quinta-feira, 29 de novembro de 2018

TELONA QUENTE 264

Roberto Rillo Bíscaro

Não cultuo Winston Churchill e acho sacais as representações do relacionamento dele com a esposa, sempre a paciente estoica, que o coloca na linha, quando necessário, na vibe “atrás de um grande homem”. Metido a entender de tudo, de política a pintura e literatura, o estadista é reverenciado frequentemente como o britânico mais importante de todos os tempos e é compreensível pelo papel que teve como líder durante os duros anos da Segunda Guerra.
Meio como Lear ou Hamlet, a personagem Churchill tem sido objeto de desejo de diversos atores. Amados mios, como John LIthgow e Albert Finney interpretaram o charutudo. Quando soube que Brian Cox o fez em Churchill (2017), tive que vê-lo. Não me arrependo: pra quem curte dramas históricos bem dialogados, padrão britânico pra exportação, o filme acerta em cheio. Se havia samba-exaltação, deveria haver a categoria filme-exaltação e Churchill é desse tipo.
O título é bem pouco criativo e representativo, porém. Passa a impressão de cinebiografia abarcante de toda vida ou grande pedaço dela; do processo de formação dum ícone ou coisa assim. Nada disso, Churchill recorta menos de uma semana na vida do Primeiro-Ministro.
Hoje, sabemos que a Operação Overlord foi decisiva pra derrota alemã. Ela teve início com o desembarque dos Aliados nas praias da Normandia, em 6 de junho de 1944, o “Dia D”. Mais de 1 milhão de soldados entraram no território francês ocupado pelos nazistas, em ataque anfíbio. O ancião Sir Winston Churchill descria do plano, baseado em suas experiências da Primeira Guerra, décadas atrás, em um outro mundo.
Churchill é sobre obsolescência e como encará-la com dignidade dolorida. Mais jovens, como Eisenhower, entendem melhor o mundo novo, por isso assumem o controle das operações. E aí reside ponto fulcral que o roteiro não aborda, mas está subentendido: a obsolescência não é apenas a do chefe do governo inglês, mas da própria Inglaterra. Os norte-americanos apenas informam os britânicos sobre os planos pra operação e estes, na figura do general Montgomery, os colocam em ação. Nesse mundo novo, a Europa era segundo escalão.
Brian Cox treme o queixo, expele fumaça pelas narinas feito fumarola, faz um sotaque perfeito e tem até um ou dois momentos de solilóquio shakespeariano: os velhos do Bardo conjuram deuses e bruxas, o pio Churchill reza pedindo que o clima impeça a operação. Muito épico, com fundo musical coral e tudo.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

CONTANDO A VIDA 258

SOBRE “VIRAR O DISCO”, “MEIA SOLA” E “PÁ DE CAL”. 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Por acaso, há pouco tempo, havia conversado com amigo sobre palavras e ditos populares que mudam de sentido à medida que o tempo passa. Essas conversas são sempre interessantes, posto darem medida da força da língua viva e do nosso envelhecimento. Por coincidência, dia desses, me vi explicando a um jovem de seus 12 anos o que significava “mudar o disco”. Foi engraçado, pois a expressão ainda é frequente e eu mesmo me vejo aplicando-a constantemente. Depois de detalhar a evolução das gravações dos “biscoitos”, daqueles discos de 78 rotações, pretos, grossos, quebradiços, detalhei o advento dos LPs com repertório bem maior de canções, de qualidade de som inigualável, e com capas artísticas. Falei também dos mini-discs, gravações que continham poucas músicas e às vezes eram até coloridos, de plástico. A conversa se transformou em viagem ao passado e uma ponte para o presente. Passadas as primeiras informações, expliquei que com o tempo “mudar o disco” tinha se convertido no sentido usual de “mudar de assunto”, em particular, quando o tema de conversas tinha chegado a um limite, ou se esgotado. A imagem do jovem interlocutor se iluminou ao relacionar a mudança de música com o “outro lado da gravação” ou mesmo com a substituição de interpretações. 

E foi assim que progredi para explanar a metáfora da “meia sola”, remetendo-me ao aproveitamento do sapato de sola gasta, como se fazia antigamente. Exercitei, neste caso, minhas habilidades históricas, e lembrei que em países colonizados, em particular naqueles que se regeram pelo trabalho escravo, ter sapatos era sinônimo de status social. E até puxei a conversa para os dias de minha infância e juventude, ocasião em que ainda a indústria de calçado não havia alçado os padrões atuais – que, aliás, coloca o Brasil como grande produtor. Novas admirações se estamparam no olhar curioso do quase mocinho. Saber que havia profissionais específicos e estabelecimentos para promover o aproveitamento dos sapatos, com remendos sucessivos, foi novidade para quem hoje goza do privilégio de reposições frequentes. No embalo da conversa fiada, perguntei: você sabe o que significa “colocar pá de cal”? E nem precisei da negativa; fui logo explicando que os enterros de mortos eram feitos em covas rasas e que para evitar o mau-cheiro se colocava cal. A decorrência disto resultou no significado de “fim de conversa”, ou, como seria mais apropriado “fim de papo”. 

Passados momentos do fim desse “papo legal” com o jovem, fiquei meditando sobre o impacto da atualização da linguagem em geral. Encontrei amparo em leituras que tantos prazeres me dão, como as de Marcos Bagno, prezando a dinâmica da língua. Correlato da vida humana, as línguas variam, as expressões mudam, e as palavras ou morrem ou ressuscitam com outras significações. De tal forma, me entretive nessas constatações que me permiti um mergulho mais consequente, quase filosófico: o que me diriam, hoje, tais expressões? E flanando no livre pensar, como se estivesse em estágios loyolanos atentos aos “exercícios espirituais”, fiz ligações convenientes. Considerei minha perplexidade política, em particular com os resultados das últimas eleições, como denominador comum. Foi mecânica a indicação de que era hora de “mudar o disco”. Chega, pensei. O curto período de campanha foi extenso demais para as retaliações, desavenças, brigas e exaltação de temperamentos. Vamos “mudar o disco”, aflorou-me o dito popular atualizado na incapacidade de entendimento do vertiginoso veredito democrático: eles ganharam. Foi quando, então, me veio à cabeça o segundo ditado “meia sola”. Professando a crença no vigor da sabedoria popular, professei que era hora de colocar “meia sola” em minhas ideias e, mais que aceitar a derrota política, deveria remendar meu incontrolado radicalismo e aproveitar da situação. Logo despontou a ideia de que ser oposição era o forte dos seguidores de minha orientação política. E comecei a sentir firmeza na honrosa derrota eleitoral. Percebi também que faria parte da “meia sola” supor o renascimento das ideais que, por falidas, levaram o partido que aprecio a perder sua cara inaugural, e, o que é mais sintomático, ter perdido exatamente nos rincões que lhe serviram de base. Com certo júbilo, por fim, concluí que era necessário por uma “pá de cal” no meu esforço isolado de lutar contra a correnteza. Ser democrata, afinal, deveria me significar “mudar o disco”, pôr “meia sola” e por fim jogar uma “pá de cal” no tema.     


terça-feira, 27 de novembro de 2018

LEILÃO MACABRO

Grupo luta para evitar que raro leão albino vá a leilão para caçadores
O raro leão albino, de 3 anos, foi apreendido na África do Sul após ser identificado como animal de estimação ilegal. Como manda o protocolo para animais apreendidos, Mufasa deverá ir a leilão. Caçadores são os maiores interessados. Como o leão é infértil, o seu único "valor" seria servir de "troféu" para caçadores, animados com a possibilidade de caçar um animal raro.

