quinta-feira, 23 de agosto de 2018

TELONA QUENTE 250

Roberto Rillo Bíscaro

O documentário Watch The Skies - onde diretores cultuados, como Spielberg e George Lucas falam sobre os filmes de ficção-científica cinquetistas que os inspiraram – tirou seu nome duma das produções mais respeitadas dos “anos dourados”: The Thing From Another World (1951), no Brasil conhecido como O Monstro do Ártico. A fala final é dum jornalista, advertindo o público a ficar sempre olhando pro céu, em busca de sinais de possíveis invasores. Pobres americanos, dominavam o mundo, mas não tinham sossego, né? Mas, quem disse que paranoia não gera muita grana e permite melhor controle?
The Thing, como é mais conhecido, é um dos marcos da década, porque introduz os elementos usados até hoje em produções de monstros atacando. Baseado numa novela de 1938, incorreto afirmar que John Carpenter o refilmou em 1982, quando no Brasil se chamou O Enigma de Outro Mundo. Ele refilmou o livro, não o filme. Ou alguém diz que o diretor tal refilmou a primeira versão cinematográfica de Jane Eyre? Não; diz-se que é nova interpretação do livro de Charlotte Bronté. Então, apliquemos a mesma regra pra tudo.
Numa base científica no Ártico, um OVNI caído é encontrado. A operação pra desenterrá-lo é tão estúpida e não-planejada que culmina em sua destruição. Mas, um bloco de gelo com um tripulante congelado é resgatado e levado pra estação. Ocorre que ao derreter, o gelo liberta criatura vegetal, que se alimenta de sangue e começa a matar pessoas e catiorros até ser destruído por eletricidade.
A sorte de The Thing é que o baixo orçamento estava nas mãos de estúdio renomado, o RKO, e a produção (maldosos dizem que boa parte da direção também) a cargo de Howard Hawks, que sabia o que fazia. O cara foi responsável por pérolas noir e de western; não era qualquer zé-ruela querendo ganhar trocados fáceis fazendo filme pra drive-in, um dos grandes consumidores da produção B sci fi de então.
Diálogos crispados e frequentemente sobrepostos, além de competente direção de atores, não deixam o baixo orçamento tornar The Thing a comum falação tediosa pra comer tempo diegético e não mostrar o que não se tem grana para. Óbvio que você não vai compará-lo com a velocidade pós-moderna, mas The Thing é tão tenso e bem feito que dá até pra esquecer que tudo foi gravado num galpão com algumas portas e escada, com cenário bem modesto.
Soluções cênicas pra driblar falta de bufunfa são igualmente criativas: como não havia pra construir um disco-voador, que apareceria por menos de 10 minutos, anyway, os caras colocaram uma espécie de barbatana metálica enterrada na neve e o tamanho da circunferência do UFO pode ser intuído quando vemos a quantidade necessária de homens pra circular a área.
The Thing também introduz convenções, como apresentar a criatura só depois que bastante suspense foi criado e, mesmo assim, não muito de perto ou claro (pra driblar a mambembice da produção). E a personagem bobona que acha que pode fazer amizade com o ET? Também está em The Thing. E também se ferra.
Capitalizando em cima da histeria dos discos-voadores e do perigo soviético, The Thing não se poupa em justificar a pressa de enviar equipe militar pra verificar a veracidade do relato da queda do OVNI em função da presença russa no local. Alguém aventa que possa ser um objeto soviético, afinal, eles voam pelo polo Norte, “feito moscas”.
Também tendência nos anos pós-Segunda Guerra e pré-Vietnã, os militares são os salvadores da pátria e do dia, ao passo que para com os cientistas, a relação é dúbia. Se gênios essenciais pra que as casas tivessem suas TVs e geladeiras, homens da ciência também eram responsáveis por se meter em territórios melhor deixados sem explorar. Daí, The Thing ter um doutor que parece ficar maluquete e dizer que o conhecimento é mais importante do que algumas vidas.
Essa louvação dos militares “esquece” que a decisão de jogar as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki foi deles e que o Japão já estava vencido praticamente, tendo as 2 cidades sido escolhidas bastante como teste pra ver quanto estrago a bomba atômica causava, já que no contexto japonês, eram urbes relativamente pouco afetadas pelos bombardeios. 
Mas, levantar essa lebre não era tarefa de The Thing, cuja função era apenas divertir e, sabendo ou não, fustigar a paranoia contra invasores de toda espécie que assombrariam a década (como se já não existisse isso; basta lembrar do primeiro Red Scare, logo após a Revolução Russa, de 1917).
Mas, em qual outro filme da época você verá uma moça dando bebida alcoólica na boquinha dum capitão que tem as mãos amarradas pra trás, numa cadeira? E tudo de brincadeirinha; fetchichy, gentchy! E claro que o bofe se livra sozinho, tá? Pode fazer bondage, mas militar continua macho e não tem mulher que prenda, não, qual é? 

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