Roberto Rillo Bíscaro
O documentário Watch The Skies - onde diretores
cultuados, como Spielberg e George Lucas falam sobre os filmes de
ficção-científica cinquetistas que os inspiraram – tirou seu nome duma das
produções mais respeitadas dos “anos dourados”: The Thing From Another World
(1951), no Brasil conhecido como O Monstro do Ártico. A fala final é dum
jornalista, advertindo o público a ficar sempre olhando pro céu, em busca de
sinais de possíveis invasores. Pobres americanos, dominavam o mundo, mas não
tinham sossego, né? Mas, quem disse que paranoia não gera muita grana e permite
melhor controle?
The Thing, como é mais conhecido, é um dos marcos da
década, porque introduz os elementos usados até hoje em produções de monstros
atacando. Baseado numa novela de 1938, incorreto afirmar que John
Carpenter o refilmou em 1982, quando no Brasil se chamou O Enigma de Outro
Mundo. Ele refilmou o livro, não o filme. Ou alguém diz que o diretor tal
refilmou a primeira versão cinematográfica de Jane Eyre? Não; diz-se que é nova
interpretação do livro de Charlotte Bronté. Então, apliquemos a mesma regra pra
tudo.
Numa base científica no Ártico, um OVNI caído é
encontrado. A operação pra desenterrá-lo é tão estúpida e não-planejada que
culmina em sua destruição. Mas, um bloco de gelo com um tripulante congelado é
resgatado e levado pra estação. Ocorre que ao derreter, o gelo liberta criatura
vegetal, que se alimenta de sangue e começa a matar pessoas e catiorros até ser
destruído por eletricidade.
A sorte de The Thing é que o baixo orçamento estava nas
mãos de estúdio renomado, o RKO, e a produção (maldosos dizem que boa parte da
direção também) a cargo de Howard Hawks, que sabia o que fazia. O cara foi
responsável por pérolas noir e de western; não era qualquer zé-ruela querendo
ganhar trocados fáceis fazendo filme pra drive-in,
um dos grandes consumidores da produção B sci fi de então.
Diálogos crispados e frequentemente sobrepostos, além de
competente direção de atores, não deixam o baixo orçamento tornar The Thing a
comum falação tediosa pra comer tempo diegético e não mostrar o que não se tem
grana para. Óbvio que você não vai compará-lo com a velocidade pós-moderna, mas
The Thing é tão tenso e bem feito que dá até pra esquecer que tudo foi gravado
num galpão com algumas portas e escada, com cenário bem modesto.
Soluções cênicas pra driblar falta de bufunfa são
igualmente criativas: como não havia pra construir um disco-voador, que
apareceria por menos de 10 minutos, anyway, os caras colocaram uma espécie de
barbatana metálica enterrada na neve e o tamanho da circunferência do UFO pode
ser intuído quando vemos a quantidade necessária de homens pra circular a área.
The Thing também introduz convenções, como apresentar a
criatura só depois que bastante suspense foi criado e, mesmo assim, não muito
de perto ou claro (pra driblar a mambembice da produção). E a personagem bobona
que acha que pode fazer amizade com o ET? Também está em The Thing. E também se
ferra.
Capitalizando em cima da histeria dos discos-voadores e
do perigo soviético, The Thing não se poupa em justificar a pressa de enviar
equipe militar pra verificar a veracidade do relato da queda do OVNI em função
da presença russa no local. Alguém aventa que possa ser um objeto soviético,
afinal, eles voam pelo polo Norte, “feito moscas”.
Também tendência nos anos pós-Segunda Guerra e
pré-Vietnã, os militares são os salvadores da pátria e do dia, ao passo que
para com os cientistas, a relação é dúbia. Se gênios essenciais pra que as
casas tivessem suas TVs e geladeiras, homens da ciência também eram
responsáveis por se meter em territórios melhor deixados sem explorar. Daí, The
Thing ter um doutor que parece ficar maluquete e dizer que o conhecimento é
mais importante do que algumas vidas.
Essa louvação dos militares “esquece” que a decisão de
jogar as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki foi deles e que o Japão já
estava vencido praticamente, tendo as 2 cidades sido escolhidas bastante como
teste pra ver quanto estrago a bomba atômica causava, já que no contexto
japonês, eram urbes relativamente pouco afetadas pelos bombardeios.
Mas, levantar essa lebre não era tarefa de The Thing,
cuja função era apenas divertir e, sabendo ou não, fustigar a paranoia contra
invasores de toda espécie que assombrariam a década (como se já não existisse
isso; basta lembrar do primeiro Red Scare, logo após a Revolução Russa, de
1917).
Mas, em qual outro filme da
época você verá uma moça dando bebida alcoólica na boquinha dum capitão que tem
as mãos amarradas pra trás, numa cadeira? E tudo de brincadeirinha; fetchichy,
gentchy! E claro que o bofe se livra sozinho, tá? Pode fazer bondage, mas militar continua macho e
não tem mulher que prenda, não, qual é?
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