Mufasa está sob os cuidados do Centro de Reabilitação da Vida Selvagem de Rustenburg, onde é mantido em cercado com Soraya, a sua companheira, que também foi apreendida. Ela poderá ser leiloada.

Só que uma reviravolta na história começa a se desenhar. O centro de reabilitação disse que um comprador anônimo manifestou interesse em adquirir Mufasa e Soraya. Além disso, o grupo encabeça uma petição, com 250 mil assinaturas para impedir o leilão, e conquistou o apoio do humorista britânico Ricky Gervais, que disse "ter vergonha de sádicos patéticos que pagam para matar animais".

TELINHA QUENTE 337


Roberto Rillo Bíscaro

Dobradinha de séries frustrantes, do catálogo da Netflix, portanto, totalmente acessíveis pra você evitar!

Em fevereiro, a Netflix discretamente adicionou minissérie japonesa ao catálogo. Como jamais vira uma, os capítulos são curtinhos (média de 25 minutos) e prometia suspense, dei chance a Re:Mind (2017).
O título é brincadeira vocabular pós-modernete. Re: é usado como diminutivo de regarding to/referring to, permitindo uma tradução meio como Sobre a Mente. Mas, também é o verbo remind, uma das formas de se dizer lembrar. Supus que seria divertido thriller psicológico teen e isso atraiu também. Mesmo que tivesse pesquisado antes e descoberto que as garotas são dum grupo pop japa, teria assistido. Porque amo menininha cantando J-Pop (embora não fosse isso que esperasse) e porque tava a fim d’emoções baratas.
Re:Mind atiça, há que admitir. Na véspera da formatura do ensino médio, 11 garotas acordam encapuzadas, ao redor duma mesa solenemente posta, numa sala decorada ao exagero. Descobrem que têm os pés presos num alçapão. Do teto, de vez em quando caem bichos escrotos (calma, ratinhos e sapinhos; é suspense migucho, gentchy!) e líquido gosmento, eew! Logo os segredos e podres começam a emergir e a cada lembrança de bullying ou fascistice, as luzes se apagam e uma menina some.
A produção conjunta da TV Tokyo e da Netflix não deve ter saído muito caro, porque é quase toda filmada no interior escuro do misterioso e elegante cativeiro. Na tradição dos suspenses de sala-de-estar e nada alienígena pra quem aguenta falação de Big Bosta.
Os capítulos conseguem manter a curiosidade, porque queremos saber quem as sequestrou, como fazia pra que desaparecessem num piscar de lâmpadas. Também seguram bem a tensão, com música incidental boa e as revelações dos pecados das gurias, que envolvem grupo justiceiro no Twitter, escândalos sexuais e afins.
A frustração de Re:Mind vem na resolução, que não responde a diversas perguntas, nem mesmo às mais óbvias, levantadas neste texto. Aprendemos quem raptou, mas é pífio e de nada ajuda um capítulo ridículo, o 13º, que pretende contextualizar uma história que já dava pra entender. O que queríamos saber eram detalhes técnicos, tipo onde as gurias estavam, como se passavam as coisas, enfim, na época em que mágicos explicaram todos os segredos por trás de suas ilusões, queremos conhecer a mecânica das coisas. Não gostamos muito mais de dúvidas, afinal, investimos tempo nos capítulos e queremos a conclusão da história.
Se quiser experiência incompleta, arrisque-se com Re:Wind. Pra mim, não valeu a pena. Ah, e as japinhas trabalham mal pra burro! Isso eu perdoaria se a trama fosse (bem) concluída. 

Dois fatores levaram-me a ver os 6 episódios de White Gold (2017), da BBC, disponibilizados na Netflix:
a)       A série se passa em 1983. Há um marcador Anos 80, neste blog, então, percebe-se meu fanatismo por aquele decênio.
b)       James Buckley e Joe Thomas, respectivamente o Jay e o Simon de The Inbetweeners, estão no elenco. E amo demais a escatologia daquela série.
Situada na Inglaterra mergulhada de cabeça no neoliberalismo de Thatcher, White Gold pretende-se como sátira do suposto capitalismo selvagem dos anos 80, década dos yuppies, da extravagância, de tudo grande, em resposta à recessão pós-Crise do Petróleo.
Os programas habitacionais da Dama de Ferro permitiram que a classe-média baixa e nem tanto realizasse o sonho da casa própria a preços módicos. Pra turbinar as moradas havia centenas de empresas amigas lançando todo tipo de produtos, um deles janelas isolantes, feitas de um novo tipo de plástico, o Ouro Branco do título. Eram essas marcas de status que realmente endividavam os “babacas”, nos termos de Vincent Swan, vendedor-mor duma revendedora de janelas, que caracteristicamente jamais se dá conta que é tão babaca em termos de fome por aparência, como os de que zomba.
Vincent Swan parece saído de Glengarry Glen Ross (Sucesso a Qualquer Preço), de David Mamet. Vestido e gingando pra parecer cool, é a Lei de Gerson oitentista: trapaceia os companheiros, trai a esposa, enfim, um vigarista sem coração. Brian (Buckley) e Martin (Thomas) são seus colegas de trabalho, versões “adultas” de seus personagens bem mais divertidos de The Inbetweeners.
White Gold esquece de detalhe muito importante numa sitcom: é desprovido de graça de qualquer tipo, seja pastelônica, seja irônica. Sai-se bem em caracterizar a suposta cupidez oitentista, mas não causa risadas ou sorrisos. Também não é drama, porque é realizado em chave supostamente cômica. O resultado são histórias até interessantezinhas, mas que vemos com cara de nada.
Outro problema mal-equacionado é o protagonista antipático, uma das coisas mais difíceis de resolver, porque é pedir pra audiência empatizar com um canalha. Quando bem-escritos e atuados, criam-se personagens memoráveis. Pra ficar nos 80’s, mas em chave dramática, como esquecer de JR Ewing e Alexis Morrel Carrington Colby Dexter Rowan, respectivamente de DALLAS e Dynasty (ambos mencionados em White Gold)? Mas, eles tinham carisma, sorriso arrasador, vestuário mirabolante, enfim, como se dizia na época: eram gente que “amávamos odiar” (sempre amei amá-los!). Mas, tem mais: esses vilões sempre caíam, - quando caíam – de pé; praticamente tinham superpoderes. Lembram-se da mais recente Victoria Grayson, que só realmente se ferrou lá pro final?
Em White Gold, Vincent Swan não passa duma salafrário de classe-média que quer se dar bem, mas em última instância se ferra quase tanto quanto os demais, embora mantenha a pose. É comédia, alegarão, mas daí, sobrepõe-se o problema anterior: como o tom cômico azedou e não dá nem pra rir dele, Vincent Swan não resulta mais do que um sujeito apenas terrivelmente antipático. E de nada ajudam as tiradas direcionadas ao telespectador, ao estilo do outrora interessante House Of Cards norte-americano (a versão britânica é outro naipe, sorry, Mr. Underwood). Enfim, Swan não tem nada de especial ou divertido pra eu pelo menos tolerá-lo; é um zé-ruela pretensioso. E por que eu gostaria de ver segunda temporada disso? A BBC prometera, mas daí, Ed Westwick (o Vincent!) foi acusado de assédio sexual e a emissora suspendeu a produção. Não me importa. 
A salvação de White Gold é a trilha-sonora, repleta de Duran Duran, Police, Ultravox, Culture Club, The Cure, Haircut 100 e tanta coisa mais. Mas daí, compensa montar playlist em algum serviço de streaming e ouvir só as canções, sem aguentar aquela cara de fuinha do Vincent.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 341


