Roberto Rillo Bíscaro
Claro que ela lucra, mas que bom que Angelina Jolie
continue produzindo filmes de países menos centrais, como o etíope Difret, e
incentivando projetos que abordem temas como empoderamento e opressão
femininas.
A Netflix incorporou a animação A Ganha-Pão (2017) a
seu catálogo, coprodução Irlanda/Canadá/Luxemburgo, da qual a ex-Sra. Pitt é
uma das produtoras-executivas. The Breadwinner é totalmente girrrrrl power: baseado num best-seller de Deborah Ellis;
roteirizado pela própria e Anita Doron e dirigido por Nora Twomey.
Desta feita, a norte-americana Jolie financiou denúncia
contra a torpeza machista Talibã, que seu país de origem ajudou a criar, quando
injetou grana nos fundamentalistas que lutavam contra a invasão soviética no
Afeganistão em 1978. Capitalistas, comunistas, cristãos, muçulmanos, os
próprios afegãos; todo mundo ajudou a destroçar o pobre país asiático.
Exaurido pela guerra e oprimido pelo Talibã, cada um se
vira como pode na capital Cabul. Mas, se você for mulher é praticamente
impossível sobreviver, se não tiver homem pra chamar de seu. Além de não
poderem estudar ou expor o rosto em público, elas sequer podem sair de casa
desacompanhadas. Nem pra comprar remédio. Nem pra adquirir comida. Nem que não
tenham marido ou filho, porque morreram na guerra. Ilógico; mas quem disse que
torpeza tem lógica? Pra se certificar de que a “decência” seja mantida,
prepotentes jovens talibãs circulam de metralhadora em punho, abusando
autoridade pros que são menos que eles.
A menina Parvana vive nesse inferno com seu pai, mãe e
irmãos. Seu pai era professor e perdera perna no conflito contra os soviéticos,
por isso se viu na condição de vender sobras do que possuía em casa, nas ruas.
Discordante do fundamentalismo Taliban, ensinou a filha a ler e a valorizar o
poder de contar histórias. Essa dissidência atrai ódio de ex-aluno Talibã, que
o denuncia. Quando o pai é preso, Parvana se vê impedida até de conseguir
comida, então, faz o que tem a seu alcance: corta os cabelos e se disfarça de
menino pra ganhar a vida e tentar libertar seu pai.
A Ganha-Pão funciona em vários níveis, porque paralela
à história “mundana” de Parvana, há um mito por ela contado aos poucos, à Mil e
Uma Noites. No final explosivo, mas modesto – Parvana não tem poder para mudar
o sistema, como mentem produções ianques – as duas histórias se unem e
complementam.
A animação é deslumbrante; luxuosa em detalhes, que vão
do colorido das roupas em Cabul, à paisagem desoladora, mas fascinante, dum
cemitério de tanques de guerra e campos minados. Tudo embalado pela excitante
trilha-sonora de Mychael e Jeff Danna, que mistura sons “árabes”, com alguma
coisa mais ocidentalizada num resultado que dá vontade de adquirir a banda
sonora por si só.
Por mais inspiradora que seja a história de resiliência
e superação de Parvana, não se deve perder de vista que se trata duma história
mais aterrorizante e triste do que qualquer filme de horror poderia imaginar.
A Ganha-Pão é sobre
infâncias roubadas, brutalizadas, onde crianças têm que tomar cuidado com
“brinquedos” encontrados na rua, porque podem ser bombas letais. Quando se
escuta o espectro do irmão de Parvana dizendo isso em tom de verso mítico,
difícil não vir um nó à garganta. Depois, quando uma criança assim vira Talibã,
pergunta-se por quê.
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