PELA REVISÃO DA LEI DA ANISTIA.
José Carlos Sebe Bom Meihy
As recentes denúncias de que houve corrupção no
governo militar brasileiro (1964 – 1985) trouxeram de volta um tema que deve
dilatar debates. Na verdade, não se tratava de nenhuma grande revelação, pois grande
parte da população menos ingênua sabia á sobejo. Talvez, o impacto recente da
“novidade” tenha sido mais flamejado devido o destaque veiculado pela mídia em
geral que, aliás, tem insistido no tema. Nessa linha, por exemplo, a camaleoa
Rede Globo de Televisão, de maneira latente, tem noticiado agravantes, em todos
os seus horários mais concorridos. Por lógico, o referendo da poderosa Central
Intelligence Agency (CIA) dos Estados Unidos, lastreou a discussão, até então
sempre interdita, quando não silenciada. Permitida pela legislação
norte-americana que autoriza a publicidade de documentos confidenciais, 50 anos
depois, a notícia liberou a chave que abre cravelhas de onde o mau cheiro de
memórias enterradas voltam a intoxicar o já poluído ambiente político
brasileiro. Em cena, portanto, convocam-se personagens que um dia foram aproximados
de salvadores da pátria corrompida e ameaçada por ideologias que não as suas.
Alinhada à corrupção, outras feridas foram abertas, deixando expostos vestígios
refinados de torturas, mortes, desaparecimentos, violência sexual.
Protegidos por processos censores eficientes, e pela
mitificação de um período de trevas, frente ao inevitável aparecimento de
“novas provas”, coloca-se em questão a integridade dos ditadores e asseclas,
soldados sempre protegidos pelo controle da opinião pública. A farsa vem caindo
dia a dia, e raspa-se o verniz dos pretensos guardiões incontestáveis da
honestidade, da moral cidadã. Os interessados em saber sobre tal divulgação podem
encontrar aparo na edição do jornal O Globo do dia 04/06/2018, ou mesmo pelo
site http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/06/para-eua-havia-corrupcao-na-ditadura-brasileira-diz-texto-da-cia.html. Com
manifestação explícita do historiador Carlos Fico se esclarece que “Durante a ditadura
militar, houve muita corrupção, mas não havia visibilidade da corrupção, por
conta da censura política. Então, muita gente tem a imagem de que naquela época
não havia corrupção, mas isso é uma ingenuidade completa”. Frente a isso,
laconicamente, sem forças para se justificar, o escândalo que macula os ideais
das Forças Armadas, o atual Ministério da Defesa afirmou que “os telegramas revelados (pela CIA) são
conhecidos pelo governo desde 2015 e que não há nenhum novo posicionamento a
ser feito”. Finalmente, junto ao bom senso em admitir seus crimes,
ratifica-se uma verdade reveladora “não
há nenhum posicionamento a ser feito”. É exatamente apoiado nessa admissão
que se pode perguntar: não mesmo? Do lado da sociedade civil, não deveríamos
incentivar a mudança de postura e rever tais ações, pactos de anistia? Tendo
derrubado um governo eleito pelo povo, Goulart, teriam os militares direito de
não prestar contas públicas por atos feitos em nome da ordem e do progresso? Mas
as coisas não param por aí...
Em meio a muitas outras denúncias,
todas filtradas por documentos inquestionáveis, uns mais alarmantes que outros,
todos de fácil acesso na internet, permite-se saudar a democracia como espaço
aberto para discussões que fortaleçam as opiniões. É nesse bojo que se
valorizam as retomadas sobre tratos perpetradas pelos militares e seus asseclas
contra os opositores sempre colocados como suspeitos. Torturas requintadas, a
“casa da morte”, a violação de mulheres, os desaparecimentos, tudo apurado, não
seria matéria de reexame? Não seria saudável para a saúde nacional reconhecer
publicamente os agentes hoje identificados? Vejam que há relação detalhada das
responsabilidades de cada um... Segundo a Comissão Nacional da Verdade, aliás, são indicados
todos os 377 nomes dos agentes do Estado que, de acordo com a categoria de
atuação, são referenciados. Esta farta variedade de detalhes pode ser
facilmente acessada no https://jornalggn.com.br/noticia/a-tortura-e-os-mortos-na-ditadura-militar. Mas não se para por
aí. Os tribunais internacionais atentos ao zelo dos Direitos Humanos são claros
em dizer que os crimes feitos contra a humanidade, jamais prescrevem. Um caso
em especial tem merecido reconsideração. Os documentos da CIA são claros ao
retomar o assassinato da mais expoente vítima dos maus-tratos impingidos pelos
porões da ditadura, Vladmir Herzog. A Corte Interamericana de Direitos humanos,
publicamente, condenou o Brasil pelo inominável assassinato do jornalista, em
outubro de 1975 e, agora, sua família pede reenquadramento. Sobre o assunto,
com zelo e cuidado sugere-se que se leia: https://oglobo.globo.com/brasil/corte-interamericana-de-direitos-humanos-condena-brasil-por-assassinato-de-vladimir-herzog-22851806
Por certo, os documentos da
CIA são mais insistentes nos casos do final da longa noite de 21 anos, pela
qual nossos pesadelos foram testados. Há, contudo algumas inquietações que
clamam por respostas, além das tais revelações “novidadeiras”. Dentre tantas, cabem
duas questões que não podem mais ser caladas: 1- como conseguiram os militares
permanecer acobertados por anos, sem que suas torpezas fossem publicamente
admitidas? 2- o que fazer agora que sabemos o suficiente para a retomada da
questão? O primeiro caso é simples e de fácil enunciado: o golpe não sanou a
crônica prática de corrupção, típica de democracias em construção, alicerçadas
em estruturas patriarcais, patrimoniais, colonizadas e de rala participação
popular. Por lógico o pacto de silêncio conciliou a vocação libertária, latente
no povo brasileiro, com a cumplicidade do regime que se viu esgotado em mandos
e desmandos. A segunda questão, porém, é bem mais complexa, porque mexe em
revisões valentes de países vizinhos e que passaram pelos mesmos processos, O
Chile, a Argentina e o Uruguai tiveram coragem de enfrentar a própria realidade
e se propuseram, à luz de informações indubitáveis, sem medo de feridas
reabertas, rever seu passado ditatorial, cruel e ineficiente, e condenar os
mandatários por crimes contra a humanidade. Em nosso caso, pervivendo a
clássica matriz que reza que no Brasil reina a tradição do impasse que, a cada
problema grave, sugere o clássico deixa disso, e em nome de um pacto surdo e discutível
remontamos o que João Alexandre chamou de “tradição do impasse”. Entre o que se
considera estabelecido e as novas posturas, despontam desafios que convidam a
revisão da Lei da Anistia: teremos fôlego para tanto? Ou é melhor deixar como
está para ver como fica, mais uma vez?
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