Roberto Rillo Bíscaro

Depois da explosão do punk e da disco music, as coisas para o rock progressivo ficaram feias. Nos anos 80, só se sobressaíram as bandas que popearam, como Genesis e Yes. Nos 90’s, houve ressurgência do subgênero, com o King Crimson como fonte de muita influência.
Foram duas bandas que ecoaram o lado mais místico e melódico do prog setentista, porém, que se destacaram em vendas: a norte-americana Spock’s Beard, do Neal Morse e a sueca Flower Kings, do Roine Stolt. Um dos ataques ao rock sinfônico era que faltava o primeiro elemento, em detrimento de excesso do segundo. A geração 90’s conseguiu balancear todas as características do symphonic prog com pegada mais rock, mas só de vez em quando, nada de soar metal ou mesmo muito agressivo.
O Flower Kings semeou florada pujante de projetos paralelos; parece que todo (ex-) membro tem outra(s) banda(s). O baixista Jonas Reingold fundou o Karmakanic, em 2002 e seu trabalho mais recente é o álbum DOT, de 2016, seu quinto de estúdio.
Embora sueco, o Karmakanic faz como quase qualquer banda prog: batiza e canta tudo em inglês. DOT significa ponto e referencia a afirmação do astrônomo Carl Sagan a partir de uma fotografia enviada pela nave Voyager, em 1990. Nosso planeta tão metido a se achar o suprassumo, não passava de poeirinha cósmica, fotografado a tatos bilhões de quilômetros de distância.
Com formação de sexteto e convidados para sax, vocalizações corais e outros instrumentos, DOT tem meia dúzia de faixas perfazendo mais de 50 minutos, mais da metade dos quais é ocupada pelo épico God The Universe And Everything Else No One Really Cares About.
Dividida em duas partes, que abrem e encerram DOT, a parte inicial é o filé mignon. Seus quase 25 minutos são introduzidos por estática eletro-espacial. Manso piano, baixo meio jazz – subgênero referenciado em mais de um momento – encorpam-se aos poucos até vibrarem como energético rock, mas jamais metaliza e os momentos semi-barulhentos são até poucos. Com grandes vocais, inclusive com pedaço com coro infanto-feminino, todos os instrumentos têm chance de brilhar, porque lindas linhas melódicas se sucedem, com tempo suficiente para se desenvolverem e transformarem-se em outras. Fãs da linha prog mais tecladeira espetacularizada, à ELP, sentirão falta de firulas exibicionistas numa faixa que tem teclados, claro, mas tem mais solos lindos reservados à guitarra. Com letra que reconhece a pequenez humana, embora não nos relegue à condição de “nada” (we are all, yet nothing), já valeria a audição do álbum; nada que vem depois alcança tal magnitude.
Os seis minutos da parte 2 de God... começam com grande trabalho de baixo e teclado meio ambient, contrapontuando com percussão em ritmo de marcha. Lá pela metade, o clima cambia pro de guitarra plangente, teclado meio eclesiástico ao fundo e piano delicado. Demora um pouco pra engatar; talvez se estivesse integrada à grande parte 1 ficasse melhor. Encerra bem o álbum, mas...
Higher Ground é o segundo ponto alto, garantindo 35 minutos de excelente prog sinfônico num álbum de 50; tá ótimo! Com letra sobre a infância de Reingold numa medíocre cidadezinha sueca, a canção abre até meio pop, mas se adensa e a segunda metade atinge zênite sinfônico.
O momento mais comercial é o AOR, de Steer By The Stars, que teria feito bonito nos anos 80. Traveling Minds tem baixo jazzy com guitarra plangente, meio hino pra show. Boa, mas não se destaca no mar de canções do estilo.
DOT é irregular em seu padrão total de qualidade, mas nos momentos em que é bom, brilha.

domingo, 25 de novembro de 2018

SUPERANDO PRECONCEITOS ÉTNICOS


Roberto Rillo Bíscaro

Na semana da consciência negra, que tal casar uma história de amor e de superação do racismo? Quem não curte romance, ainda por cima, edificante? Na Netflix, há uma bela opção: Um Reino Unido (2017), dirigido pela anglo-ganesa Amma Asante. E pra deixar o espírito mais animado, trata-se duma história real.
Antes de ser Botsuana, o insular vizinho da África do Sul era protetorado britânico e se chamava Bechuanalândia. Mesmo paupérrimo, o país enviava seus futuros reis pra se educarem na metropolitana Londres. Lá, o Seretse Khama apaixona-se pela plebeia inglesa Ruth Williams. Ciente do bafafá que uma rainha tribal branquela causaria, mas confiante de poder convencer seu povo a aceitá-la, Seretse desposa Ruth. Mas, no fim dos anos 1940, a África do Sul começava a institucionalizar o pavoroso Apartheid, que vigoraria durante décadas. Os sul-africanos não viam com bons olhos um casamento inter-racial tão no seu quintal e os britânicos não queriam desagradar seus fornecedores de diamantes e urânio baratos. Então, as bodas Reais tornam-se assunto de geopolítica internacional tensa.
Um Reino Unido é o típico filme “britânico”, que só tem de modernete certo vai-e-vem temporal. A fotografia contrapõe uma Londres cinza, chuvosa e sem graça a uma África pobre, mas de cores quentes e céus azuis. Essa escolha cumpre função metafórica, porque é o governo inglês que age mais horrivelmente na trama, então a Inglaterra é representada de forma sinistra. Na verdade, a capital inglesa é vibrante, linda e multicor no verão!
Um Reino Unido acaba por mostrar uma dupla superação de preconceito étnico e é ótimo combustível pra começar a aquecer os corações pra propalada harmonia das festas de fim de ano, especialmente, este, tão dividido para os brasileiros.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

