Deve ser sonho de muito músico ter a foto de seu CD
segurada por Chico Buarque de Holanda, que ao mesmo tempo o recomenda em seu
Istagram. O álbum Cabaça D’Água (2017) conseguiu tal distinção e deve ter
enchido Alberto Salgado de merecido orgulho. Reconhecimento dos pares sempre
envaidece, ainda mais quando vem dum monstro sagrado.
Há quase duas décadas na cena, Salgado começou na sua
nativa Brasília e seu contato inicial com o mundo da música deu-se através da
capoeira, daí o berimbau ser tempero frequente de sua modalidade de MPB. Multi-instrumentista,
Salgado é músico, intérprete, compositor, arranjador e professor de violão.
Cabaça D’Água é seu segundo álbum e ao ouvi-lo entende-se
a recomendação baurquiana: ótima instrumentação casada com letras inteligentes
e poéticas. No tenso baião de Ói, onde as cordas são plena ansiedade, a letra
recorre ao popular zóio e ói, corruptela de olha, pra logo depois usar o
pronome correto na construção “pra eu viver”, conforme dita a norma culta. Poesia
boa, que não descarta o popular, mas não precisa ser funcionalmente analfabeta
pra isso. A latinidad de Oferenda tem
até aquela predileção por proparoxítonas, como o Chico, de Construção. E o
arretado xaxado de Pele Debaixo da Unha, expele um puta que pariu. Palavrões são palavras,
porque não usá-los em letras de boa MPB? Quem não solta nome feio quando caceta
dedo do pé?
Cabaça D’Água não pretende passar sequinho pelo avesso
pelo qual passa a nação. Na abertura afro, Da Jangada em Pleno Mar, o poeta
canta que seu peito está como jangada em pleno mar, a mercê de ondas colossais,
em meio às injustiças sociais. A solução é povoar o mundo de poesia. Inocente –
criminosos nazistas gostavam de Goethe também – mas bonito. Utopia reinventada,
como pede a letra.
A faixa-título é bem mais direta e muito sincrética. A
letra é referência à tragédia ambiental de Mariana (alguém já foi punido?),
inclusive com clipe sonoro de notícia de telejornal, numa faixa em que o
berimbau convive com climão lúgubre de triphop.
Ainda há espaço pro afrojazz djavanesco Histórias do
Vento; pra toada-oração campesina de Ave de Mim e pra fofura twee de Força da Fé. Delícia como essa nova geração
sempre incorpora alguma coisa indie
pop pra estalar dedidnhos, em seus álbuns. Força da Fé tem voz de moça, assobio
e rabeca, violoncelo ou algo parecido. Pra ouvir batendo palma ou de
maria-chiquinha.
Unindo tradição musical e
poética com laivos de modernidade, Alberto Salgado mereceu os prêmios que
ganhou com o álbum.
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