Roberto Rillo Bíscaro
Difícil contestar que visões mais extremadas de direita
tenham ganhado destaque. Os virulentos ataques ao feminismo e a imigrantes,
presentes nos manifestos do terrorista Anders Behring Breivik, por exemplo,
hoje são usados em campanhas eleitorais e por “gente de bem” ao redor do globo,
sem grandes problemas ou pudores.
Em 22 de julho, de 2011, Breivik chacinou dezenas de
pessoas – em sua maioria jovens – na capital norueguesa e numa ilhota
adjacente. Já estive em Oslo nesse mês e a sensação de paz, segurança, limpeza
é tão grande, que nem sei se dá pra dimensionar o choque surpreso da população
com edifício governamental voando pelos ares e molecada metralhada em
acampamento de verão. Sem exagero, no primeiro sábado após a volta da viagem
escandinava, comentei com amigos quão proporcionalmente mais barulhento é o
centro de minha média cidade brasileira, com seus carros de som e lojas
berrando seus produtos e música de que não gosto, comparando com a
tranquilidade norueguesa.
A Netflix adicionou ao catálogo o longa 22 de Julho,
roteirizado e dirigido pelo experiente e humano Paul Greengrass. Nas mãos do
britânico, o pesado, comovente e enfurecedor material não vira tablodice
sensacionalista. Antes, sua cinematografia algo sombria, adquire ares quase de
docudrama.
22 de Julho foi baseado em um livro e paraleliza o
julgamento de Breivik à história de recuperação do adolescente Viljar Hanssen,
que além da cegueira de um olho e entraves motores terá que conviver com
fragmentos de bala no cérebro, que, ao menor deslocamento, podem matá-lo.
O filme não escapa de representar o massacre e o faz logo
no primeiro ato. Um dos muitos cuidados respeitosos de Greengrass pode ser
observado nessa longa sequência. Lógico que há que registrar o desespero dos
adolescentes tentando salvar suas vidas, mas sendo eliminados como moscas pelas
rajadas. Mas, 22 de Julho não mostra close
ups dramáticos ou montanhas de corpos ensanguentados. É tudo meio de longe,
exceto no caso de Hanssen, porque, temos que nos identificar com ele. Digamos
que não seja algo muito difícil, a não ser que o espectador seja algum
extremista desequilibrado como Breivik.
Mas, para o espectador que se considera mais liberal,
cabeça aberta, multiculturalista, legalista, ou qualquer que seja o termo
exato, fica uma grande arapuca nos segundo e terceiro atos. Como acompanhamos a
dor física e psicológica do lindo Viljar – como não se compadecer com o
sofrimento de uma quase criança? – em contraposição aos desconexos discursos do
assassino, pode ficar difícil não incorrer no “bandido bom é bandido morto”.
E esse é outro mérito do filme e da Noruega: ambos deram
voz a Breivik e garantiram-lhe tratamento e julgamento justos. A ideia de 22 de
Julho é de esperança, é de não se tornar como o agressor.
22 de Julho não é perfeito e as mulheres têm do que
reclamar, porque a polpuda parte misógina dos manifestos de Breivik foi
suprimida. Além disso, embora o forte tom xenófobo não seja ignorado pelo
roteiro, a única personagem que poderia dar voz à mulher norueguesa não-caucasiana
é secundária aos machos adultos brancos machucados em mais de um sentido, que
compõem o centro da narrativa.
Em uma produção falada em inglês, interpretada por elenco
norueguês, nem todos os atores estão confortáveis o bastante para interpretar
convincentemente. Isso não estraga a obra, mas para entendedores de inglês, às vezes,
o sotaque é carregado demais e fica meio artificial. Isso é preço bem pequenino
a se pagar por ter um produto mais acessível ao mercado internacional e atuado
por gente que tem mais conexão com o representado.
Destaque tem que ser dado
ao jovem Jonas Strand Gravli, que interpreta Viljar Hanssen. Mesmo atuando em
idioma que não é o seu, o ator consegue transmitir todo o tormento emocional e
físico que a personagem experiencia por tantos motivos, após o ataque e durante
sua longa e dolorosa recuperação. E é em Viljar que Greengrass representa a questão
da possibilidade de “superar” trauma tão devastador. Provavelmente, como no
caso da guerra (First They Killed My Father, na Netflix, é ótimo exemplo), não
dê para falar em superação, mas em convivência com os fantasmas e transformação
da dor em militância para um planeta melhor.
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