Roberto Rillo Bíscaro
Antes da ITV lançar a série Mr. Selfridge, em 2013, o
fundador da famosa loja londrina andava meio esquecido. A primeira vista,
estranho, nesta era que preza, incentiva e acredita tanto no empreendedorismo.
Mas, deve ser meio duro explicar como um sujeito tão esperto comercialmente
morreu na miséria, depois de expulso pelo conselho diretor da empresa que
criou, por torrar dinheiro com mulheres e jogatina.
Supostamente autor da platitude comercial que o freguês
sempre tem razão, o norte-americano Harry Gordon Selfridge introduziu conceito
revolucionário na Inglaterra eduardiana: ir a uma loja pra passear e, se der
vontade, comprar algo que talvez nem soubesse que precisa ou mesmo sem
necessitar, porque a disposição das mercadorias se encarregará de despertar
essa falsa necessidade. Tão óbvio hoje, isso não acontecia na metropolitana
Londres de início do século XX, quando os consumidores iam às lojas pra comprar
sabendo o que queriam, sem ter acesso ao estoque. Numa época em que mulher de
classe-média pra cima sair sozinha era vulgar, imagine vagar por um
estabelecimento comercial. Selfridge democratizou o acesso ao comércio; usou
truques publicitários pra chamar freguesia; apoiou causas sociais, desde que
percebesse possibilidade de lucro; tratou melhor os funcionários (desde que não
ameaçassem casar com seu filho, claro!).
Secrets of Selfridge’s é
boa introdução pra acompanhar a série, até porque ambos estão na Netflix.
Desde que você não acredite em tudo e não saia falando
que viu uma série que conta a vida do cara que fundou aquela loja famosa em
Londres - não a Harod’s, a outra -, os 40 capítulos das 4 temporadas de Mr.
Selfridge (2013-16) são totalmente maratonáveis pra galera que ama série “de
época”.
Mr. Selfridge é Downton Abbey em loja de departamentos. A
diferença é ser menos pretensiosa. A série de Andrew Davies (criador de Bleak House, dentre outras) é novelão descarado e uma coisa há que reconhecer:
Downton, também da ITV, não foi regular em padrão de entretenimento; há
episódio que dá sono, porque nada de consequente acontece. Em Mr. Selfridge o motorzinho
do drama funciona que é uma belezoca; é ação, conflito, drama, fofura em ritmo
acelerado. Amo Mr. Crabb; Mr.
Grove; Miss Mardle, depois Mrs. Grove; KItty, depois Mrs. Edwards; Lady Loxley,
assim como amo Mr. Carson, Mrs. Hughes, O’Brian, Lady Mary, em Downton Abbey.
Pra ficção ficar mais
interessante e assistível, não dá pra seguir à risca a biografia dos
envolvidos. Tem que ficcionalizar; quer saber a “verdade” (sabe nada inocente!)
vai ler biografia ou ver documentário. Então, pra haver mixagem entre classes
sociais, o Mr. Selfridge ficcional se mistura bem mais com seu staff, a ponto de conduzir funcionária
ao altar, porque ela não tinha família. Na vida real, Mr. Selfridge tinha seu
próprio elevador.
Seu fim também é edulcorado pra virar caída em pé, de
protagonista exemplar de novela. Não combinaria com o tom prevalente e
empreendedor, mostrar um Mr. Selfridge ancião, de roupas gastas, rondando a
frente de sua ex-loja, nos anos 1940, então providenciemos um quê de esperança.
Gostei de ter visto o documentário antes e lido na
Wikepedia sobre as Dolly Sisters, por exemplo, e comparar com o material da
série. Constatei diferenças, atalhos, suavizações e embelezamentos do roteiro,
mas curtí a série pelo que é, e não como proposta de biografia. Até porque Mr.
Selfridge mesmo não me interessou: seu espalhafato empreendedor otimista me
fazia amar ainda mais a reserva britânica de Mr. Edwards e George Towler. Mr.
Selfridge é um mal necessário em Mr. Selfridge: se pra eu ver as caras de
espanto de Mr. Crabb era mister acompanhar as peripécias de seu chefe, que
fosse.
Embora o tempo não passe
pra quase nenhuma personagem – acho que
a única a envelhecer perceptivelmente é Mae; e não conto as crianças, porque
daí seria inverossímil demais – a produção é opulenta e os detalhes e roupas
enchem os olhos. Mr. Selfridge é escapismo sem vergonha de sê-lo.
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