Roberto Rillo Bíscaro
O caos das relações entre judeus e palestinos ganhou
adição no catálogo da Netflix, com a segunda temporada de Fauda, série
israelense, cuja temporada inicial foi resenhada aqui.
A dúzia de capítulos repete a estrutura de seus
antecessores: o ex-agente Doron está sossegado em seu canto, quando é impelido
a intervir com o serviço secreto, para caçar perigosos terroristas árabes, que
ameaçam Israel e sua família. Começa meio lento, mas quando engata, pega fogo.
A Netflix repetiu o tratamento dado à temporada primeira:
falas dos israelenses dubladas, mas não a dos árabes, contribuindo pra que nos
identifiquemos mais com os primeiros, porque os “entendemos”.
O problema com essa vinda de Fauda é que qualquer verniz
de entendimento de ambos os lados foi definitivamente solapado. Árabes estão
divididos em facções rivais que se odeiam; são inflexíveis fundamentalistas
religiosos e suas mortes (abundantes) não recebem quase qualquer tipo de
consternação diegética, como acontece se um israelense simplesmente leva um
tropeção.
Destarte, recomenda-se
cautela redobrada ao definir como “realismo” o que se vê. Na verdade, vemos a
história contada pelo ponto de vista do país produtor de Fauda. Atentando-se
pra isso, continua entretendo.
Mamon é um termo derivado da Bíblia, para descrever
riqueza material ou cobiça, na maioria das vezes, mas nem sempre, personificado
como divindade. A palavra é transliteração do termo hebraico "Mamom"
(מָמוֹן),
que significa literalmente "dinheiro". Como ser, Mamon representa o
terceiro pecado, a Ganância ou Avareza, também o anticristo, devorador de
almas, e um dos sete príncipes do Inferno.
A despeito do poderio metafórico que a palavra enseja, a
temporada primeira da série norueguesa homônima desapontou tanto, que sequer
cogitava ver a segunda. Não segui detalhes de produção, na página Scanoir, no
Facebook, nada.
Quando descobri que os 8 capítulos da temporada dois,
exibidos em 2016, ganharam o Emmy internacional, topei dar chance. Veria um par
de episódios; se não curtisse, lixo e bora pra próxima (minis)série, porque
abundam.
Não dá pra dizer que o roteiro espalhafatoso seja
extremamente inteligente e culto, mas Mammon não deixa as coisas se assentarem;
é montanha-russa escandinava de intriga e morte na Noruega e Turquia. Morre
tanto personagem que lá pelo capítulo 6, cogitei se sobraria alguém no fim.
Sobra, mas não muitos e não toda a estrutura política da podre de rica nação
europeia.
Há um adorado primeiro-ministro que pretende lançar
ambicioso programa educacional pra garantir a riqueza da Noruega depois que o
petróleo acabe. Há companheiro de partido ressentido, que quer seu lugar. Há o
mesmo jornalista da temporada 1 se envolvendo em um caso muito perigoso, depois
que um colega de redação é morto no carro. Há possível traição nacional, intriga
corporativa, há o governo da China, há menina estuprada. E no fim tudo isso
está ligado. Talvez o espectador nem entenda direito como, mas o que importa
nessas séries é manter nossa atenção e isso Mammon consegue.
Talvez pra justificar a alusão mitológica do título, os
assassinatos geralmente envolvem tiro ou mutilação num/dum olho. Há que se
lembrar que Odin sacrificou um dos seus por conhecimento e o primeiro-ministro
chama seu projeto educacional de Yggdrasil. No fim, uma das perguntas de Mammon
será se vale tudo para garantir o conhecimento.
Como essa temporada é
independente da inicial, dá pra desconsiderar a primeira e se divertir só com a
segunda.
O sucesso da temporada primeira de Salamander (resenha aqui) fez com que a Eén comissionasse segunda. Não era pra menos: primeira
série belga importada pela BBC4; anexada a alguns catálogos da Netflix e até
cogita-se refilmagem em inglês. O grisalho inspetor Paul Gerardi foi cabeça de
lança da pequena invasão de TV belga que se seguiu e está em pleno curso. Como
sua colega dinamarquesa Sara Lund fora pras produções escandinavas.
Apesar de encomendados há cinco anos, a dezena de
capítulos da temporada dois só veio a público no início deste ano. Como
Salamander não é o nome do protagonista, mas duma organização secreta
desmantelada na temporada um, o roteiro precisou criar elo entre as duas
temporadas, mas manter sua independência pra não alienar os que não viram a
aventura inicial.
A segunda temporada tem como subtítulo Blood Diamonds, ou
Diamantes de sangue. O termo se refere às pedras extraídas em zonas de guerra,
geralmente na África, donde atualmente cerca de dois terços dos diamantes do
mundo são extraídos e vendidos para financiar grupos insurgentes, um exército
invasor ou, um senhor da guerra. Diamantes assim obtidos são geralmente
extraídos por mão de obra escrava ou trabalhadores em condições análogas à
escravidão.
Na pobre e sempre em guerra Kitangi, um general malvado
quer chegar ao poder e pra isso não mede esforços e balas. Quando um vídeo
comprometedor chega à Bélgica, o inspetor Gerardi é arrastado pro olho do
furacão, que envolve empresários, bancos e o próprio governo belga. Pra
justificar tamanha rede conspiratória e liga-la à temporada um, pode haver
resquícios da Salamander envolvidos.
Salamander: Blood Diamonds é a temporada um em cenário
ligeiramente alterado. Embora agora viva numa bela mansão no campo, o inspetor
Gerardi segue incorruptível e viciado em trabalho ético. Uma vez enredado na
nova trama, seus superiores duvidam da magnitude de suas suspeitas, ele é
afastado do caso, mas segue investigando por conta própria, até resolver tudo e
restituir a paz ao pequeno país europeu.
Se mantivesse apenas a
estrutura não haveria o menor problema, afinal, quantas tramas policiais não se
encaixam no descrito? O problema é que Blood Diamonds repete os erros de sua
antecessora: mesmo com menos episódios, há cenas longas demais e certa
enrolação; daria pra contar a história em meia dúzia de capítulos.
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