domingo, 28 de outubro de 2018

UNINDO DIFERENÇAS

Roberto Rillo Bíscaro

A superabundância de notícias da contemporaneidade pode ser sufocante, porque a quantidade de fatos ruins parece avolumar-se diariamente. Relaxar e tentar esquecer a enxurrada de negatividade é imperativo para nossa sanidade.

Duas leves comédias francesas no catálogo da Netflix cumprem essa tarefa, com bônus: mostram que há gente fazendo coisas positivas, que tentam diminuir as distâncias entre as diferenças, ao invés de alargá-las. Nenhuma delas logrará entrar para a história do cinema como obras-primas, mas garantem boa hora e meia de fuga para um mundo que reconhece a existência das tensões das quais o expectador tenta escapar, ao mesmo tempo que lhes oferece soluções – ainda que simplistas.

Que Mal Eu Fiz a Deus (2014) faturou alto nas bilheterias francesas, com sua história de integração multirreligiosa e étnica. Os maduros Claude e Marie são católicos conservadores, que tiveram que engolir os casamentos de suas filhas com um muçulmano, um judeu e um chinês. A esperança de que a quarta filha se casasse com um caucasiano é estilhaçada, quando ela anuncia seu noivado.

O roteiro joga com os estereótipos e as piadinhas nem tão inocentes a respeito de cada etnia/religião. Às vezes, tais generalizações ou chistes levam a discussões. Quem já não presenciou pais/tios tentando achar alguma boa qualidade em genros/noras ou falando mal dos parentes após lauto almoço de família? Esse é o universo de classe-média alta de Que Mal Eu Fiz a Deus.

Em uma nação lotada de imigrantes, todos os membros da família são nascidos na França, mas a mensagem é a possibilidade de se conviver com as diferenças religiosas, ressaltando o que há de comum entre as pessoas. E nesse quesito, o pai do novo noivo – embora irritante, às vezes – é exemplar, ao mostrar que um não-caucasiano pode ter os mesmos preconceitos do que aqueles. Mas, em se descobrindo a mínima humanidade comum, é possível viver em harmonia.

A Netflix optou por deixar o título em inglês para a produção do ano passado, He Even Has Your Eyes. Estruturalmente bem parecida a Que Mal Eu Fiz a Deus, a película também brinca com a inversão de um lugar-comum. Casais brancos anônimos e famosos vivem adotando crianças afrodescendentes. Mas, como seria um bebê branquinho fosse adotado por um casal de negros?

Por ser comédia que não pretende tecer tese de psicologia comportamental ou sociologia, He Even has Your Eyes aborda de leve as reações esperadas em tal situação, como confundir a mãe adotiva com uma babá e a inicial repulsa da colorida avó materna senegalesa e de seu durão marido, bem ao modo dos pais do noivo de Que Mal Eu Fiz a Deus.

Sem entrar no âmbito religioso, a integração aspirada em He Even Has Your Eyes é étnica e insiste no conceito de família estendida, que não precisa ser o modelo dos comerciais de margarina para ser funcional e feliz. 

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