Roberto Rillo Bíscaro
Desde os Segundos Verões do Amor (o de 1988 e 9 são assim
denominados por não poucos), a cena britânica da música eletrônica tem sido
mais criativa que a do rock. Enquanto nos 90’s, o Oasis recopiava maneirismos
dos Beatles, moçadinha tipo Underworld fazia electronica com inteligência. Não iniciados chama(va)m tudo de techno, mas artistas como Chemcial
Brothers, Aphex Twin e The Prodigy sempre foram bem além da mera repetição
bate-estaca pra ficar maluco em rave
ou malhar na academia.
Fã da repetição de barulhinhos, do Kraftwerk, percebi que
Orbital era coisa fina, quando ouvi o “Álbum Marrom” (1993), na década passada.
Claro que a dupla prioriza elementos rítmicos e percussivos, mas não descuida
de melodia, harmonia e forma musical. Ainda ouço Orbital 2 regularmente e me
entusiasmo com o que conseguiram.
Orbital surgiu em 1989, formado pelos irmãos Paul e Phil
Hartnoll. Até o nome é associado à subcultura das raves, nascida com a acid house. O nome oficial da rodovia M25 é Grande Via Orbital de Londres, e era
ao longo dela que ocorriam as diversas festas (legais e ilegais) frequentadas
pelos irmãos Hartnoll no final dos anos 80.
Paul e Phil produziram gente como Bjork; viraram
queridinhos da crítica; popularizaram a música eletrônica através da inserção
de suas canções em trilhas de filmes, comerciais e games.
A partir de 2004, sua história ficou chata de narrar,
porque é um tal de acaba e retorna, que enche os pacová. Suficiente dizer, que
dia 14 de setembro, os mano Hartnoll lançaram seu nono álbum de estúdio, o
primeiro em meia dúzia de anos. A edição convencional tem 9 faixas, mas no
Spotify só tem a deluxe, com 17.
Ainda que 84 minutos de electronica
instrumental possam ser overdose pra neófitos, pra fãs, Monsters Exist matam a
fome.
Desistindo do formato das longas canções abrangendo
antigos lados inteiros de LPs, o Orbital não passa agora dos 8 minutos. Bom
sinal pra desacostumados, porque mais acessível. A qualidade não caiu muito;
claro que o período imperial ficou pra trás há tempos, mas o Orbital fez um
trabalho bastante rigoroso.
Os monstros existentes no título do álbum e da
faixa-título podem ser nossas criações ou mitos trumposos externos; irmãos
Hartnoll não fugiram de alusões políticas.
Tudo começa com a excelente faixa-título. Gotas de
teclado, sucedidas por baixo lúgubre e percussão eletrônica seca e marcialmente
austera. Momento de certa calma e fluxo continuo de várias melodias nos
teclados. Ainda não é o melhor Orbital, mas já inquieta pelo método e rigor.
Hoo Hoo Ha Ha é Orbital no seu mais típico; timbres
puláveis, espertos, que brotam e somem e reaparecem ao longo dos concisos 4
minutos, cuja cereja do bolo é uma cômica linha de cornetinha.
Aciiiiiiiiiiiiid!
Esse aparecer e reaparecer de estruturas é frequentemente
despercebido por detratores da música eletrônica, que a acusam de repetitiva.
Há mesmo aquelas que só batem estaca e enchem, mas profissionais como Orbital, netos
do Krafftwerk, recheiam seu som de mudanças estruturais, que o ouvinte precisa
prestar atenção. Exemplo é a parcialmente saltitável P.H.U.K, que tem baixo
rebolante e barulhinhos à Pocket Calculator. Os já na meia-idade netos ingleses
aprenderam muito bem com o vô germano a fazer soar igual, apresentando
alterações sutis, que tornam esses 7:25 minutos quase frustrantes, porque a
faixa merecia mais uns dez. Orbital em forma, yeaaaah!
A belezoca Tiny Foldable Cities tem cherim de Daft Punk,
mas identidade Orbital. Ideal pra perceber a complexidade desse som: note como
por trás de vários timbres cristalinos e agudos, espreita tecladão surdo,
grave, ameaçador. Música não precisa ter letra pra contar história.
The End Is Nigh é a coisa mais modernete de Monsters
Exist. Óbvio que Phil e Paul não podem/querem mudança radical, afinal, já bateram
a casa dos 50. Mas os teclados nessa faixa são totalmente encaixados nos
padrões cool da moçada nova que faz techno meio pantanoso. Orbital sem
perder sua vibe, mas se adaptando.
Com um título desses, o álbum não podia evitar momentos
densos/tensos. The Raid nem parece do duo, com aquele vozeirão à Darth Vader
falando coisas deprês; gritos estilizados, discursos inflamados, tudo embalado
por moroso instrumental ameaçador, tipo gothic
electronica, encharcado por torrentes geladas de teclado sombrio.
Pra provar que são cientificamente sérios e fechar com
chave d’ouro, os Hartnolls convidaram o físico britânico Brian Cox (xará do meu amado ator, sim), que fala durante minutos a fio sobre o fim do
universo, de como a vida é fugaz, sobre instrumental que lembra fantasmagoria ambient, às vezes.
Nesses momentos mais lúgubres e “sérios”, Orbital resvala
um pouquinho pro comum: qualquer um faria tais faixas. Mas, é a minoria num
álbum muito bom.
As 8 faixas-bônus trazem pelo menos uma pérola, Kaiju.
Carnaval techno, acessivelmente pop, com mocinha gemendo e vocalizando por trás
do bate-cabelo. Tudo.
Não há nada de realmente brilhante, mas quem curte
barulhinhos eletrônicos vai se regozijar com a dançabilidade superbem editada de
To Dream Again e números mais lentos, mas igualmente criativos com relação ao
uso de efeitos e synths, como Anallogue Test Oct 16 e Fun With The system,
cujos próprios títulos sugerem que os irmãos testavam possibilidades, sonidos e
timbres, por isso o caráter bônus das canções.
Embora bela, supérfluo apenas o minuto e pouco de A Long
Way From Home, cuja acusticidade de violão combina mais com Steve Hackett do
que com o Orbital.
Com relação ao álbum oficial há duas referências: a
versão sem falação, de There Will Come a Time, que, infelizmente não é toda
composta pela fantasmagoria melancólica dos momentos iniciais e Tiny Foldable
Cities (Kareful Remix), que altera para mais convencional a canção. Não
acrescenta nada.
Orbital não mais tem poder pra estabelecer tendência, mas
Monsters Exist é acima de decente. Pra iniciantes em electronica, ótima pedida: comece pela maior acessibilidade das
faixas menores desse álbum e depois procure as longas gemas preciosas dos anos
90 e início dos 00.
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