Roberto Rillo Bíscaro
Série policial escandinava que não seja lúgubre,
escurecida e esfriada por céus cinza, chuva e neve, com detetive deprimido(a),
usando sempre a mesma roupa pode soar alienígena pra espectadores apenas dos sucessos
planetários, como Wallander, Forbrydelsen ou Bron/Broen.
Claro que os milhões de leitores do Albino Incoerente
sabem de séries destoantes desse estereótipo, como Irene Huss ou Arne Dahl.
Hoje é dia de conhecer outra: Dicte. A TV2 Danmark exibiu a trintena de
episódios, divididos em 3 temporadas de 10 capítulos cada, entre 2013 e 2016.
Baseada nos romances de Elsebeth Egholm, Dicte é sobre a
personagem-título, jornalista que retorna a sua nativa Aarhus após o divórcio.
Um dos predicados da série é fugir da capital Copenhague. Com área
metropolitana de mais de 300 mil habitantes, a fofa cidade é o centro econômico
da Jutlândia. Essa teteia limpa, porém, esconde crimes envolvendo imigrantes,
drogas e muita desdita familiar e pessoal.
Dicte Svendsen começa a trabalhar num dos diários locais,
escrevendo pra seção policial. Como toda boa protagonista de série policial, os
corpos não param de aparecer onde quer que esteja e praticamente todos seus
amigos e familiares ficarão em perigo ou morrerão uma hora ou outra. Esse é o
alerta pra quando você for fazer amizades: certifique-se de que a pessoa não
seja protagonista de programa de detetive, senão, você tem sérias chances de se
estrepar, especialmente se não for melhor amigo.
Dicte vive relação de cooperação e turras com John
Wagner, mas sem sugestão de relacionamento afetivo. Como boa parte das séries
atuais, não há muito mais espaço praqueles detetives amadores congelados num
eterno presente, tipo Jessica Fletcher. Hoje, paralelamente às investigações,
conhecemos e nos importamos com a vida pessoal dos sherlockes, em tramas que
perpassam capítulos, temporadas. Nos seriados mais antigos, havia um sobrinho
recorrente ou algo do gênero, mas quase nunca vida pessoal que durasse mais do
que menção a uma festa ou congênere.
Em Dicte, os 30 capítulos também contam o desenrolar de
sua vida desde que retorna a Aarhus, donde saíra não apenas devido ao casamento
com Torsten, mas pra fugir da dor provocada pelos pais Testemunhas de Jeová,
que lhe impuseram cruel escolha, quando tinha apenas 16 anos.
Assim, se cada caso ocupa 2 episódios, cada vez mais
parte desse tempo é ocupada pelo drama (no sentido de oposto de cômico), que
adiciona parentes recuperados, amigos que se envolvem com os primeiros, numa vibe bem dinamarquesa de aborto
mencionado como escolha perfeitamente natural. Daria pra argumentar até que
Dicte desova tanto conteúdo interpessoal da personagem na história, que os
casos por vezes parecem esquemáticos. Porque, no fundo do coração, Dicte daria
adulta e inteligente série dramática de mão cheia.
As personagens são bastante gostáveis e pra estrangeiros
a reclamação de que o sotaque regional de alguns atores está caricato não faz a
menor diferença, então dá pra amar Dicte, ver que Torsten é muito legal e ficar
passado com o espetacular início da temporada 3, que me fez ficar acordado até
bem mais de 2 da manhã, porque houve reviravolta de 180 graus. Mas, ficou
faltando coisa depois disso, e fico feliz que essa seja a temporada derradeira.
Dicte não é obra-prima em
nenhum dos subgêneros em que navega e se sai melhor no quesito drama do que no
marketado policial, mas é uma delícia de assistir. Pena que nossa Netflix não a
possua em seu catálogo. Se eu fosse você e gostasse de sair do circuito ianque
de séries de vez em quando, começaria agora a bombardear o serviço de streaming pra que adquirisse os direitos
pra América Latina.
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