Roberto Rillo Bíscaro
A despeito da tediosa sequência de esquisitices e escândalos,
Angelina Jolie tem um lado muito legal que é usar seu prestígio para
possibilitar projetos fílmicos de empoderamento feminino. Já resenhei Difret
(por que não tem na Netflix daqui ainda?) e A Ganha-Pão (esse tem).
A mais recente aparição da atriz em minha mira foi First
They Killed My Father (2017), dirigido e roteirizado por ela, em parceria com
Loung Ung, autora do livro que relata todas as barbaridades mostrada no filme.
A coprodução ianque-cambojana só aumentou meu respeito pelo modo como Angelina
usa parte de sua celebridade.
Pra causar efeito dominó de caos no sudeste asiático, os
EUA secretamente encheram de bomba o “aliado” governo do Camboja (com amigo
assim, heim?). Com a derrota no Vietnã, os norte-americanos queriam mesmo era
que o circo pegasse fogo. E como pegou! O comunista Khmer Vermelho aproveitou a
fraqueza do governo central e tomou o poder, iniciando guerra civil e ditadura
genocida que ceifou um quinto da população cambojana. O roteiro de Jolie
enfatiza o horror da ditadura, mas corretamente aponta que um dos culpados pelo
triunfo vermelho no Camboja dos 1970’s foi precisamente o país que mais
propaganda anticomuna propaga.
Mas, as espetaculares mais de duas horas de diegese vez
mais centram-se nas agruras experienciadas por uma menina vilipendiada de todo
jeito, como Difret e Parvana. Jolie ama mostrar histórias de garotas que
superam seus traumas e fantasmas, depois de terem comido cobras e aranhas,
literalmente no caso de First They Killed My Father (FTKMF).
A história de Loung Ung é de arrepiar. Menininha ainda,
com seus cinco anos, é obrigada a deixar o conforto de sua casa de classe média
na capital cambojana e inicia dantesca odisseia, marcada por fome, brutalidade
e opressão nos campos de “correção”, mantidos pelos déspotas fanáticos do Khmer,
que usam o comunismo como desculpa pra descontar recalques e impor sádicas
vontades e disciplinas. Quanta atrocidade feita em nome do povo!
Com uma câmera na não, que filma na maior parte a partir
do ponto de vista da pequena Loung, Jolie dá aula magna de enquadramento,
perspectiva, intercalação de foco de primeira pra terceira pessoa, recurso que
paraleliza o intercalar de segmentos de sonho/devaneio, com suas mudanças
cromáticas.
Por ser dramática demais, com suas minas terrestres
explodindo mães com crianças e gente esquálida de desnutrição, FTKMF não
necessita se escorar em melodrama hollywoodiano, tampouco se esforça pra
edulcorar a experiência.
Provavelmente não se pode
dizer que Loung Ung tenha superado o genocídio que testemunhou, mas seu relato
certamente comove e inspira. Procure na Netflix.
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