Roberto Rillo Bíscaro
Enquanto lia com interesse a ducentena e meia de páginas
de Desamparo (2018), não cessava de pensar que se tivesse sido publicado em
algum centro realmente importante do capitalismo, os direitos de filmagem já
teriam sido comprados, preferentemente para minissérie, já que a TV anda tão em
alta e tem mais tempo pra minuciar épicos, como o criado por Fred di Giacomo.
Contista com livros publicados, Fred estreou como
romancista com a obra editada pela Editora Reformatório. Desamparo é
extremamente imagético e típico da geração do autor – a Wikipedia me contou que
nasceu, em 1984: sem vergonha de informalizar a linguagem e ciscar na linha
fronteiriça entre ficção e “realidade”. Ao final, o leitor encontra a
bibliografia consultada para escrever esse romance, que tem como enredo central
o início da colonização branca no noroeste paulista, no final do século XIX.
Di Giacomo nasceu na interiorana Penápolis, a metafórica
Desamparo da narrativa. Mas, não é preciso ser penapolense e conhecer a
história local (quem conhece?) para se envolver com a história. Como qualquer
boa arte, Desamparo se universaliza e a triste história da substituição genocida
de uma etnia por outra é a da espécie humana como um todo.
É esse o poder épico que o jovem conseguiu criar,
utilizando fartos elementos de realismo mágico/fantástico, que encantará
leitores de García Marquez, Borges, mas também aos antigos o bastante para se lembrarem
de novelas como Saramandaia, que foi ao ar bem antes de Fred nascer e da qual
nem este resenhista se recorda direito, mas a índia que come, come, come não
remete à Dona Redonda que explodiu? Tanto o falecido Dias Gomes, quanto o jovem
(not really!) game designer roqueiro
hipster bebem na mesma fonte nesta pós-pós-modernidade, na qual essa história
de há mais de cem anos ainda faz tanto sentido.
Talvez a maior tragédia de Desamparo seja poder ser
sumarizado como ainda somos e pensamos como os tataravós de nossos
tetravós. Disso tem consciência a
desencantada, mas um pouco esperançosa narradora. Pena para nós – não para o
livro –, que não dê realmente para crer nesse fio de esperança; soa mais como
se enganar para justificar continuar existindo.
Apesar de tratar do ocaso de um povo e início do domínio
de outro (que vive em briga, então pode acabar como o que exterminou),
Desamparo é ágil. Atinados com nossos tempos de farta oferta de histórias em
diversas mídias, os capítulos são curtos, então dá pra ler de boa no trajeto do
metrô ou no pouco tempo livre que geralmente nos sobra hoje.
Alguém já disse que Fred sabiamente evitou reproduzir
alguma suposta linguagem caipira centenária. Muito bem apontado. Esperto, o
menino sabia que incorria no risco de pagar mico soando postiço (fake, como
amam os descoletes agora), além de tornar a leitura desnecessariamente
complicada e pesada. Longe de ser pedestre, a linguagem não tenta imitar
sotaques, mas, é bem coloquial. Atente, porém, para algumas frases totalmente
citáveis.
Ser imagético não necessariamente garantiria bom filme ou
série. No máximo, grandes quadros. Desamparo motiva o leitor a querer seguir,
tem reviravoltas, personagens excentricamente interessantes, cenas de ação e gore (yeah!).
Leitores mais frequentes sabem que este blogueiro é fã de
ficção-científica envolvendo discos-voadores, contatos com alienígenas. Essa
curiosidade é puramente ficcional. Não tenho a menor vontade de que nós terráqueos
os contatemos. Pelo menos não enquanto eu esteja por aqui. Ler o sertanejo
Desamparo só reforçou essa convicção: e se os ETs estiverem para nós, como os
brancos para os caingangues? Melhor não arriscar: pelo menos esperem até que eu
morra.
Recomendo ativamente o livro, que pode ser comprado pelo
link:
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