Roberto Rillo Bíscaro
Hoje, a forma magis fácil de
apresentar The O’Jays é indicar o tema de abertura d’O Aprendiz:
Formado ainda nos 50’s, The O’Jays foi muito popular na
primeira metade dos anos 70, produzindo clássicos funk, disco e Phily Soul. Nos 1980’s, com Kylie Minogue, fingíamos ter
saudade duma era que não vivemos, cantando a letra de Step Back In Time (remember the old days/remember the O’Jays).
Não acompanho de perto a carreira do trio remanescente Eddie
Levert Sr., Walter Williams Sr. e Eric Nolan Grant, mas sei que ainda fazem
shows. Só achei estranho, quando soube dum novo álbum lançado em junho por uma
tal Music World Music. Vi apenas no feed
do Soul Trax; muito pouco pros O’Jays. Algum órgão fora da bolha geralmente
noticia quando grande tem material novo, mesmo que o artista esteja no ocaso.
Too Imagine constava das novidades do Spotify, mas não
confio nas datas deles. Tanto álbum com ano errado e discografia esburacada!
Escutei alguns segundos da faixa de abertura e já coloquei na fila.
Na mesma manhã, um email
adicional do Soul Trax elucidou o mistério. Too Imagine é maracutaia do selo;
os O’Jays nem sabiam do material. Especialistas no grupo afirmam que músicas
dum álbum chamado Together We Are One (2004) foram rebatizadas; vai vendo a
picaretagem.
Como esse álbum (pra
variar) não tem no Spotify, nem deu pra checar tudo, mas no Youtube encontrei
vídeo velhusquinho duma canção chamada Together We Are One, que nada mais é do
que a tal faixa de abertura da qual ouvi alguns segundos e já adicionei à minha
lista. Em Too Imagine ela simplesmente se chama We Are One.
Deixo pros advogados do grupo a discussão ética e os
eventuais prejuízos de rapinagem financeira de direitos autorias e integridade.
Se está no Spotify, parece que acaba adquirindo aura de legitimidade, por ser
tão fácil e legalmente acessível, embora sempre nos tentem convencer que não
baixar mp3 justamente evitará que os artistas percam dinheiro... Oh, dear.
Tirante tudo isso,
Too Imagine é uma delícia pra amantes da soul
music de fim dos anos 70/início dos 80, onde localizava-se o baú donde as
11 canções estavam guardadas. São apenas baladas, que, tendo sido produzidas na
época, apresentam todos os maneirismos e convenções de produção de então.
Sonoridade da bateria, linhas melódicas nos teclados, a própria construção das
canções: o refrão de Promisses arrancará lágrimas de coroas de meia-idade que
amavam música lenta entre os anos 78 a 83.
Exceto pelo jazz aveludado anos 1950 de When Sunny Gets
Blue (que a gravadora não teve coragem de alterar o título porque é standard), o restante do material flutua
em alguma sub-variante do pop ou urban
soul romântico. Algumas faixas com vocais mais delicados, como Too Pretty
For Words, mas a maioria com aquela saudável competição pra ver quem grita e
dramatiza mais. Então, é show de harmonia vocal linda em faixas como Your Place
Or Mine, Can’t Live Without It, Invitation ou Last Time.
Já que a culpa não é nossa de selo ter
sacaneado os O’Jays e o material está disponível em serviço pelo qual pagamos,
joguemo-nos, porque vale a pena.
Keith Sweat foi um dos primeiros disseminadores do new jack swing ou swingbeat, estilo híbrido,
popular entre o fim da década de 1980 e meados da seguinte, que mesclava os
ritmos, samples e técnicas de
produção do hip hop com o som urban
contemporary do R&B. Populares na época, como Janet/Michael Jackson,
Club Nouveau e o New Edition esbaldaram-se em swingbeat.
