domingo, 21 de outubro de 2018

“SUPERANDO” O TERRORISMO

Roberto Rillo Bíscaro

Difícil contestar que visões mais extremadas de direita tenham ganhado destaque. Os virulentos ataques ao feminismo e a imigrantes, presentes nos manifestos do terrorista Anders Behring Breivik, por exemplo, hoje são usados em campanhas eleitorais e por “gente de bem” ao redor do globo, sem grandes problemas ou pudores.
Em 22 de julho, de 2011, Breivik chacinou dezenas de pessoas – em sua maioria jovens – na capital norueguesa e numa ilhota adjacente. Já estive em Oslo nesse mês e a sensação de paz, segurança, limpeza é tão grande, que nem sei se dá pra dimensionar o choque surpreso da população com edifício governamental voando pelos ares e molecada metralhada em acampamento de verão. Sem exagero, no primeiro sábado após a volta da viagem escandinava, comentei com amigos quão proporcionalmente mais barulhento é o centro de minha média cidade brasileira, com seus carros de som e lojas berrando seus produtos e música de que não gosto, comparando com a tranquilidade norueguesa.
A Netflix adicionou ao catálogo o longa 22 de Julho, roteirizado e dirigido pelo experiente e humano Paul Greengrass. Nas mãos do britânico, o pesado, comovente e enfurecedor material não vira tablodice sensacionalista. Antes, sua cinematografia algo sombria, adquire ares quase de docudrama.
22 de Julho foi baseado em um livro e paraleliza o julgamento de Breivik à história de recuperação do adolescente Viljar Hanssen, que além da cegueira de um olho e entraves motores terá que conviver com fragmentos de bala no cérebro, que, ao menor deslocamento, podem matá-lo.
O filme não escapa de representar o massacre e o faz logo no primeiro ato. Um dos muitos cuidados respeitosos de Greengrass pode ser observado nessa longa sequência. Lógico que há que registrar o desespero dos adolescentes tentando salvar suas vidas, mas sendo eliminados como moscas pelas rajadas. Mas, 22 de Julho não mostra close ups dramáticos ou montanhas de corpos ensanguentados. É tudo meio de longe, exceto no caso de Hanssen, porque, temos que nos identificar com ele. Digamos que não seja algo muito difícil, a não ser que o espectador seja algum extremista desequilibrado como Breivik.
Mas, para o espectador que se considera mais liberal, cabeça aberta, multiculturalista, legalista, ou qualquer que seja o termo exato, fica uma grande arapuca nos segundo e terceiro atos. Como acompanhamos a dor física e psicológica do lindo Viljar – como não se compadecer com o sofrimento de uma quase criança? – em contraposição aos desconexos discursos do assassino, pode ficar difícil não incorrer no “bandido bom é bandido morto”.
E esse é outro mérito do filme e da Noruega: ambos deram voz a Breivik e garantiram-lhe tratamento e julgamento justos. A ideia de 22 de Julho é de esperança, é de não se tornar como o agressor.
22 de Julho não é perfeito e as mulheres têm do que reclamar, porque a polpuda parte misógina dos manifestos de Breivik foi suprimida. Além disso, embora o forte tom xenófobo não seja ignorado pelo roteiro, a única personagem que poderia dar voz à mulher norueguesa não-caucasiana é secundária aos machos adultos brancos machucados em mais de um sentido, que compõem o centro da narrativa.
Em uma produção falada em inglês, interpretada por elenco norueguês, nem todos os atores estão confortáveis o bastante para interpretar convincentemente. Isso não estraga a obra, mas para entendedores de inglês, às vezes, o sotaque é carregado demais e fica meio artificial. Isso é preço bem pequenino a se pagar por ter um produto mais acessível ao mercado internacional e atuado por gente que tem mais conexão com o representado.
Destaque tem que ser dado ao jovem Jonas Strand Gravli, que interpreta Viljar Hanssen. Mesmo atuando em idioma que não é o seu, o ator consegue transmitir todo o tormento emocional e físico que a personagem experiencia por tantos motivos, após o ataque e durante sua longa e dolorosa recuperação. E é em Viljar que Greengrass representa a questão da possibilidade de “superar” trauma tão devastador. Provavelmente, como no caso da guerra (First They Killed My Father, na Netflix, é ótimo exemplo), não dê para falar em superação, mas em convivência com os fantasmas e transformação da dor em militância para um planeta melhor.

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