quinta-feira, 9 de agosto de 2018

TELONA QUENTE 248

Roberto Rillo Bíscaro

Quem passou pelos anos 80, enfrentou a possibilidade de ser exterminado por chuva de bombas atômicas, seguida de inverno nuclear e radioatividade milenares, que sepultariam a vida no planeta, exceto talvez a das baratas. Filmes como Threads retrataram isso, conforme postagem de 2010, conferível aqui. Passados tantos anos, deu pra retomar o tema, dessa vez sob o viés da animação pra adultos.

Se mesmo no desarmado Brasil, o perigo de catástrofe nuclear foi tema de textos acadêmicos e canções, imagine no protagonista, rico e mais diretamente atingido Hemisfério Norte. Inúteis cartilhas de sobrevivência durante e pós-ataque nuclear eram confeccionados por governos. Ineficazes como proteção, mas eficientes pra institucionalizar o pânico contra o inimigo e justificar exorbitantes gastos militares.
A animação When The Wind Blows (1986) retira parte de seu amargo sarcasmo das informações dúbias, conflitantes ou mal-compreendidas desses panfletos educacionais. De quebrar o coração, o longa apresenta casal superfofo de aposentados, vivendo no idílico campo inglês, que tenta seguir as instruções obtidas na biblioteca pública local, após um míssil atômico cair perto de onde residem.
James e Hilda Bloggs são, falam e vivem de modo explicitamente paródico Arquétipos do que seriam dois adoráveis velhinhos ingleses que haviam passado pela Segunda Guerra e confiavam plenamente nos líderes e nas táticas de proteção, então eficazes pros anos 40. Dublados pelos britânicos da gema John Mills e Peggy Ashcroft, os rechonchudos bebem chá, usam gírias datadas e simplesmente não compreendem nada do que se passa.
O cativante de When The Wind Blows é arquetipificar irônica, mas carinhosamente, os pais ou avós de quase todos nós do mundo ocidentalizado. A senhora que muda o assunto pras cortinas, quando não entende a platitude geopolítica/científica repetida incorretamente pelo marido ou a negação de que estão mortalmente doentes pela radiação, pra não preocupar o outro. 
Com música de abertura cantada por David Bowie e trilha composta por Roger Waters, do Pink Floyd, When The Wind Blows apresenta a lenta agonia e morte de dois simpáticos velhinhos indefesos, por isso é duro de assistir.

Se o sofrimento dum casal idoso corta o coração, o que dizer de duas crianças, que, desde o princípio, você sabe que morrerão? A cena de abertura do poderoso Grave Of the Fireflies (1988) - escrito e dirigido por Isao Takahata, falecido abril passado – mostra o jovenzinho Seita morrendo de inanição numa ferroviária e logo depois, seu espírito juntando-se ao de sua irmãzinha Setsuko. 
Mesmo sabendo – ou precisamente por isso - do trágico destino das crianças, nada realmente prepara o espectador pra drenagem emocional d’O Túmulo dos Vagalumes. Depois que sua cidade é devastada por ataque aéreo, Seita e Setsuko perdem a mãe e tem que ir morar com uma parenta, que logo os começa a maltratar. A escassez – seja da guerra, seja de greve de caminhoneiro – traz o pior das pessoas à tona. Então, os dois irmãos tentam sobreviver sós.
A animação é belíssima, com seus fundos de aquarela, mostrando um mundo lindo, mas indiferente ao padecimento das crianças, que, sem entender nada do que passa, têm ternos momentos de camaradagem infantil e esperança. Isso dói demais: a confiança de Seita, típica dos muitos jovens, de nada adianta num tempo em que sequer dinheiro serve pra muita coisa, porque não há o que comprar.

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