TELONA QUENTE 263


Roberto Rillo Bíscaro

A celebração da família como célula matricial da sociedade passa tanto pela fofura da idealização natalina, quanto pela invenção do conceito de família estendida, quanto pelo oportunismo cínico de campanhas políticas. É tanto amor pela família, que há quem tenha mais de uma: a “oficial” e uma com a amante.
My Happy Family (2017) ironiza, com sutileza, como boas (será?) intenções familiares sufocam, especialmente as mulheres. O filme que a Netflix mantém em seu catálogo com título em inglês é feminista. E excelente. E vem da Geórgia, uma das ex-repúblicas soviéticas, vizinha da Armênia, Turquia e Rússia, com a qual vive às turras. E é bem desconhecida da maioria de nós brasileiros. Só isso já serviria preu dar a oportunidade que o filme merece por méritos próprios, jamais por “cota de exotismo”.
Manana é professora de meia-idade, que vive em apartamento abarrotado de familiares. Além dela e do marido, seus pais e filhos, com respectiv@s cônjuges. Um dia, ela se enche e vaza. Simples assim é a trama. Ela não explica; não há nenhuma DR ou diálogo-cabeça explorando e explicitando cenas de um casamento em seus gritos e sussurros woody-allenianos.
My Happy Family é cinema com todas as letras maiúsculas, porque MOSTRA e sugere o porquê da liberação de Manana. As cenas de confusão e superpopulação no apartamento atordoam e inúmeros dados no relacionamento familiar dão conta da opressão benévola enfrentada pela exausta mãe-esposa-filha que não podia ter vontade própria. Então, quando ela se senta sozinha, em silêncio, comendo bolo e ouvindo Mozart em seu pequenino apartamento, vendo a chuva, não é preciso mais nada, palavras são desnecessárias, canta o Depeche Mode há quase 3 décadas.
Alguns leitores hão de estar enfurecidos, porque “contei o fim do filme”. Não. Isso é o óbvio; My Happy Family é típico filme de festival, vagaroso, paciente, quieto, não está estruturado pra ter fim fechadinho, solucionador. Embora haja alguns pararelismos típicos de roteiro, para reforçar/contrastar a situação de Manana, a película parece com aqueles recortes de alguns dias na vida das personagens – que na nossa América, a Argentina já fez tão bem.
O cotidiano vai acontecendo e através de diálogos simples, os diretores/roteiristas Nana Ekvtimishvili e Simon Gross demonstram a exaustão emocional causada pela repressão de nãos durante anos; a chantagem emocional que mal esconde o desejo de tirania; a toxicidade camuflada das interações sociais. Sem fluxos de consciência, sem imagens metafóricas ou “alegorias”. Não que houvesse algo de errado se os tivesse, mas a genialidade de My Happy Family é ser supercabeça sem essas coisas. Na verdade, o filme depende muito que o expectador perceba a opressão de Manana. Nesse sentido, é muito mais inteligente do que as produções que gastam horas explanando mirabolices. My Happy Family as apresenta e deixa pra nós a compreensão e a empatia. Ou não.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

ALBINO DIDÁTICO

Qual não foi minha surpresa, quando o rapper albino Gaspar me enviou as duas fotos abaixo, pelo Whatsapp! Um dos textos do livro Português - Linguagens, de William Cereja e Thereza Cochar é de uma matéria sobre mim na Revista Época! Tem até foto do Gustavo Lacerda.

Em fevereiro, o Blog do Albino Incoerente completará uma década e só tenho a agradecer por tantos frutos colhidos. 



CONTANDO A VIDA 257

FAKE HISTORY E A PRODUÇÃO DO PASSADO... AIAIAIAI... 


José Carlos Sebe Bom Meihy 

A pergunta veio direta, sem piedade. Fui atingido como se fosse um petardo ou rajada de metralhadora fatal: professor, o que acha das mentiras históricas ou da “fake History”? Susto. Susto, posto que a conversa rolava tranquila, sobre amenidades, mudança de estação do ano, proximidade do fim do semestre, jogos de futebol, coisas tais. Precisei de um tempinho para me reabilitar. Repeti a pergunta para mim mesmo e, de maneira mecânica, filtrei o tema pela peneira correlata das tão comentadas “fake news”. “Fake”, por “fake”... Precisei evocar argumentos guardados para ocasiões mais formais para enfrentar a pergunta que, afinal, é do momento, até porque um dos diapasões mais alentados de nossa época remete à critica a tudo e à necessidade da dúvida. 

Num lapso de tempo, enquanto entabulava respostas, logo me vi frente à atualidade do “fake”, rondando tudo e todos. E parti do que entendo por “fake news”, ou seja, daquele recurso malicioso, carregado de ardis, método eficiente e de fácil disseminação via eletrônica. Vírus perverso em sua aparência de verdade, tais inverdades podem ser altamente contagiantes. A primeira instrução que me veio à cabeça para formular uma replica minimante robusta, decorreu do sentido do termo “embuste”, segundo o filósofo Henry G. Frankfurt ao dizer que há diferença entre “engodo” e “mentira”. No livro – que carrega o peso de um título impróprio, “Sobre falar merda” – o autor explicita a necessidade de qualificação do discurso falso, pois há níveis de mentiras que, aliás, podem mesmo ser sociais, leves, ocasionais e até inconsequentes. Quando há embuste, porém, o tema resvala o crime, e aí ocorre a “fake news”. Curiosa a apropriação de um termo em língua inglesa para explicar algo tão óbvio. 

Enquanto ganhava algum espaço mental, resolvi começar pelos supostos efeitos da internet. Meu primeiro argumento consistiu em precisar as dificuldades de compreensão dos acolhimentos da maquinaria moderna, bem como seus efeitos na mentalidade de frequentadores das redes sociais. Passei em seguida ao debate que exalta a popularidade do conceito de “fake news” ligada ao Presidente Trump. O termo existe desde o século XIX e isto é garantido pelo prestigiado Webster. Ironicamente, pois, a primeira “fake news” remete à pretensão mentirosa do mandatário norte-americano que usa e abusa de críticas feitas pelos adversários. Satisfeita a conversa, teci alguns comentários complementares sobre a distorção de fatos históricos, e ligeiramente me vali de algumas das mais conhecidas distorções históricas e comentei sobre a existência ou não do Holocausto. Acredito que para aquele momento a demonstração de esforços existentes para negar os campos de concentração fora convincente, mas não para mim mesmo. Foi assim que resolvi fazer um pequeno inventário das “fake histories” que passeiam por aí, sem lenço e sem documento. Eis a pequena lista de eventos que têm sido feridos pelas “versões em voga”: 

1- os portugueses não pisaram na África; 

2- os negros se deram à escravidão, que não foi forçada, 

3- a história do Brasil é de cordialidade e convívio racial harmonioso; 

4- o Japão foi inimigo ético na Segunda Guerra Mundial; 

5- o nazismo foi movimento de esquerda; 

6- não houve ditadura no Brasil. 

