segunda-feira, 19 de novembro de 2018

CAIXA DE MÚSICA 340


Roberto Rillo Bíscaro

Nos 80’s, falava-se nas cantoras britânicas branquelas que tinham vozes fortes, geralmente associadas a negras. Helen Terry e Alison Moyet são as mais cotadas. Curiosa, mas não acidentalmente, a negra Jaki Graham teve apenas sucesso comercial moderado com os três álbuns lançados pela EMI, na década.
Nascida em Birmingham, em 1956, Graham sempre foi admirada entre os pares pela voz quente, mas nunca esteve nos topos das paradas, embora tenha tido canções populares na Europa, Ásia, Oceania e até na parada dance da Billboard. Como nunca foi de massa, seu nome é (quase) nunca lembrado nos revivalismos oitentistas.
A britânica jamais parou de fazer shows, mas raramente lançava material, até que dia 6 de julho, surgiu When A Woman Loves, pela JNT Music. A miudeza da gravadora não precisa afugentar: descobri o álbum, via Spotify.
Nos idos dos 80’s, ainda adolescentes ou com meros vinte e poucos anos, cantávamos com Kylie Minogue sobre os “old days/remember the O’Jays”. Era puro boca pra fora, porque tanto nós, quanto ela, não vivêramos a época idealizada pela letra dos então já velhuscos Stock, Aitken and Waterman. Agora chegou nossa vez e de Jaki Graham, de rememorar o tempo da juventude há tanto pra trás. As 14 faixas são totalmente oitentistas, felizmente sem os excessos de bateria eletrônica e tecladeira que deixam tão datado tanto do de então.
E é esse saudosismo oitentista que entrega a maior delícia do álbum: o irremediavelmente dançante disco-funk Get It Right. A letra fala sobre retornar aos bons tempos do decênio, quando todas canções eram tão maravilhosas. “Do you remember? I remember.” Outra faixa que celebra a década e voltar a festar é o charm All Night Long (1985); quero ver oitentistas resistirem a dar uns passinhos.
When a Woman Loves remete o tempo todo a tempos há muito escorridos. É o electrosoul midtempo da faixa-título; são os urban souls de News For You e Stop the Ride (super Steve Wonder fase 80s, com gaita e tudo); ou as baladas, como Through the Rain, Someone Like You, Song For Me e Ready For Love. O álbum é tão encharcado do espírito do auge de Jaki, que Leftover Tears soa como os anos oitenta faziam música inspirada no soul deslizante do final dos 60’s. Tem pop soul dançável, como Sometimes e R’n’B domesticado, como em Eye To Eye e sua guitarrinha blues.
Muito bem cantado e produzido, When a Woman Loves não revolverá a carreira de Jaki Graham, mas agradará em cheio quem jamais superará a magia dos anos 80.

Meli'sa Morgan também não foi sucesso de lotar estádios, durante seu período mais fértil: anos 80 até o meio dos 90s. Seja solo, seja com grupos como o High Fashion, a nova-iorquina entrou apenas uma vez na Hot 100, da Billboard, embora tenha frequentado paradas dance, adult contemporary e R’n’B, ou seja, sempre foi conhecida em nichos.
Pena, porque sua voz é incrível e a técnica impecável. Além de ter cantado com grandes como Whitney Houston e Chaka Khan, Morgan estudou na Juliard. Ouça a qualidade dessa cover de Prince, de 1985.
Há 13 anos sem lançar, o silêncio felizmente foi quebrado dia 13 de julho, com Love Demands, álbum que saiu pela Goldenlane Records, pequenina, mas está no Spotify, então não há muito como alegar inacessibilidade.
Love Demands está matematicamente dividido em meia dúzia de números com clima oldie, bem anos 50 e 60 e outras seis faixas com sabor bem mais moderno, quase contemporâneas.
A metade oldie é a primeira. Tem R’n’B, com madrigal vocal arrasante (How Can You Mend a Broken Heart); blues (Never Loved a Man), delícia deslizante à Motown (Love Is Here and Now You’re Gone) e baladas meio cinquentistas R’n’B (I’ve Been Loving You Too Long e Nothing Can Change This Love). Há o clima reggae de It’s Not Unusual. Tudo com vocais irretocáveis.
Daí entra a parte moderna, com material inédito e até participação de rapper na melódica The Only One. Os climas de perigo e urgência hip hop são referenciados de leve em repetitivas batidas, como em Holla e Decisions. Mas é tudo bem mansinho, como também a infiltração trap no arranjo de No More, a vibe mais contemporânea de Love Demands.
É essa parte que contém a mais sem-gracinha do álbum, Can’t Explain. E isso é muito sintomático, quando se parte do princípio de que este resenhista é um senhor cinquentão, moderninho até, mas mais próximo de gostar da sonoridade da parte vintage. Por ser blogueiro e não necessitar fingir imparcialidade, posso reconhecer que percebo Love Demands como bom álbum, no atacado, mas só ouço até a sexta canção. Também não creio que os millenials curtirão a parte tencionando ser moderninha, por ser tépida demais.
Desse modo, Love Demands é honorável esforço, muito bem feito, mas que não satisfará ninguém 100%.

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