Roberto Rillo Bíscaro
Depois de adicionar o bastante adulto A Ganha-Pão à grade
brasileira, a Netflix disponibilizou o totalmente maduro Anomalisa (2015), do
cultuado Charlie Kaufman. Cuidado se planeja ver o longa com seu júnior, porque há nu
frontal e tórrida cena de sexo entre os bonecos.
Anomalisa é feito em stop motion tão perfeito e sofisticado, que às vezes esquecemos estar diante de
bonecos, o que apenas aumenta a estranheza desse filme, cuja trama é bastante
acessível e se enquadra no vasto sub-subgênero das crises de meia-idade em
machos adultos brancos, mas, sem cair no chavão de botar algum despossuído
trazendo de volta a alegria de viver pro bofe, que volta a curtir sua carteira
cheia, enquanto o desvalido segue sem valia.
Michael Stone é bem-sucedido autor de livros sobre
atendimento ao cliente e palestrante motivacional. Essa fortaleza indicada até
pelo pétreo sobrenome é apenas fachada, porém. Insatisfeito e provavelmente
incapaz de empatizar, todo mundo pro coroa tem a mesma cara e voz.
Não é à toa que se hospeda no Hotel Fregoli, alusão à
síndrome homônima, raro distúrbio em que o paciente delira que diferentes
pessoas são de fato uma única, que muda de aparência ou está disfarçada.
É no hotel que conhece a interiorana, insegura e
cicatrizada Lisa, que considera adorável anomalia, porque tem voz e rosto
distintos dos demais. A propósito, ao discutirem, na cama, o conceito de
anomalia, o Brasil é usado como exemplo: todos nossos vizinhos falam espanhol,
menos nós.
Anomalisa é fascinante e
hipnótico em sua minúcia técnica e narrativa. É o cartão-magnético pra abrir o
quarto, que falha várias vezes; é o trajeto da recepção até o quarto pelos
corredores do impessoal hotel; é o tédio existencial e a rotina que carcomeram
o afável e externamente simpático Stone. E na hora em que seu discurso se
desintegra, não deu pra não recordar de seu ancestral humano, Harry Stoner,
interpretado pelo grande Jack Lemmon, em Save The Tiger (1973).
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