuncia a tragédia pelo sistema de som na
nave; ótima maneira de receber a notícia da morte de sua filha. Como não amar
isso?) e a tentativa de fazer show pretendido tão esperto quanto o Projeto
Orion, mas tão b(o)ab(o)aca quanto. A tal plot
twist é realmente beeem legal, mas acontece cedo demais.
Ascension devia se chamar
Descension. Mas,
divertiu.
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