SER HISTORIADOR EM TEMPOS MODERNOS: um ideal
José Carlos Sebe Bom Meihy
Estranha sensação: passar uma semana no sertão nordestino conversando com descendentes de cangaceiros e jagunços, depois visitar familiares e amigos no interior de São Paulo, e no mesmo impulso vir para os Estados Unidos para trabalhar com cursos de História do Brasil. Descontando o cansaço inerente à idade, ao longo trajeto e às demais inconveniências (mudanças de temperaturas, adaptação do ouvido para sotaques e línguas distintas, mudança de roupas e preparação para comidas variadas) chega-se a pensar nos desafios da modernidade. Aviões, carros, computadores se fiam em um tecido, cuja tela tem bordados de tradições e riscos de mobilidade social comprometedora de valores em movimento. Se a esta constatação imediata forem somadas as polarizações entre as velhas estruturas comportamentais, soluções de sobrevivência, e os novos desafios de pertencimento ao mundo das máquinas, pode-se abrir um roteiro histórico que demanda cuidados compreensivos e sustos: como pode o mundo ser tão diferente, desigual, variado e... e injusto.
O denominador comum destas experiências permite a formulação de uma pequena cadeia de hipóteses que se emendam perguntando: afinal, melhoramos em geral? E enquanto povo brasileiro, caminhamos para a almejada sociedade pluralista e com direitos próximos? O elemento comum destas questões leva a admitir a supremacia do capitalismo, que arrasta o mundo de forma a exaltar o consumo como solução do progresso. Neste esquema, a economia comanda os demais valores e faz tudo depender de seu sucesso. A busca incessante para melhor posição no mundo competitivo do capital exige hierarquia e anula outras soluções que não a partilha de oportunidades igualitárias. E é aí que se dá a anulação da História, matéria que provaria raízes diferenciadas e motivos diversos para as competições. No caso brasileiro, por exemplo, a antecedência escravocrata determinou um rastro de submissão aos afrodescendentes, que demanda correção histórica. Sem isso, pagaremos sempre a conta da injustiça e desigualdade de chances participativas.
Vejam que em duas pontas, percebendo no Brasil a repetição do modelo dominante, experimentamos a extremidade que de um lado coloca o Sudeste e o Sul como atestados de progresso e na outra ponta temos cidadãos devotados aos rituais cadenciados pela antiga ordem: classe média sempre em ascensão e ricos proprietários e empresários do campo e da indústria. No andar de baixo, há a população que padece do não pertencimento nas benesses capitalistas. São essas as tais pessoas excluídas, pobres, acostumadas às penúrias da seca, da carência de documentos que lhes atestam cidadania e de respeitabilidade sob panorama moderno. Muito além da valorização da disciplina História, porém, emerge a necessidade de criação de alternativas que permitam estudar os excluídos que, por sua vez, sequer tiveram possibilidades de produzir textos que extravasem a própria visão de mundo.
Indo além da situação nacional, brasileira, na ponta oposta temos, sob o céu da mais desafiadora modernidade os Estados Unidos emblemado por Nova York, com todo aparato dos avanços eletrônicos e demais sutilezas do mundo das máquinas. É nesta ordem que se situa a justificação do trabalho que busco fazer. Criar situações de análises de grupos desfavorecidos pelos documentos oficiais e assim colaborar para a formação de novos pressupostos para a análise histórica. Dois fatores, pois se juntam na fatalidade desta minha experiência recente. O fato de conversar com jagunços no nordeste e na mesma sequência vir a Nova York falar sobre história oral me faz responsável pela missão que desafia o entendimento do porque da cultura formal. Isso, aliás, transforma o caráter profissional do historiador. Muito mais do que explicar, temos que aprender a ouvir, escutar e formular documentação para que novos entendimentos surjam. É nessa linha que o paradoxal se justifica.
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