segunda-feira, 22 de outubro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 336

Roberto Rillo Bíscaro

Hoje, a forma magis fácil de apresentar The O’Jays é indicar o tema de abertura d’O Aprendiz:

Formado ainda nos 50’s, The O’Jays foi muito popular na primeira metade dos anos 70, produzindo clássicos funk, disco e Phily Soul. Nos 1980’s, com Kylie Minogue, fingíamos ter saudade duma era que não vivemos, cantando a letra de Step Back In Time (remember the old days/remember the O’Jays).
Não acompanho de perto a carreira do trio remanescente Eddie Levert Sr., Walter Williams Sr. e Eric Nolan Grant, mas sei que ainda fazem shows. Só achei estranho, quando soube dum novo álbum lançado em junho por uma tal Music World Music. Vi apenas no feed do Soul Trax; muito pouco pros O’Jays. Algum órgão fora da bolha geralmente noticia quando grande tem material novo, mesmo que o artista esteja no ocaso.
Too Imagine constava das novidades do Spotify, mas não confio nas datas deles. Tanto álbum com ano errado e discografia esburacada! Escutei alguns segundos da faixa de abertura e já coloquei na fila.
Na mesma manhã, um email adicional do Soul Trax elucidou o mistério. Too Imagine é maracutaia do selo; os O’Jays nem sabiam do material. Especialistas no grupo afirmam que músicas dum álbum chamado Together We Are One (2004) foram rebatizadas; vai vendo a picaretagem.
Como esse álbum (pra variar) não tem no Spotify, nem deu pra checar tudo, mas no Youtube encontrei vídeo velhusquinho duma canção chamada Together We Are One, que nada mais é do que a tal faixa de abertura da qual ouvi alguns segundos e já adicionei à minha lista. Em Too Imagine ela simplesmente se chama We Are One.
Deixo pros advogados do grupo a discussão ética e os eventuais prejuízos de rapinagem financeira de direitos autorias e integridade. Se está no Spotify, parece que acaba adquirindo aura de legitimidade, por ser tão fácil e legalmente acessível, embora sempre nos tentem convencer que não baixar mp3 justamente evitará que os artistas percam dinheiro... Oh, dear. 
 Tirante tudo isso, Too Imagine é uma delícia pra amantes da soul music de fim dos anos 70/início dos 80, onde localizava-se o baú donde as 11 canções estavam guardadas. São apenas baladas, que, tendo sido produzidas na época, apresentam todos os maneirismos e convenções de produção de então. Sonoridade da bateria, linhas melódicas nos teclados, a própria construção das canções: o refrão de Promisses arrancará lágrimas de coroas de meia-idade que amavam música lenta entre os anos 78 a 83.
Exceto pelo jazz aveludado anos 1950 de When Sunny Gets Blue (que a gravadora não teve coragem de alterar o título porque é standard), o restante do material flutua em alguma sub-variante do pop ou urban soul romântico. Algumas faixas com vocais mais delicados, como Too Pretty For Words, mas a maioria com aquela saudável competição pra ver quem grita e dramatiza mais. Então, é show de harmonia vocal linda em faixas como Your Place Or Mine, Can’t Live Without It, Invitation ou Last Time.
 Já que a culpa não é nossa de selo ter sacaneado os O’Jays e o material está disponível em serviço pelo qual pagamos, joguemo-nos, porque vale a pena.
Keith Sweat foi um dos primeiros disseminadores do new jack swing ou swingbeat, estilo híbrido, popular entre o fim da década de 1980 e meados da seguinte, que mesclava os ritmos, samples e técnicas de produção do hip hop com o som urban contemporary do R&B. Populares na época, como Janet/Michael Jackson, Club Nouveau e o New Edition esbaldaram-se em swingbeat.
Sweat jamais deixou de lançar álbuns, eu que não presto a devida atenção, por isso comi barriga feio com Dress to Impress (2016), cujas 16 faixas agradarão em cheio aos ouvintes mais maduros de FMs tipo Alpha e Antena Um e cresceram ao som e/ou à influência de Marvin Gaye anos 80, Barry White, urban soul e quiet storm. Em sua maioria, são slow jams xavecando mulherada, falando de fazer amor a noite toda, cantadas em vocal que de vez em quando entra em falsete. Easy listening soul, supergostoso, que de vez em quando fica sensacional, como no dueto Just The 2 Of Us ou em solos como em Back and Forth e Missing You Like Crazy.
Quem quiser treinar números em inglês, experimente contar quantas vezes Keith canta “baby” e “girl” ao longo de Dress to Impress, que peca por ser longo demais, de mais do mesmo. Fãs de sons de cetim vão gostar; a fórmula é pra nos conquistar, mas se menos especiais como Can’t Let You Go, Say e Get It In saíssem, daria pra curtir melhor a derradeira Let’s Go to Bed, que atinge níveis sublimes de Harold Melvin, anos 70, em termos dramáticos de interpretação e arranjo. 

Como qualquer subgênero, a soul music e seus afluentes necessitam de sangue novo pra continuar fluindo. Sorte que as veias continuam abertas e talentos despontam não apenas no tradicional território norte-americano.
Steffen Morrison é um desses novos expoentes e sua procedência pode até espantar de tão “unsoul”: nasceu no Suriname, mas foi criado e reside em Amsterdan. Seu site é em holandês, inclusive!
Seus pais incutiram nele o amor por Otis Redding, James Brown, Mavin Gaye, mas o barítono também aprecia Rolling Stones e gente mais novinha, como Macy Grey e Bruno Mars. O entusiasmo com que aborda as 11 faixas do álbum Movin’ On, lançado em março, contagia e deixa antever artista de futuro e peso.
A faixa-título/de abertura é sensacional locomotiva com baixo retumbante e naipe de metais à Memphis, porque sendo país de proporções continentais, claro que a música norte-americana também não soa a mesma em todo o território nacional, como a daqui. Movin’ On tem a intensidade e garra pra ser uma das melhores faixas do ano no subgênero.
E Movin’ On, o álbum, enfia mais 9 grandes canções, com grandes performances vocais e instrumentais. É um arraso atrás do outro. Tem a elegância deslizante de Old Enough to Know Better, que encantará fãs de sophisti-soul à Lisa Stansfield e Seal. We Can Have It All é baladaça que não deixa coração sobre coração, totalmente 80’s, mas sem soar pasteurizada como muito da década. Steffen opta por produção orgânica, contemporânea, nada de tecladeria artificial.
Isso acoplado aos vocais arenosos tão intensos como o de um Harold Melvin enfeitiçam a Motownzice easy listening de Little Bit Longer ou a contagiante rouquidão de All For You. Dá vontade de gritar junto “I gave it all for you...!” E nessa última, o clima retrô é atualizado com a boca-sujice do fucked up da letra.
Do It All Again tem aquele clima Hit the Road Jack, de Ray Charles, numa canção onde a letra realmente fala duma namorada que “hit the road”. Supertradição afro de canto e reposta, porque Steffen está dialogando com um coro. E é o coro que empresta tons gospel à Love Walks All Over You. Seja no R’n’B um bocadinho mais áspero de Takin Me Higher, seja na popice spiritual com a mesma guitarrinha do Spandau Ballet, de True, de The Art Of Being Human, Morrison acerta o alvo uma dezena de vezes.
A única desnecessidade é a versão acústica de Just Another Man. Só ao violão, a melodia já aparecera superior e a faixa-bônus soa como aceno pra fãs de Ed Sheeran e Cia. Só que Steffen joga numa liga léguas acima da sensaboria de Sheeran: nem deixo a versão unplugged tocar.

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