Esta lógica revisionista e falsificadora, evidentemente, não existe isolada e apenas é acatada por leigos sem repertório crítico ou de instrução mínima. Ela se constitui em um engodo que dimensiona dois perigos: o descrédito à história feita por pesquisadores sérios, e à historiografia. Ecoa também um reposicionamento de viés político inigualável. Por evidente, sabe-se que a história tem várias versões possíveis, mas negar a evidência documentos que fundamentam pesquisas longas é temeridade. Cada tema enfeixado pelo rol de “fake History” merece atenção especial, mas por enquanto vale recomendar atenção a quem o faz, por que e como a dissemina. Não é, pois, sem razão que tais “fakes” se ajustam às propostas ideológicas de quantos querem se impor sem assumir responsabilidade de nosso passado. E só há uma forma de combater isso: reafirmando o cuidado com a produção do passado enquanto fato social. É preciso juízo para saber ouvir. Mais juízo ainda para rebates.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

UM OUTRO BRANCO

Cantor malinês Salif Keita chama atenção para o sofrimento de albinos africanos

Por Fadima Kontao e Tim Cocks

BAMAKO/DACAR (Reuters) - Como muitas pessoas, o músico malinês Salif Keita percebeu pela primeira vez que era diferente quando entrou na escola – sua pele era branca, e todas as outras crianças eram negras.

"Eu era o único albino", disse ele à Reuters em uma entrevista. "Eu soube imediatamente que era diferente das outras crianças."

Em toda a África, a condição de pele – em que os portadores nascem sem pigmento na pele, nos olhos e nos cabelos – é vista muitas vezes como um sinal de má sorte. Os albinos são evitados, marginalizados, mortos e, em alguns locais, esquartejados para que seus membros possam ser usados em poções mágicas.

Mas quando a menina albina de cinco anos Ramata Diarra foi morta e decapitada durante um ritual na cidade malinesa de Fana, 130 quilômetros a oeste da capital Bamako, em maio deste ano, Keita decidiu agir.

"Fiquei verdadeiramente chocado", contou ele à Reuters antes de fazer uma apresentação em Fana no sábado em homenagem a Ramata.

"Os albinos têm problemas para se integrar na sociedade, o que é algo que queremos expor", disse. "Estamos dizendo que a beleza está na diferença. Temos que sentir orgulho do que somos."

Seu novo disco, "Un Autre Blanc" (Um Outro Branco) – o último antes de o artista de 69 anos se aposentar – procura ressaltar esta mensagem.

Sua música – uma mistura dançante, mas curiosamente melancólica, de música folclórica mandinga com jazz-funk percussivo – encanta plateias da África Ocidental e do Ocidente há décadas.

O novo álbum é mais eclético do que os anteriores, trazendo colaborações de convidados variados como o rapper francês MHD, a cantora nigeriana de afropop Yemi Alade e o grupo coral sul-africano Ladysmith Black Mambazo.

"Foi minha maneira de dizer adeus, fazer isto com meus amigos", disse ele à Reuters.

TELINHA QUENTE 336



Roberto Rillo Bíscaro

Desde que Broadchurch pegou pequena comunidade onde os laços comunitários eram aparentemente fortes e a mergulhou no pesadelo de assassinato cometido por um de seus membros, a prática virou tendência acoplada à influência Nordic Noir de priorizar locais lindíssimos de cartão-postal.
Parece que a Europa é fértil em tais sítios, como demonstrado nas belas paisagens lacustres da minissérie Le Mystère du Lac (2016), ambientada na região de Sainte Croix, nos Alpes provençais. Com tanta gente atraente, bem vestida e falando francês, dá vontade de pegar o primeiro avião com destino àquela felicidade.
A cidadezinha esconde grande perigo, porém. No começo do milênio, 2 jovens desapareceram e jamais foram encontradas. Na atualidade, a adolescente Chloé some, bem na hora em que a policial Marianne Stocker volta de Paris pra decidir o que fazer com a mãe, que tem alzaimer. Marianne era a melhor amiga das sumidas e sua mãe é vizinha de Chloé.
Coincidência é o que não falta em Vainhed By The Lake, em seu nome pra comercialização internacional. O alzaimer é truque conveniente pra senhorinha soltar informação, apenas quando convém ao roteiro. Sempre há alguém em momentos-chave ou quem resgate documentos de anos e anos atrás. Fica-se até cismado sobre como alguém pode ter desaparecido numa comunidade bisbilhoteira assim, imagine três!
Também nos perguntamos porque a polícia francesa não manda grupos de busca pelas montanhas, ao redor do lago, como fazem seus colegas escandinavos. Policiais e voluntários em colunas, fazendo pente-fino em lúgubres e lindas florestas são lugares-comuns em Scandi-Noir e até em irmãos espanhóis, como Bajo Sospecha, temporada 1.
Le Mystère du Lac é pura fórmula: todo mundo tem segredos; o/a malfeitor(a) é tão insuspeito(a), que pode nem fazer muito sentido. Mas é tudo tão bonito, bem feito e urdido, que entretém, prende a atenção e gera suspense e curiosidade. Quer mais? Tá, então: o que dizer do nível de fetiche desencadeado por aquela voz de ninfetinha francesa cantando música de filme de Tarantino na abertura?

