domingo, 29 de julho de 2018

“SUPERANDO” O ESTUPRO


Roberto Rillo Bíscaro

As aspas no título expressam meu desconforto em – como homem – sugerir que uma mulher possa superar ato tão vil quanto abuso sexual. Dados estarrecedores indicam que a violência contra a mulher é alta em qualquer classe social e mesmo em países onde a igualdade de gênero é política pública, a violência contra elas não necessariamente diminui.
Pensamos mais na violência sexual, aquela envolvendo escoriações e penetração, mas mulheres convivem diariamente com práticas insidiosas: apalpadas, assovios, encoxadas em vagões lotados, cantadas, gracejos inconvenientes. É a preocupação de evitar passar por certos locais com uma roupa mais curta ou ser culpabilizada por algum avanço de qualquer espécie, simplesmente por se ter sido gentil. Uma pressão com a qual nós homens podemos até empatizar, mas duvido que entender em sua amedrontadora plenitude, por sermos educados para exercer o papel de donos do mundo.
Tudo isso vem à mente com a leitura do conciso Nunca Mais Olhei Para Trás, livro de estreia da escritora penapolense Carol Freitas, lançado de forma independente há algumas semanas.
A narrativa em forma de diário simples e direto, fala do drama de uma adolescente estuprada pelo padrasto e que depois sofre arrasadora perda familiar. Seus capítulos curtos e breves setenta e poucas páginas mostram como Maria Luísa encontrou forças para lidar com os traumas, através da espiritualidade, ajuda profissional e construção de carinhosa e protetiva rede de apoio fraterno.
Pode-se argumentar, que, como para compensar Maria Luísa pelo opróbrio, a narrativa faz com que tudo dê muito certo depois e ela só encontre gente disposta a entender o que passou. Mas, isso é secundário nessa obra, onde sobressalta a capacidade de se comunicar com o emocional do leitor.
Historiadora e advogada por formação, Freitas está mais preocupada com denúncia social que esclareça e inicie reflexões, do que com firulas linguísticas. Nesse sentido, atinge em cheio toda uma geração acostumada à linguagem mais direta da TV e da internet. Carol sabe construir suspense e dar indícios do que sucederá, especialmente na parte mais emocionalmente pesada, para depois mostrar como é possível uma recuperação e até o uso da experiência devastadora como motivo para ajudar os outros.
Por ser publicação própria, Nunca Olhei Para Trás só pode ser comprado diretamente nas livrarias de Penápolis, mas aos interessados de fora, deixo a página do Facebook, criada para a obra. Quem sabe você não faz negócio com a doce Carol?


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