Roberto Rillo Bíscaro
Quando fui ao Cine São Joaquim ver O Fugitivo, a série em
que fora baseado já era de outra era. Era 1993, e as 4 temporadas de The
Fugitive tinham sido exibidas entre setembro de 1963 e agosto de 1967, o que
significa que o último dos 120 capítulos foi ao ar, quando eu tinha 7 meses.
Quando resolvi ver a íntegra da série da ABC, o filme
estrelado por Harrison Ford e Tommy Lee Jones é que já era de outra era pra
juventude de hoje. Como voa esse maldito tempo!
Clássico gerador de
imitações ao longo das décadas, The Fugitive é sobre o Dr. Richard Kimble,
médico de Chicago, que após discutir com a esposa, sai pra espairecer, mas
quando retorna encontra-a morta e é culpabilizado. Julgado e condenado à morte,
consegue escapar enquanto é conduzido à penitenciária pelo Tenente Philip
Gerard. Kimble vira um homem de braço só fugindo da cena do crime, mas não fora
levado a sério. Durante a série, o médico percorre todo o território
norte-americano, fugindo de Gerard e perseguindo o Homem de Braço Só.
Desconheço se apenas provas circunstanciais são
suficientes pra conduzir alguém ao corredor da morte, mas mesmo que não sejam,
O Fugitivo continuará merecendo seu estatuto de clássico. Remetendo ao mito
hercúleo do atormentado benévolo que ziguezagueia sem guarida por sua própria
terra, Richard Kimble parece imã pra atrair problemas, mas por onde quer que
passe, transforma vidas com sua decência, integridade e bondade às vezes
levadas às raias da teimosia masoquista. Esse tipo de situação e personagem
renderiam séries como Os Invasores, O Incrível Hulk e tantas outras.
Claro que há marmeladas: no mundo superperigoso e vigiado
de Richard Kimble, ele aparece a cada episódio sob nome diferente. Até aí nada
de errado, mas acompanhando o nome, documentos falsos. Que fácil consegui-los
num show, não?
Mas, é difícil não
empatizar e genuinamente torcer pelo médico, não apenas porque sabemos que é
inocente, mas porque sua nêmesis é obstinadamente antipática. O Tenente Gerard
parece usar viseira de cavalo, porque só enxerga pra frente, e olha que ao
longo das 4 temporadas Kimble salva seu filho, esposa e o próprio policial mais
de uma vez. O britânico Barry Morse está esplêndido com seu sotaque
estadunidense e fala sempre afável. Como é inflexível e arrogante, sempre
amamos os olés que toma de Kimble, que sempre escapa por um triz.
Os roteiros são tão bem urdidos – era gente que cresceu
com clássicos tipo Salário do Medo e Hitchcock – que mesmo sabendo que o Dr.
Kimble se safaria, é difícil não ficar tenso, com as procrastinações e azares
que podem significar sua captura. Quando David Janssen dá aquelas paradinhas
pra olhar a câmera ao invés de fugir logo, dá vontade de gritar pra parar de
enrolar e vazar.
Roteiros competentes que se seguram até hoje; antagonista
odiável; um inocente injustamente acusado. Tudo contribui pra que essa produção
de Quinn Martin (o mesmo de São Francisco Urgente) se sobressaia no mar de
mediocridade que era a TV da época. Que o protagonista injustiçado tenha sido
regiamente interpretado por David Janssen só ajudou.
Dá pra crer, porque tantas pessoas ao longo de sua
peregrinação acreditam em sua inocência só de ouvi-lo dizer. Sua personagem é
bondosa, mas sua discreta presença, cheia de silêncios, meneares de cabeça e
sua voz baixa e rouca tornam-no gostável em poucos segundos. OK que seus
ocasionais grunhidos ininteligíveis às vezes exasperam, mas lembremos que
então, a maioria dos atores queria ser macho como Marlon Brando (que também
adorava um bom macho). Como diz Barry Morse numa das minientrevistas da caixa
de DVDS com a série completa, não faltava gente pra esconder Kimble debaixo da
cama. Mas não necessariamente embaixo...
Com trilha sonora marcante e três das temporadas ainda em
branco e preto, O Fugitivo continua um prazer viciante de se ver e mesmo pra
nós mais velhos, já acostumados à contemporaneidade, parece estarmos presenciando
algo duma dimensão paralela.
Não apenas porque não vemos celulares – mas em um
episódio já se ensaia usar um computador pra rastrear o Fugitivo! Tosqueira
hard pra era dos notebooks! – mas, porque há atitudes hoje alienígenas, como
fumar como doidos em qualquer lugar, inclusive hospitais. Homaiada de terno e
chapéu na rua; xerife dando canivete de presente prum guri de 8, 9 anos e
aluninhos saindo pruma excursão balançando-se na perigosa caçamba duma
caminhonete. Imagine isso numa série de hoje o estouro de reclamações que não
causaria. Curioso que se aparecem vísceras num episódio de TV aberta, passa
batido. Será que sangue e autópsia é o novo cigarro?
Mesmo que algo moroso pros padrões atuais de velocidade
supersônica de diálogo e trama – falas em um capítulo de Scandal dão dois d’O
Fugitivo! – apreciadores de boas histórias adorarão a série, que também inovou
ao propiciar um desfecho pra correria de gato e rato. Isso não era comum na
época; não havia preocupação com o que hoje denomina-se closure ou simplesmente respeito pra com o telespectador que
investiu tempo e emoção nas personagens.
No capítulo final, Dr. Kimble consegue provar sua
inocência (não vá me dizer que você esperava diferente?), não sem pequena
reviravolta por parte de Gerard.
Nem quero imaginar o estresse pós-traumático que o cara
enfrentaria na vida real depois de anos sendo perseguido, esmurrado, humilhado,
baleado, porque o Dr. Kimble come o pão que o diabo amassou.
Por tantos motivos, é
inesquecível.
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