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 340


Roberto Rillo Bíscaro

Nos 80’s, falava-se nas cantoras britânicas branquelas que tinham vozes fortes, geralmente associadas a negras. Helen Terry e Alison Moyet são as mais cotadas. Curiosa, mas não acidentalmente, a negra Jaki Graham teve apenas sucesso comercial moderado com os três álbuns lançados pela EMI, na década.
Nascida em Birmingham, em 1956, Graham sempre foi admirada entre os pares pela voz quente, mas nunca esteve nos topos das paradas, embora tenha tido canções populares na Europa, Ásia, Oceania e até na parada dance da Billboard. Como nunca foi de massa, seu nome é (quase) nunca lembrado nos revivalismos oitentistas.
A britânica jamais parou de fazer shows, mas raramente lançava material, até que dia 6 de julho, surgiu When A Woman Loves, pela JNT Music. A miudeza da gravadora não precisa afugentar: descobri o álbum, via Spotify.
Nos idos dos 80’s, ainda adolescentes ou com meros vinte e poucos anos, cantávamos com Kylie Minogue sobre os “old days/remember the O’Jays”. Era puro boca pra fora, porque tanto nós, quanto ela, não vivêramos a época idealizada pela letra dos então já velhuscos Stock, Aitken and Waterman. Agora chegou nossa vez e de Jaki Graham, de rememorar o tempo da juventude há tanto pra trás. As 14 faixas são totalmente oitentistas, felizmente sem os excessos de bateria eletrônica e tecladeira que deixam tão datado tanto do de então.
E é esse saudosismo oitentista que entrega a maior delícia do álbum: o irremediavelmente dançante disco-funk Get It Right. A letra fala sobre retornar aos bons tempos do decênio, quando todas canções eram tão maravilhosas. “Do you remember? I remember.” Outra faixa que celebra a década e voltar a festar é o charm All Night Long (1985); quero ver oitentistas resistirem a dar uns passinhos.
When a Woman Loves remete o tempo todo a tempos há muito escorridos. É o electrosoul midtempo da faixa-título; são os urban souls de News For You e Stop the Ride (super Steve Wonder fase 80s, com gaita e tudo); ou as baladas, como Through the Rain, Someone Like You, Song For Me e Ready For Love. O álbum é tão encharcado do espírito do auge de Jaki, que Leftover Tears soa como os anos oitenta faziam música inspirada no soul deslizante do final dos 60’s. Tem pop soul dançável, como Sometimes e R’n’B domesticado, como em Eye To Eye e sua guitarrinha blues.
Muito bem cantado e produzido, When a Woman Loves não revolverá a carreira de Jaki Graham, mas agradará em cheio quem jamais superará a magia dos anos 80.

Meli'sa Morgan também não foi sucesso de lotar estádios, durante seu período mais fértil: anos 80 até o meio dos 90s. Seja solo, seja com grupos como o High Fashion, a nova-iorquina entrou apenas uma vez na Hot 100, da Billboard, embora tenha frequentado paradas dance, adult contemporary e R’n’B, ou seja, sempre foi conhecida em nichos.
Pena, porque sua voz é incrível e a técnica impecável. Além de ter cantado com grandes como Whitney Houston e Chaka Khan, Morgan estudou na Juliard. Ouça a qualidade dessa cover de Prince, de 1985.
Há 13 anos sem lançar, o silêncio felizmente foi quebrado dia 13 de julho, com Love Demands, álbum que saiu pela Goldenlane Records, pequenina, mas está no Spotify, então não há muito como alegar inacessibilidade.
Love Demands está matematicamente dividido em meia dúzia de números com clima oldie, bem anos 50 e 60 e outras seis faixas com sabor bem mais moderno, quase contemporâneas.
A metade oldie é a primeira. Tem R’n’B, com madrigal vocal arrasante (How Can You Mend a Broken Heart); blues (Never Loved a Man), delícia deslizante à Motown (Love Is Here and Now You’re Gone) e baladas meio cinquentistas R’n’B (I’ve Been Loving You Too Long e Nothing Can Change This Love). Há o clima reggae de It’s Not Unusual. Tudo com vocais irretocáveis.
Daí entra a parte moderna, com material inédito e até participação de rapper na melódica The Only One. Os climas de perigo e urgência hip hop são referenciados de leve em repetitivas batidas, como em Holla e Decisions. Mas é tudo bem mansinho, como também a infiltração trap no arranjo de No More, a vibe mais contemporânea de Love Demands.
É essa parte que contém a mais sem-gracinha do álbum, Can’t Explain. E isso é muito sintomático, quando se parte do princípio de que este resenhista é um senhor cinquentão, moderninho até, mas mais próximo de gostar da sonoridade da parte vintage. Por ser blogueiro e não necessitar fingir imparcialidade, posso reconhecer que percebo Love Demands como bom álbum, no atacado, mas só ouço até a sexta canção. Também não creio que os millenials curtirão a parte tencionando ser moderninha, por ser tépida demais.
Desse modo, Love Demands é honorável esforço, muito bem feito, mas que não satisfará ninguém 100%.

domingo, 18 de novembro de 2018

GRAMMY ALBINO

Hermeto Pascoal confessa que álbum vencedor do Grammy foi inspirado em Alagoas

Alagoano venceu o Grammy Latino 2018 na categoria de Melhor Álbum de Jazz Latino com o CD "Natureza Universal"
Por Maylson Honorato | Portal Gazetaweb.com

Alagoano de Lagoa da Canoa, Hermeto Pascoal foi o único brasileiro a vencer nas categorias gerais da 19ª edição do Grammy Latino. Os demais vencedores, como Anitta, Lenine e Maria Rita, saíram vitoriosos somente nas categorias exclusivas para brasileiros. A cerimônia, que ocorreu na última quinta-feira (15), em Las Vegas (EUA), consagrou o álbum "Natureza Universal", uma parceria do Bruxo albino com a Big Band.

Aos 82 anos de idade e vivendo no Rio de Janeiro, Hermeto Pascoal é assediado diariamente com convites para morar e fazer turnês no exterior. A rotina de um dos maiores nomes da música instrumental, no entanto, passa pelas lembranças da infância e vai até a contemplação das paisagens da cidade pela janela. No fim, tudo vira música. No CD instrumental que arrematou o Grammy, 11 temas compostos e arranjados por Hermeto - alguns deles escritos há mais de 40 anos - reverberam a experiência dele em Alagoas, onde nasceu e viveu até os 15 anos, entre Lagoa da Canoa, Arapiraca e Maceió.

"Eu já recebi título de Doutor Honoris causa nos EUA, sendo que estudei somente os primeiros anos do primário, com a minha saudosa professora Zélia, lá em Lagoa da Canoa. Pois é. Mas na frente da minha casa era uma feira. E eu via cantador de viola, vendedor de banana madura, a turma criativa da feira... E, no meu entendimento, esse Grammy veio dos cantadores populares, do povo das feiras de Alagoas, da turma do ganzá", comenta o multi-instrumentista, que revela detestar rotina e tudo que for premeditado.

ALAGOAS

Hermeto Pascoal quer vir a Alagoas para tocar. Sim, não para fazer uma simples visita - apesar de adorar o passeio. Quer vir para tocar para os que chama de "seu povo".

