Evito usar a palavra surpresa em resenhas, porque a
considero mais ofensiva/paternalista do que elogiosa. Surpresa é algo
inesperado. Ora, se alguém diz que está surpreendido com algo que fiz, é porque
não esperava que fosse capaz.
No caso de Fallet (2017), que a Netflix adicionou a seu
catálogo recentemente, não tenho como evitar. Não esperava nada dessa sátira
sueca ao Nordic Noir. Não porque desconfie da expertise escandinava. Ao
contrário, devem sorrir com ironia os leitores mais assíduos. É que não sou
muito de comédias mesmo.
Como os episódios têm cerca de meia hora, são apenas 8 e
são escandinavos (ai ai) resolvi dar oportunidade. E não me arrependo; é bem
inteligente e funciona mais ou menos até como caso (fallet, em sueco) policial.
Apreciarão melhor os mais acostumados às convenções das
séries policiais anglo-escandinavas, mas especialmente dessas últimas.
Recomenda-se imersão nas temporadas de BronIBroen, porque Fallet tem até vilão
mascarado de porco. Mas não é condição sine
qua non: dá pra entender/curtir de boa sem sequer saber quem foi Inspetor Morse ou os Midsomer Murders, mencionados (pelo menos nas legendas em inglês,
que foi como assisti).
Um inspetor-chefe incompetente britânico e uma policial
sueca igualmente desastrada e que tende a atirar pra matar em inocentes, são
reunidos pra resolver o assassinato dum cidadão britânico na pequena Norrbacka,
na Suécia. Deflagrada por The Bridge, a cooperação entre policiais de distintos
países é cada vez mais criticadas por fãs de Scandi Drama, porque perpetra
sofríveis interpretações em inglês. Em Fallet ela faz todo sentido, porque
satiriza essa estratégia oportunista escandi pra conquistar mercados.
Fallet tem todos os chavões formo-temáticos dos Nordic
Noirs: Suécia escura e sinistra; chefe de polícia prestes a se aposentar; detetive
emocionalmente remota (não há dúvida de que Sophie Borg seja a versão negativa
da antológica Saga Norén). Mas, como é sátira, quase sempre sai errado ou a
cena é feita no sentido de mostrar como a convenção é, na verdade, até meio
estúpida.
Exemplo: em qualquer série de detetive, existe um mural
na chefatura, cheio de fotos e setas sobre o caso, para o qual o detetive passa
largo tempo olhando, até que epifania ocorre e ele raciocina algo que estava na
sua fuça, mas passara despercebido. Em Fallet, o policial bocó olha, olha, olha
e nada acontece.
Há um caso a ser resolvido, porém, então nem tudo falha,
mas mesmo assim, Fallet mostra o quão improvável é o material satirizado.
Depois de absurda reviravolta melodramática na trama, o DCI Tom Brown relembra
em minuciosos flashes, uma torrente
de detalhes e consegue desvendar o mistério.
Com personagens secundárias
interessantes e até Dag Malmberg no elenco, pra ficar claro que a sacanagem mor
é direcionada a BronIBroen (Dag é o Hans, das primeiras – e melhores – duas temporadas),
Fallet garante bons momentos de diversão leve, pra contrabalançar a sisudez
mórbida do Nordic Noir.
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