Roberto Rillo Bíscaro
A venerável BBC tem canal direcionado aos miúdos, a CBBC,
sendo que o C é de Children’s. É dele, em associação com o canadense Family
Channel, que saíram os 13 episódios de Diário de Horrores, recentemente
incorporados à Netflix.
Originalmente batizada de Creeped Out, Horrores não deixa
de ser exagero, porque as histórias estão mais pra fantasia, sobrenatural,
aventura e ficção-científica. É muito mais Histórias Extraordinárias do que
Contos da Cripta. Um Black Mirror Kids, ou A Quinta Dimensão mirim.
Adultos devem estar se perguntando se vale a pena
investir tempo. Sim, é muito divertida e deliciosamente genérica. Se seu
repertório é amplo e sua idade não muito tenra, vai te lembrar desde Stranger
Things até Janela Indiscreta.
Cada fábula moral é precedida e sucedida por narradora
que tece considerações “filosóficas” a respeito. A desculpa pra voz em off é que um mascarado chamado O Curioso
está sempre nas cercanias de cada história e dela pega algum souvenir ao fim do episódio. Tem
musiquinha misteriosa e a maioria dos protagonistas é infanto-juvenil pro
público-alvo se identificar. Até o Curioso é jovem e antes de assustador, é
enigmático.
Diário de Horrores é pra
dar medinho gostoso, como aquelas histórias de acampamento à beira da fogueira.
Menina que tem vergonha dos pais; menino que acha que trapacear não tem
problema, desde que não machuque ninguém.
Um podcast é
como um programa de rádio, porém sua diferença e vantagem primordial é que o
conteúdo está a sua disposição para ouvir na hora em que bem entender. Basta
acessar e clicar no play ou baixar o
episódio. Assim como a TV, o rádio e o jornal, o podcast é uma mídia de transmissão de informações, porém como sua
origem é muito recente, ainda está em seu processo de crescimento,
principalmente no Brasil, onde atinge poucas pessoas.
Para fãs do sobrenatural, ocultismo, horror, folclore
urbano, o mais aclamado podcast à
disposição é o premiado Lore, criado por Aaron Mahnke, em 2015 e que já tem
dezenas de episódios. O norte-americano conta histórias bem estranhas do
passado e, quando possível, liga-as com crenças até hoje conhecidas, aceitas ou
compartilhadas.
Se você entende inglês e curte ouvir histórias de
arrepiar – Mahnke precisa fazer podcast
explicativa sobre a tradição que segue nessas transmissões, a das histórias de
horror ao redor da fogueira – eis o endereço de acesso:
Ano passado, Aaron transportou algumas histórias pras
telinhas e a Amazon ajudou a produzir e distribui os seis episódios de Lore, em
sua plataforma de streaming, desde
outubro de 2017. Uma segunda temporada logo estará a disposição.
O show tenta
ser mais dinâmico do que na realidade é. Há animações, gráficos, fotos, imagens
de arquivo, narração, efeitos sonoros e encenação. Soa como pós-moderna
experiência multissensorial inovadora, mas é apenas um filme pra TV
interrompido muito frequentemente, às vezes com histórias que se querem
complementares, mas não são, como no episódio sobre os espíritos-impostores irlandeses
(que sotaque podre é aquele !?), onde a história duma atiradora norte-americana
para tudo e a gente não percebe bem porquê, uma vez que não há changelings envolvidos. Não que tenha
sido desinteressante aprender sobre Annie Oakley – a primeira grande
celebridade ianque vivia de armas, isso não é sintomático? – mas não tem nada a
ver com a história da esposa torrada pelo marido que a achava uma sósia.
O pecadilho de Lore é que a parte dramática geralmente é meio
insossa; seria bem mais legal se fosse documentário de vez; bem dinâmico, que
problema teria? O pecadinho do telespectador é acreditar em tudo acriticamente,
como se fosse tudo de verdade. Há tendência de ver o passado como
intrinsecamente atrasado e as crenças e práticas descritas, como generalizadas.
Não é tão simples assim e as relações de causa e consequência podem não ser as
que Aaron quer.
Tendo esse cuidado, Lore é bem curtível e fãs do
desconfortável adorarão as bizarrices relatadas, como o pânico de ser enterrado
vivo levando a velórios longos até o início da putrefação, pra se ter certeza
da morte; o mexicano que pendurou centenas de bonecas em cordas numa ilha pra
apaziguar um espírito e a lenda do lobisomem (Mahnke apresenta uma versão, mas
há diversas). Pra quem quer inúteis efemérides úteis pra rodas de papo com
amigos, Lore traz um monte de suculências. Verei a próxima temporada de boa. Podcast não tenho saco, me dá sono.
Nota desanimadora e pra
pensar: a história mais agoniante e perturbadora não é lenda urbana; é a do Dr.
Walter Freeman, desenvolvedor da lobotomia, que consistia em enfiar um espeto
de aço pelo nariz do paciente (vítima ficaria melhor) acordado, mas chocado (no
sentido de ter levado choque) e lhe danificar ligações no cérebro. Então, e a
ciência sempre tem razão, certo?
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