"Esse prêmio é um reconhecimento que me faz muito feliz. Pois eu amo o que eu faço. Não adianta. Você pode não gostar ou gostar muito do que eu faço, mas não vai gostar mais do que eu. Eu estou feliz com o reconhecimento, ainda mais por ser lembrado pelo povo da minha terra maravilhosa. Mas, por nossa senhora, que apareça um empresário bom aí pra me chamar para tocar. Nossa cidade não pode ficar sem nossa música. E não é por dinheiro não, é porque ela precisa desse som", comentou o gênio, durante entrevista à Gazeta de Alagoas, que você acompanha na edição deste fim de semana.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

PAPIRO VIRTUAL 129



Roberto Rillo Bíscaro

Desde o fim do ano passado, voltou minha monomania sobre os anos 1950: além de rever filmes de ficção-científica, li sobre a histeria dos discos-voadores, cinema, bossa-nova, enfim, coisas gerais sobre os anos dourados (pra quantos?).
Após pausa pra ler livros escritos por ex-alunos (Desamparo e Nunca Mais Olhei Para Trás), retomei minha pesquisa, conferindo a dissertação de mestrado Filmes do Fim do Mundo: Ficção-Científica e Guerra-Fria (1951/1964), defendida por Igor Carastan Noboa, em 2010, na faculdade de História, da Universidade de São Paulo. 
O historiador escolheu os filmes O Dia em que a Terra Parou (1951), Vampiros de almas (1956), A Bolha (1958) e Limite de Segurança (1964) pra discutir como representavam o contexto da Guerra-Fria, que trazia a possibilidade real de aniquilamento planetário, mediante guerra nuclear entre EUA e URSS.
A correlação entre a produção sci-fi da década e as ansiedades sociais proliferantes é fartamente conhecida, desde talvez o ensaio de Susan Sontag sobre os filmes de monstros, ainda nos anos 1960. Noboa não inova nesse sentido, mas suas análises são pertinentes e desvelam possibilidades de leituras em cada filme, além de fornecer dados históricos úteis ao entendimento e justificativa das leituras.
Duas escolhas resultariam em pedidos de explicação, caso eu tivesse sido da banca examinadora. Em cada um dos filmes, ele seleciona uma sequência, que diz analisará quadro a quadro para corroborar suas interpretações. Não percebi direito qual a importância disso para o mais interessante, que são as possibilidades de leitura dos filmes. Além disso, Noboa mais descreve as cenas, do que as analisa.
Embora os 4 filmes realmente possam ser linkados com as ansiedades sobre energia atômica e tecnologia em geral, na conclusão, o autor rebolou pra achar pontos em comum entre os quatro filmes, especialmente, porque Limite de Segurança pertence a esfera ligeiramente distinta dos demais. Até sua linhagem diretorial é mais “nobre”, afinal é um Sidney Lumet (e um de meus prediletos de ficção-científica nuclear). Outra coisa que Noboa poderia ter se atentado é que a suposta equação de igualdade de perdas, proposta pelo presidente norte-americano na crise dos mísseis, em Limite de Segurança, não é tão equitativa assim. A imolação de Moscou e Nova York não é a mesma coisa: A URSS perderia todo seu governo central, os EUA, não, e isso faz bastante diferença, não apenas simbólica.   
Filmes do Fim do Mundo: Ficção-Científica e Guerra-Fria (1951/1964) é uma boa fonte em nosso idioma pra quem quer começar a se aventurar pelas relações cinquentistas entre cinema de ficção-científica e Guerra-Fria. Dá pra baixar e ler grátis.


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

TELONA QUENTE 262



Roberto Rillo Bíscaro

Preste bem atenção à sequência inicial de Thelma (2017), adicionado ao catálogo da Netflix recentemente. É algo perturbadora, mas prenhe de promessas de reviravolta e estranheza.
Dirigido por Joachim Trier e escrito por ele e Eskil Vogt, Thelma discretamente assombra em diversos níveis. Logo após a inquietante abertura de pai e filha caçando (geralmente é sempre pai e filho...) no gelado interior norueguês, há salto temporal e a guria já está na universidade, em Oslo. De família cristã tradicional, daquelas que não bebe, não fuma e sequer gosta que se insinue crítica a outrem, a jovem vive controlada pelos pais, mesmo distantes.
Quando a futura bióloga (imagine, numa família que provavelmente leva a Bíblia ao pé da letra), conhece a linda Anja e desejos inconfessáveis afloram, Thelma começa a experimentar convulsões parecidas com a de epiléticos. Também começamos a ver cenas de flashback e a supervisão asfixiante dos pais começa a tomar outro sentido. Thelma, a moça, tem tanta repressão, que seu cérebro parece que materializa coisas. Mas, não dá pra falar demais sobre o enredo.
De modo redutor, Thelma, o filme, é uma espécie de Carrie, a Estranha, versão lésbica. De Palma e seu mestre Hitchcock certamente inspiraram cenas, como a do primeiro avanço erótico de Anja sobre Thelma, a moça, na linda ópera de Oslo, enquanto viam um balé muito corpóreo.
Com suas imagens clean, o filme está em constante convulsão formal, totalmente disfarçada de calma e contenção narrativas, como no enredo que é fogo sobre gelo. Repare como o ponto de vista da câmera se desloca o tempo todo, entre visões micro de caras e coisas, pra de repente, virar macro, numa fachada de edifício ou panorâmica, onde transeuntes parecem insetos. É como se inconscientemente, toda a narrativa apresentasse os flashes de claro-escuro, que o psiquiatra a certa altura usa pra induzir um surto em Thelma (epiléticos, cuidado: tive que fechar os olhos por causa da fotofobia, de tão desagradável que é). E quem viu O Exorcista não desperceberá a semelhança das cenas.
Não confundam a citada convulsão formal com velocidade de edição. Thelma parecerá lento demais aos viciados em ação. Na verdade, o roteiro é um pouco reprimido como a repressão que quer criticar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

CONTANDO A VIDA 256

CONVERSA PARA BOI DORMIR... 

José Carlos Sebe Bom Meihy 

Como ocorreu com muitos, passadas as eleições o cansaço venceu. A naturalidade da exaustão trazida pelo calendário que consagra outubro como ponto de partida para os festejos do fim do ano, se faz presente, desta feita, carregando uma dose extra de peso. Saímos exauridos de um processo político consequente, e prometedor de mudanças drásticas. A apreensão se expressa tanto no olhar de quem votou consciente no vencedor como naqueles que optaram pelo eleito, mesmo inseguros. O refluxo esperado mostra suas garras e aponta para espectro de novas formas de governabilidade. A imitação do novo modelo presidencialista norte-americano e o uso diferenciado das mediações jornalísticas sugerem que o Twitter será alternativa para contato entre a presidência e os eleitores, com redução do papel da imprensa usual. E assim teremos que aprender a captura do andamento político emergente e, nesta toada, cada qual tem que se habilitar às soluções informativas sem crítica especializada, a favor ou contra. 

Sob tal céu nebuloso, minha intimidade solitária convoca os prazeres pessoais como lenitivo para sobrevivência. A noite de quatro anos se me afigura como tempo obscuro com ameaças fatais, convite à tristeza e recolhimento. O retiro pessoal, a contemplação dos objetos biográficos que compõem minha memória afetiva, as páginas de livros que se abrem complacentes para leituras catárticas, uma dose de músicas escolhida segundo os mandamentos sagrados do gosto pessoal, tudo isso reunido servirá para serenar um oceano de indignações e expectativas negativas. O arquivo de velhas tormentas caçadas em censura, limitação de falas e expressões, a possibilidade de prisões e fugas de amigos da oposição, me ensinou a eficácia desse remédio personalíssimo que, diga-se, nada tem a ver com alienação. É lógico que os docinhos das vovós e os cafunés dos bichos de estimação, olhadas para o mar e para as montanhas, completam a cena alegórica do revigoro. Dizendo de forma contundente, pelo menos em um primeiro momento, comprometo-me com o aconchego de recolhimento íntimo. 

