Roberto Rillo Bíscaro
Amora Pêra é filha de Gonzaguinha e da Frenética Sandra
Pêra. Longe crer que talento seja geneticamente transmitido, mas ser neta do
Rei do Baião e sobrinha de uma das atrizes mais respeitadas de sua geração
proporcionou ambiente favorável pra que a moça tivesse acesso a manifestações
culturais e desenvolvesse inclinações artísticas.
Integrante do trio Chicas, desde 1996, ano passado
plantou carreira-solo com o álbum A Dúpé — Nós agradecemos em Iorubá. Em entrevista de 2011, Amora disse que seu nome frutal jamais lhe
constrangeu. O máximo que acontecia eram chamarem-na de salada de fruta.
No país extremamente segregacionista, mas que adora
projetar imagem de democracia cordial, A Dúpé utopicamente metaforiza a salada
de frutas que gostaríamos que fosse a nação, onde um sabor completasse o outro
e não houvesse um que sobrepujasse os demais. Xangô come Afrodite nesse
universo sônico texturalmente rico de psicoodelia ioruba.
São 14 faixas, onde spoken
word é embalada por canto de cigarra (Amandla Is Nie Dood Nie) e poesia
cercada por canto ritual indígena (Iláborigenis). Mas, não é só falação, há
muita música boa e densa em A Dúpé.
A abertura Peço e Posso sintetiza o todo: abre etérea,
mas logo vem batuque afro coexistindo com distorcidas guitarras de ácida
psicodelia, que informa também o final de De Quem Vai. Por mais ioruba que essa
superplugada (diria Tulipa Ruiz) geração urbanita se pretenda, a influência do
Tio Sam é tentacular, daí o bilinguismo do indie
rock Newsome e as letras em inglês na apenas vocálica e meio spiritual When I Die e no blues alternativo de Belong.
Fãs de MPB com letras de perscrutação emocional e
interpretação dramática à “Atrás da Porta”, delirarão com a belezura de Quem
Encorajaria. Tá Na Cara é meio Marisa Monte anos 90, embalada por atabaques. Vê
Lá Nunca Mais dá show de violão flamenco e Canto Cigano de Uma Noite já traz
sua marca de nascimento no título. Mas, nada nunca é tão simples em É Dúpé.
Esses estilos estão mixados com outros. Playground parece caixinha de música
lúdica pra criança, mas começa a experimentar, assim como o coro afro do
lamento Lágrimas do Sul não é bem-comportado e subserviente. Ouça focando nas
vozes ao fundo e veja como se rebelam em relação à principal. Ficou mais
orgânica do que a original do algo ligado-no-piloto-automático álbum de Milton
Nascimento, de 1985, de onde foi extraída.
Melada com a forte voz de
Amora Pêra, que tem hora parece cantar sorrindo, essa salada de frutas é
colorida e suculenta.
Que beleza ler essas palavras sobre ADÚPÉ nós agradecemos em Ioruba; um trabalho que toda vez que me silencio para escutar,(pois nao consigo de outra maneira) lágrimas e arrepios me percorrem.
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