Sweat jamais deixou de lançar álbuns, eu que não presto a
devida atenção, por isso comi barriga feio com Dress to Impress (2016), cujas
16 faixas agradarão em cheio aos ouvintes mais maduros de FMs tipo Alpha e
Antena Um e cresceram ao som e/ou à influência de Marvin Gaye anos 80, Barry
White, urban soul e quiet storm. Em sua maioria, são slow jams xavecando mulherada, falando
de fazer amor a noite toda, cantadas em vocal que de vez em quando entra em
falsete. Easy listening soul,
supergostoso, que de vez em quando fica sensacional, como no dueto Just The 2
Of Us ou em solos como em Back and Forth e Missing You Like Crazy.
Quem quiser treinar números
em inglês, experimente contar quantas vezes Keith canta “baby” e “girl” ao
longo de Dress to Impress, que peca por ser longo demais, de mais do mesmo. Fãs
de sons de cetim vão gostar; a fórmula é pra nos conquistar, mas se menos
especiais como Can’t Let You Go, Say e Get It In saíssem, daria pra curtir
melhor a derradeira Let’s Go to Bed, que atinge níveis sublimes de Harold
Melvin, anos 70, em termos dramáticos de interpretação e arranjo.
Como qualquer subgênero, a soul music e seus afluentes necessitam de sangue novo pra continuar
fluindo. Sorte que as veias continuam abertas e talentos despontam não apenas
no tradicional território norte-americano.
Steffen Morrison é um desses novos expoentes e sua
procedência pode até espantar de tão “unsoul”:
nasceu no Suriname, mas foi criado e reside em Amsterdan. Seu site é em holandês, inclusive!
Seus pais incutiram nele o amor por Otis Redding, James
Brown, Mavin Gaye, mas o barítono também aprecia Rolling Stones e gente mais
novinha, como Macy Grey e Bruno Mars. O entusiasmo com que aborda as 11 faixas
do álbum Movin’ On, lançado em março, contagia e deixa antever artista de
futuro e peso.
A faixa-título/de abertura é sensacional locomotiva com
baixo retumbante e naipe de metais à Memphis, porque sendo país de proporções
continentais, claro que a música norte-americana também não soa a mesma em todo
o território nacional, como a daqui. Movin’ On tem a intensidade e garra pra
ser uma das melhores faixas do ano no subgênero.
E Movin’ On, o álbum, enfia mais 9 grandes canções, com
grandes performances vocais e instrumentais. É um arraso atrás do outro. Tem a
elegância deslizante de Old Enough to Know Better, que encantará fãs de sophisti-soul
à Lisa Stansfield e Seal. We Can Have It All é baladaça que não deixa coração
sobre coração, totalmente 80’s, mas sem soar pasteurizada como muito da década.
Steffen opta por produção orgânica, contemporânea, nada de tecladeria
artificial.
Isso acoplado aos vocais arenosos tão intensos como o de
um Harold Melvin enfeitiçam a Motownzice easy
listening de Little Bit Longer ou a contagiante rouquidão de All For You.
Dá vontade de gritar junto “I gave it all for you...!” E nessa última, o clima
retrô é atualizado com a boca-sujice do fucked
up da letra.
Do It All Again tem aquele clima Hit the Road Jack, de
Ray Charles, numa canção onde a letra realmente fala duma namorada que “hit the
road”. Supertradição afro de canto e reposta, porque Steffen está dialogando
com um coro. E é o coro que empresta tons gospel à Love Walks All Over You.
Seja no R’n’B um bocadinho mais áspero de Takin Me Higher, seja na popice
spiritual com a mesma guitarrinha do Spandau Ballet, de True, de The Art Of
Being Human, Morrison acerta o alvo uma dezena de vezes.
A única desnecessidade é a
versão acústica de Just Another Man. Só ao violão, a melodia já aparecera
superior e a faixa-bônus soa como aceno pra fãs de Ed Sheeran e Cia. Só que
Steffen joga numa liga léguas acima da sensaboria de Sheeran: nem deixo a
versão unplugged tocar.
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