AMIGO É COISA PRA SE GUARDAR DEBAIXO DE SETE CHAVES
(e nas redes sociais)...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Componho algumas listas nas redes sociais da internet. Não sou fanático, mas de vez em quando, no máximo uma vez por dia, dou uma passeada por lá. Visito o Facebook (FB) rapidamente, mas quase nunca posto ou comento alguma coisa. O mesmo se repete com outros aplicativos, em particular com aqueles alimentados por fotos. Não tenho nada contra, mas pessoalmente acho meio sem sentido esta história de selfies, de gente sempre sorrindo, se mostrando, dizendo “olhe onde estou”, “veja com quem estou”... Como muitos, porém, ando interessado nessas formas de comunicação, e não me furto pensar no impacto que isso exerce sobre maneiras diretas e indiretas de conhecimento interpessoal. Sob esta alínea, uma das minhas mais inquietantes questões remete ao fato da celebração irremediável das velhas amizades. Reparam como há pessoas eternizando os “anos que não voltam mais”? Sei que isso é velho e que desde os tempos de Cassimiro de Abreu repetimos “aí que saudade que tenho, da aurora da minha vida”, mas a configuração contemporânea é outra, instantânea.
Em pelo menos três grupos de que participo, não passa um dia em que alguém não poste algo filtrado por música, poema, oração, mensagens com florezinhas, corações, tudo em laudatórios vivas à amizade perene, imbatível, solidada na saborosa ilusão no tempo da memória. É lógico que gosto disso, mas fico pensando nos motores que acionam tais apelos. Uma de minhas listas é de parceiros da infância e juventude; crescemos mais ou menos juntos no interior e, muitos de nós, depois de anos sem nos ver, reencontramo-nos no plano virtual. Outra lista é enlaçada por colegas do ginásio feito em colégio interno; nos reintegramos e assim se trocam notícias de carreiras, casamentos (velhos e novos), atividades dos filhos, viagens, tudo saudando “aqueles bons tempos”. Uma terceira ordem é de primos coetâneos, esta, aliás, remete mais a informações sobre saúde, aniversários e subsídios parentais, mas sempre amalgamando alegrias de ontens. Cá e lá “entro” em redes atuais: associação profissional, ex-alunos, vizinhos, professores aposentados, mas afora esses casos, a tal amizade sincera, aquela que se guarda debaixo de sete chaves, é o ponto centrífugo e de referência.
Confesso que tenho me dedicado a entender o papel mediador das máquinas nas relações pós-modernas. Vivo enfeitiçado pelos atalhos éticos que promovem diálogos em tantos casos, e brigas insondáveis em outros. Tudo sempre sob o denominador comum das amizades que não se desmancham. Foi com esta preocupação que busquei um livro que não leria fora do radar de entendimento desse que é um dos maiores fenômenos de comportamento contemporâneo, as redes sociais. Marla Paul é uma estudiosa de relações públicas, vinculada a Northwestern Univesity, e para escrever “The friendship Crisis: finding, making and keeping friends when you are not a kid anymore”, partiu de um princípio intrigante: não se faz amizades profundas depois dos 30 anos. E por mais de 250 páginas, plenificadas de exemplos, a autora declina razões que vão deste o fato de, adultos, não mais termos disponibilidade, e nem capacidade espontânea de doação, e assim vai até os compromissos inerentes às responsabilidades como: pagar contas, gerenciar negócios, administrar diferenças de relacionamentos familiares, educar filhos, cuidar da própria saúde, ou mesmo de se divertir de maneira compensatória. Nossa, é um rosário convincente de alegações que complicam nossos modos de vida. De certa forma, ainda que a autora propale fórmulas de superação desses entraves inerentes à idade, fica mais ou menos decretado que não temos mais tempo para “falar abobrinha”, “jogar conversa fora” ou, o que é pior “esquecer desavenças”. E por aí escorrem os papos livres de regras, as conversas em botequins, a “contação” de piadas, as provocações politicamente incorretas. Sem tempo para o cinema, também não exercitamos mais a cervejinha amiga, a pizza com conversa solta, andar por aí sem saber onde chegar. Pelo reverso, no máximo, resta a companhia de colegas de academia, parceiros de transportes públicos, frequentadores de mesmas atividades sociais. Terrível, não?!...
A complicar ainda mais a trama das desilusões etárias, tornamo-nos saudosistas crônicos e não poupamos esforços para comemorar o passado, seja ele o que tenha sido. Tudo que foi virou “bom” e pronto... Na verdade, diz Paul, o que cultuamos é a ressignificação do que fomos, esquecendo-nos de que naquele tempo tínhamos também dificuldades e muitas vezes não estávamos tão felizes como imaginamos hoje. A solda mais eficiente da celebração amistosa, porém, diz respeito aos marcadores de nossa própria história. Amigos de infância, estiveram presentes em nossas passagens mais significativas, escolas, competições esportivas, primeiros namoros.
A dura realidade é que crescemos. Tornamo-nos gente grande e agora não temos mais a espontaneidade das possibilidades de ajustes, de aceitação e de tempo. A racionalidade tornou-se bússola e nos resta obedecer a lógicas que ancoram acertos, não permitem deslizes, erros. É bom que restem as velhas amizades que, afinal, funcionam como essência do que fomos, ou pelo menos como prova de que éramos felizes e hoje sabemos.
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