Estou longe do Brasil neste momento. Vendo tudo filtrado por olhos amigos, mas também pela imprensa nacional e internacional, dei-me o direito de planejar minha solitude com discrição. De presente, desta feita, um outro alívio se juntou à minha tristeza de ver a extrema direita na condução de meu país: um velho amigo. O termo “velho”, aqui é empregado como prova de que a idade dos companheiros não precisa ser metafórica. George tem 94 anos. Os meus 75 me fazem menino na intensidade dos aprendizados que ganho. Depois de uma vida de sucesso em todas as direções, o colega me acolhe a cada ano em Nova York, com a grandiosidade de quem recebe um parceiro aliado, me ajuda a sobreviver politicamente. E como nos afinamos! Ainda trabalhando, aprendeu lidar com internet e vende guarda-chuvas para um comerciante que compra da China. E como tem clientes! Por certo a simpatia e elegância ao falar lhe é recurso seguro para tanto reconhecimento. Também estou a trabalho, sempre na sina dos apaixonados por história oral. A cada manhã, tomamos café juntos, repartimos a leitura do The New York Times e fazemos os exercícios respiratórios a ele recomendados. É um tempo sagrado esse. 

À noite, depois de cumprida a jornada, ele se põe a contar histórias. E como narra! Fatos da Guerra, dos encontros com Bob Hope, do flerte como algumas atrizes famosas e shows inesquecíveis. Por lógico, frente a tanto exemplo, procedi a outra eleição: candidatei-me a ser como ele, se a idade me permitir mais um pouco de vida. E, para tanto, até fiz um acervo de canções que ele evocava em suas narrativas. Dentre tantas, uma se destaca “We’ll meet again” na interpretação de Dame Vera Lynn. Reza a letra algo próximo de “nós nos encontraremos outra vez/ não sei onde, não sei quando/ mas nós nos encontraremos outra vez”. Pronto, está dada a lição: nos encontraremos outra vez, ele e eu, eu e tempos menos tensos. We’ll meet again...   

terça-feira, 13 de novembro de 2018

TELINHA QUENTE 335

Roberto Rillo Bíscaro

Mike Bartlett deve ter ficado bem mais conhecido do grande público mundial, quando Doctor Foster estourou e foi premiada. Ambas temporadas estão na Netflix. O dramaturgo inglês já era bem conhecido nos círculos teatrais, porém, e sua peça King Charles III fora sucesso no West End londrino e na Broadway, sendo até indicada a Tony.
Nela, o dramaturgo esboça uma Grã-Bretanha imediatamente após a morte de Elizabeth II, quando seu primogênito sobe ao trono, após décadas desejando a morte da mãe pra que alcançasse o poder. Mas, o monarca inglês não o tem mais, é figura decorativa, o que o incomoda deveras. Na primeira reunião com o Primeiro Ministro, o Rei Charles se apõe a um projeto de controle da mídia, embora ele mesmo e a Família Real como um todo tenham sofrido horrores nas mãos dos tabloides. Turrão, Charles III não aceita concessões e, usando velha prerrogativa Real, real apenas no papel, dissolve o parlamento desencadeando monstruosa crise constitucional.
Pra ultraje dalguns políticos Tory, a BBC levou ao ar, em maio do ano passado, sua adaptação dessa tragédia moderna, mantendo, inclusive, os diálogos em verso livre e os solilóquios ditos olhando pra câmera. Cada vez que resenhista diz que isso é influência de House Of Cards, um professor de literatura inglesa falece.
King Charles III subscreve-se à tradição de Shakespeare. O Bardo frequentemente indicava que se a Casa Real estivesse uma balbúrdia, o reino todo entraria em caos. Longe de pregar qualquer espécie de democracia representativa no início da Era Moderna, o dramaturgo não deixava de apontar que, prum reinado ser eficaz, havia que existir certas responsabilidades recíprocas entre rei e súditos. Quando Charles ordena que os tanques sejam virados em direção à multidão, qualquer conhecedor de Shakespeare sabe que está danado. Como isso termina, porém, tem mais a ver com índices de popularidade da era do Instagram do que com os banhos de sangue apreciados pelos elizabetanos primeiros.
Dialogado e monologado em versos brancos – como nas peças de Shakespeare – King Charles III traz uma Duquesa de Cambridge (Kate Middleton, pros não inteirados) à Lady Macbeth não arrependida e um príncipe Harry pensando em abdicar de seu principado, porque conheceu uma moça pobre, negra e... republicana! Depois que você saca a influência shakespeariana fica fácil deduzir o que fará Harry ao final. A chave está no Prince Hal, de Henrique V. Mas, como sou noveleiro anglófono, logo lembrei no comportamento dos internamente beligerantes Ewings, Sopranos e Carringtons, quando ameaçados externamente! Dynasty e DALLAS também são trágicos! Curiosidade: Richard Goulding, o ator que interpreta Harry, vive a mesma personagem em chave bem distinta, na deliciosa sitsoap The Windsors (tem na Netflix).
O filme é ótimo, denso e dramático, mas perdeu o caráter presciente da peça, o que nada influi em seu resultado artístico, obviamente. Em 2014 Harry ainda não namorava uma afrodescendente, não havia declarado publicamente seu desgosto por tanto bullying midiático e os memorandos lobbystas de Charles ainda não haviam sido divulgados.
King Charles III é tão Shakespeare que tem até um espectro, assombrando Charles e seu filho William. Quem poderia ser que não a Princesa Diana? Ela faz a mesma previsão pro ex-marido e pra Wills. Aparição pérfida!
Sem procurar transformá-lo em simulacro do Charles de verdade, King Charles III apoia-se na soberba interpretação de Tim Pigott-Smith, falecido subitamente antes da exibição pela BBC2. O elenco todo está fantástico – muitos atores os mesmos da montagem teatral – mas o próprio título chama os holofotes pra Smith. Mas não dá pra não citar Charlotte Riley que constrói uma Kate que sempre virá à cabeça, quando eu vir a simpatia estudada das aparições da Duquesa. E o que dizer da miraculosa Tamara Lawrance, a namorada afro de Harry, que consegue desteatralizar as falas em pentâmetro iâmbico, melhor do que qualquer um no elenco? Nada contra teatro, mas estamos falando de produção pra telinha e o que funciona num meio não necessariamente é fácil de aguentar em outro.
King Charles III é obrigatório pra qualquer anglófilo ou estudante/pesquisador de dramaturgia, Shakespeare e afins. E também pra quem gosta de um bom teatro filmado.
Confissão de velho fã dos Smiths: quando Charles monologa “The queen is dead...”, não pude evitar de completar cantarolando “and it’s so lonely on a limb”.