ADEUS
MUSEU NACIONAL, ADEUS... AH DEUS!
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Havia
pautado escrever sobre o 10 de setembro “dia mundial de combate ao suicídio”.
Juntei dados, reli parte dos textos de Camus e Durkheim, e estava pronto para
enfrentar a tarefa. Desde logo, porém, se me abateu um dilema, pois tivemos um
agosto tão penoso, tão trágico em acontecimentos em todos os níveis da vida
(pessoal e coletiva), valeria a pena desbotar a esperança emblemada pelo mês de
setembro? Setembro foi saudado em seu primeiro dia como tempo de promissão,
carregador da primavera regeneradora. Enquanto alentava tais ambiguidades,
nutria um sentimento suportável. Tudo mudou, muito, com os acontecimentos
alarmados pelo espanto do incêndio do Museu Nacional, no belo espaço imperial
no Campo de São Cristóvão no Rio de Janeiro.
O
choque das cenas transmitidas ao vivo, no começo da noite de domingo desolaram
o país e nos fizeram pensar. Pronto, estava definido o novo mote da crônica.
Por onde começar, contudo, foi minha dúvida decorrente. Parei por um momento e logo
me veio o primeiro passeio que fiz àquele lugar encantado. Houve até uma trilha
sonora musicada pelo querido Renato Teixeira que historia a primeira viagem
feita por um menino interiorano à Cidade Maravilhosa. Deixe-me então dizer como
foi a minha estreia no Museu Nacional.
Sou
de uma família libanesa que cabe perfeitamente no estereótipo do turco do
mercado. Quem me conhece sabe que chorão, sequer consigo enunciar a canção
(também do Renato Teixeira) sobre o comerciante que tinha loja e se fez tema de
pequena epopeia. Pois é, minha mãe, mulher muito trabalhadora, nutria algumas
veleidades que seriam estranhas às “turcas”: gostava de, uma vez por ano, nos
levar de férias a lugares frequentados pela classe média abastada. E era uma
festa completa, pois nossas modestas roupas eram renovadas, havia preparo premeditado,
e assim alternavam-se os lugares: um ano estação de águas (São Lourenço, Poços
de Caldas, Caxambu), outro Rio de Janeiro. Foi dessa forma que me introduzi no
mundo do turismo, e na então capital federal ia aos cartões postais. O curioso
é que mamãe incluía Museus em seus roteiros. Foi assim que em 1953 pela
primeira vez fui ao Museu Nacional. E não há como me esquecer do prédio
magnífico. Com nitidez recordo-me de que avisado que ia a um palácio, supus um
castelo com torres pontiagudas e protegido por pontes e rios circundantes. Acho
que minha primeira lição nesse processo inicial foi exatamente saber que palácio
era onde vivera parte da nossa corte, e castelo seria fortaleza diferente. Esta
lição não foi um detalhe. Por lógico, fiquei impressionadíssimo com os
esqueletos monumentais colocados desde a entrada principal e lembro-me do
espanto ao ver a tal múmia (que aliás nunca permanece muito tempo fora de minhas
cenas infantis), mas, de verdade, o que me fascinou foi saber que a Família
Real tinha vivido naquele local. Por aqueles dias, o trono imperial ainda
estava lá e fazia parte da reconstrução do ambiente. Isto significou momento
decisivo na escolha de minha vocação de historiador.
Ao
longo de décadas o Museu Nacional foi se fazendo instituição de respeito. Não
foram poucos os projetos que verticalizaram a tendência inicial, desde que se
optou por transformar o palácio para ser o Museu de História Natural. A
aparente inconformidade era dada pela coleção de objetos antigos reunida por
diferentes membros da Família Real. Dona Leopoldina trouxe como presente
afrescos de Pompeia, raridade maravilhosa. Dom Pedro II comprou peças egípcias
preciosas, e assim a coleção se compunha com série de aves, animais empalhados,
mas também com esqueletos e moveis reais.
Já
formado, professor de História, fiz pesquisa na Biblioteca do Museu Nacional e
me lembro da emoção ao ver os escritos do antropólogo incrível, alemão, que
mudou seu nome para Imuendajú. Ao ver alguns desenhos dos viajantes do século
XIX me perguntava sobre a falta de divulgação de tantas coleções. E diria o
mesmo das telas monumentais que precisavam de conhecimento. Aproveitei todas as
oportunidades de visita ao espaço e creio que não passava um ano, enquanto
morava no Brasil, em que não ia àquele local. Cheguei mesmo a ver dois ou três
concertos de música nos gramados do entorno e me vali de várias conferências
oferecidas no Curso de Antropologia, um dos melhores do Brasil.
Por lógico, não bastariam lembranças pessoais
para resenhar o significado do incêndio de 2 de setembro. Nem mesmo minhas
impressões de profissional da História. O que vale mesmo é pensar que esta
tragédia se explica pelo desprezo à História e falo da disciplina História...
Não basta achar culpados e a discussão precisa sair do plano discursivo para a
política. Meu único recado nessa meditação remete ao desafio de ver com zelo e
apuro os programas dos candidatos que concorrem às próximas eleições. Notar que
existem pautas que pensam que da parca verba devem ser destinados montantes
maiores para o ensino básico é um erro imperdoável. Por evidente, muito precisa
ser empregado no nível elementar, mas jamais pode-se tirar de outros estágios
comunicantes. É tudo junto, reunido, misturado, circulado. Vejamos bem o alerta
dado pela fatalidade. Não é tirando de um nível e pondo em outro que se teria
resultado. Seria penosa e sem efeito uma longa espera, para daqui a 15 anos. A
única lição que se pode tirar é que precisamos de mais atenção ao
ensino/educação como um todo. Tudo pela cultura em todos os estratos sociais,
pois só assim valeria chorar pelas lições do Museu Nacional. Pensemos a
política como saída. Leiamos os projetos dos candidatos.
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