Roberto Rillo Bíscaro
Todo governo tem um segredo, o do espanhol é o
ministério do tempo. O país possui centenas de portas que conduzem ao passado,
todas concentradas no enorme prédio da repartição. Essa é a premissa dos 34
capítulos divididos em 3 temporadas, de El Ministério del Tiempo (2015-17),
produção da TVE, com participação da Netflix em sua temporada final, o que
garantiu sua disponibilidade nos catálogos mundiais do serviço de streaming.
A função do ministério é preservar a história
espanhola. Qualquer alteração no passado que possa modificar o presente é
corrigida pelos agentes intertemporais da organização. Pode-se e deve-se viajar
ao passado pra evitar que Cervantes se dedique só ao teatro e deixe de escrever
o Quixote, por exemplo. Mas não se pode salvar a mucama da morte, porque isso
pode alterar a História. Vai que se ela não morrer, acabe por assassinar um
tetratetratetravô dalgum importante de Espanha, que então não nasceria. Embora
isso seja aceito como ponto pacífico, diversas personagens ao longo das
temporadas rebelam-se contra o favoritismo dado aos grandes da História,
enquanto os comuns ganham apenas a lei.
A série é dinâmica, as personagens muito simpáticas, a
produção caprichada e a trama vai se complicando. Portas desconhecidas pelo
Ministério são reveladas, usadas por inimigos, insurretos e até uma agência de
turismo temporal ianque. Geralmente, enquanto os agentes Amelia, Alonso e
Julian estão em algum lugar do passado, o corpo administrativo do Ministério
tem que lidar com algum (enorme) problema ou perigo também. Além disso, as vidas pessoais dos agentes
principais interferem, porque querem salvar entes queridos ou alterar destinos
de gente que lhes caiu bem durante as missões.
O roteiro não se esquece de explicitar a dor e agonia
que inevitavelmente surgem de se bulir com a cadeia temporal. Aquela pessoa
ultragracinha que você conheceu na última viagem a 1843 hoje não é nem mais pó
e ninguém sabe que existiu. E isso dói. Entretanto, El Ministério del Tiempo
não afunda em melancolia. Pelo contrário, é cheia de humor, seja pelo choque
cultural de gente se enfrentando com épocas de costumes e tecnologias tão
distintas, seja mesmo pelas atitudes e histórias. Um capítulo em que Cristovão
Colombo cai nas lábias de um argentino é impagável. E Velasquez – o pintor, sim
– trabalhando como desenhista do ministério, ególatra e egocêntrico? Amo. Mas
tem drama, também. De vez em quando, eu marejava...
Não é necessário conhecer história espanhola pra
entender as histórias, mas professores da área poderiam muito bem usá-la como
trampolim pra pesquisas. El Ministério del Tiempo tem pleno potencial pra unir
utilidades e agradabilidades.
Viciante em suas duas primeiras temporadas, o ritmo cai
na que será provavelmente a última, a não ser que a Netflix intervenha, mas parece
improvável. Personagens queridos saem, algumas tramas do miolo da temporada são
arrastadas e, claro, a fórmula já tinha dado.
La Casa de Papel parece que foi sucesso algo
inesperado. Bem que a deliciosa El Ministério del Tiempo podia ser também. Daí,
quem sabe a netflix não pensaria em lançar mais séries espanholas pra nós? Crematorium, El Barco, El Internado, ai que vontade de ver tudo isso!
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